Resíduos de obras viram muros de contenção sustentáveis em São Paulo; conheça projeto

Tecnologia foi implantada na cidade de Francisco Morato, na Grande São Paulo, e é desenvolvida pela USP e FBS

26 out 2024 - 05h00
Foto: Reprodução/Pixabay

Um projeto piloto de reutilização de resíduos de demolição na construção de muros de contenção na cidade de Francisco Morato (SP) é um exemplo que a construção civil pode caminhar junto com a sustentabilidade no Brasil. A pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a FBS Construtora visa explorar a potencialidade de um sistema de captura de carbono por meio da construção de muros de contenção, os gabiões. Essa tecnologia usa materiais sustentáveis e contribui para a mitigação das emissões de gás carbônico (CO2) na atmosfera.

Anualmente, são geradas cerca de 100 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição (RCD) no Brasil, das quais 25 milhões apenas no estado de São Paulo. A falta de estratégias eficientes de reciclagem tem resultado no acúmulo desses resíduos em aterros, aumentando a urgência por soluções sustentáveis.

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Ao Terra, o engenheiro Valdir Pereira, pesquisador da USP e especialista em reciclagem de resíduos de construção, cita os benefícios ambientais da metodologia.

"O cimento, ao reagir e endurecer, gera hidróxido de cálcio, que, ao entrar em contato com o CO2 da atmosfera, se transforma em carbonato de cálcio. Essa reação mineraliza o CO2, contribuindo para a redução de poluentes na atmosfera", explica.

De acordo com ele, a captura de CO2 ocorre da seguinte maneira. Devido à presença do gás carbônico na atmosfera, que se relaciona com os agregados utilizados na construção, como brita e areia, durante o processo de hidratação do cimento, uma reação química resulta na formação de hidróxido de cálcio, um composto semelhante à cal hidratada. Esse hidróxido de cálcio, ao entrar em contato com o CO2 da atmosfera, reage para formar carbonato de cálcio, em um processo conhecido como mineralização. Dessa forma, é possível capturar o CO2, proporcionando um benefício ambiental.

O impacto financeiro da iniciativa

A iniciativa, segundo os especialistas, está em linha com o crescente interesse de empresas e pesquisadores em implementar processos industriais de baixo carbono, alinhando a construção civil a práticas sustentáveis que já são adotadas em países da Europa.

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"Essa tecnologia pode ser uma solução promissora para os desafios ambientais que enfrentamos", afirma Emanuel Silva, VP de Engenharia na FBS Construtora.

O especialista diz ainda que a adoção de materiais reciclados pode também gerar uma grande economia nas obras.

"O uso de agregados reciclados diminuiu o custo total da obra em cerca de 25%. Além de reduzirmos custos, conseguimos capturar até duas toneladas de CO2 ao longo dos anos, representando um retorno financeiro de até R$ 60,00 para cada metro linear do muro de contenção", calcula.

Além dos benefícios econômicos e ambientais, o projeto atende a uma demanda crescente por regulamentações relacionadas ao mercado de carbono no Brasil. Valdir menciona que já existe um projeto de lei que regulamentará a captura e comercialização de créditos de carbono.

"As construtoras terão limites de emissão de CO2 e, se não conseguirem controlar, precisarão pagar por isso", acrescenta.

Sérgio Angulo, professor e pesquisador da USP, acrescenta que o projeto também considera o potencial de retorno financeiro caso exista um mercado regulado de créditos de carbono e destaca a importância de a administração pública reconhecer o valor ambiental das construções.

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"A captura de CO2 nas obras pode ser um grande passo para reduzir o impacto de emissões na cidade, e é crucial que o poder público tenha dados sobre a quantidade de CO2 que a cidade gera e quem são os principais responsáveis", diz.

Angulo também alerta para os desafios enfrentados na construção civil. Atualmente, segundo ele, o setor responde por mais de 50% dos recursos naturais extraídos do planeta. O cimento, por exemplo, é responsável por cerca de 10% das emissões de CO2 antrópicas globais.

"Portanto, economizar cimento e utilizar resíduos para captura de CO2 é uma solução viável e necessária", argumenta.

Os especialistas, juntos, enfatizam a necessidade de mais investimentos e colaboração entre universidades e empresas para avançar nas pesquisas sobre captura de CO2.

"Precisamos provar que essa tecnologia funciona na prática e trazer mais dados que comprovem sua eficácia. A união entre academia e setor privado é fundamental para resolver os problemas que as empresas enfrentam", finaliza Angulo.

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Fonte: Redação Terra
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