Um projeto piloto de reutilização de resíduos de demolição na construção de muros de contenção na cidade de Francisco Morato (SP) é um exemplo que a construção civil pode caminhar junto com a sustentabilidade no Brasil. A pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a FBS Construtora visa explorar a potencialidade de um sistema de captura de carbono por meio da construção de muros de contenção, os gabiões. Essa tecnologia usa materiais sustentáveis e contribui para a mitigação das emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera.
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Anualmente, são geradas cerca de 100 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição (RCD) no Brasil, das quais 25 milhões apenas no estado de São Paulo. A falta de estratégias eficientes de reciclagem tem resultado no acúmulo desses resíduos em aterros, aumentando a urgência por soluções sustentáveis.
Ao Terra, o engenheiro Valdir Pereira, pesquisador da USP e especialista em reciclagem de resíduos de construção, cita os benefícios ambientais da metodologia.
"O cimento, ao reagir e endurecer, gera hidróxido de cálcio, que, ao entrar em contato com o CO2 da atmosfera, se transforma em carbonato de cálcio. Essa reação mineraliza o CO2, contribuindo para a redução de poluentes na atmosfera", explica.
De acordo com ele, a captura de CO2 ocorre da seguinte maneira. Devido à presença do gás carbônico na atmosfera, que se relaciona com os agregados utilizados na construção, como brita e areia, durante o processo de hidratação do cimento, uma reação química resulta na formação de hidróxido de cálcio, um composto semelhante à cal hidratada. Esse hidróxido de cálcio, ao entrar em contato com o CO2 da atmosfera, reage para formar carbonato de cálcio, em um processo conhecido como mineralização. Dessa forma, é possível capturar o CO2, proporcionando um benefício ambiental.
O impacto financeiro da iniciativa
A iniciativa, segundo os especialistas, está em linha com o crescente interesse de empresas e pesquisadores em implementar processos industriais de baixo carbono, alinhando a construção civil a práticas sustentáveis que já são adotadas em países da Europa.
"Essa tecnologia pode ser uma solução promissora para os desafios ambientais que enfrentamos", afirma Emanuel Silva, VP de Engenharia na FBS Construtora.
O especialista diz ainda que a adoção de materiais reciclados pode também gerar uma grande economia nas obras.
"O uso de agregados reciclados diminuiu o custo total da obra em cerca de 25%. Além de reduzirmos custos, conseguimos capturar até duas toneladas de CO2 ao longo dos anos, representando um retorno financeiro de até R$ 60,00 para cada metro linear do muro de contenção", calcula.
Além dos benefícios econômicos e ambientais, o projeto atende a uma demanda crescente por regulamentações relacionadas ao mercado de carbono no Brasil. Valdir menciona que já existe um projeto de lei que regulamentará a captura e comercialização de créditos de carbono.
"As construtoras terão limites de emissão de CO2 e, se não conseguirem controlar, precisarão pagar por isso", acrescenta.
Sérgio Angulo, professor e pesquisador da USP, acrescenta que o projeto também considera o potencial de retorno financeiro caso exista um mercado regulado de créditos de carbono e destaca a importância de a administração pública reconhecer o valor ambiental das construções.
"A captura de CO2 nas obras pode ser um grande passo para reduzir o impacto de emissões na cidade, e é crucial que o poder público tenha dados sobre a quantidade de CO2 que a cidade gera e quem são os principais responsáveis", diz.
Angulo também alerta para os desafios enfrentados na construção civil. Atualmente, segundo ele, o setor responde por mais de 50% dos recursos naturais extraídos do planeta. O cimento, por exemplo, é responsável por cerca de 10% das emissões de CO2 antrópicas globais.
"Portanto, economizar cimento e utilizar resíduos para captura de CO2 é uma solução viável e necessária", argumenta.
Os especialistas, juntos, enfatizam a necessidade de mais investimentos e colaboração entre universidades e empresas para avançar nas pesquisas sobre captura de CO2.
"Precisamos provar que essa tecnologia funciona na prática e trazer mais dados que comprovem sua eficácia. A união entre academia e setor privado é fundamental para resolver os problemas que as empresas enfrentam", finaliza Angulo.