O que as orcas têm de tão interessante? Numa mesma semana, duas publicações sobre comportamentos inusitados das “baleias assassinas”, como ficaram popularmente conhecidas, viralizaram na rede social X (antigo Twitter). Uma falava sobre um período em que orcas foram avistadas usando “chapéus” de salmão e a outra sobre os casos atuais de orcas interagindo com embarcações.
O Terra buscou uma especialista em biologia marinha para entender melhor o que está por trás de comportamentos tão curiosos desses animais. A bióloga Dani Abras esclarece que muita coisa não tem ainda uma explicação comprovada, mas ela consegue jogar luz sobre alguns pontos.
Por que orcas chamam tanta atenção?
É inusitado ver que duas postagens sobre orcas tiveram um alcance tão grande. Até o número de interações entre os posts é parecido: o primeiro, postado em 15 de fevereiro, recebeu 34 mil curtidas e foi visto por 2,5 milhões de usuários; o segundo, postado em 18 de fevereiro, recebeu 30 mil curtidas e também foi visto por 2,5 milhões de usuários.
Dani Abras, que tem um perfil no Instagram dedicado a compartilhar curiosidades sobre a vida marinha, diz que percebe o interesse maior das pessoas quando ela publica um conteúdo relacionado às orcas. “Quando eu posto sobre baleia, é um alcance. Quando eu posto sobre orca, o alcance é muito diferente. Então, tem um imaginário ali das pessoas, uma curiosidade que é muito atraente, que é muito característico de orcas, não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro”, afirma a especialista, que é natural de Belo Horizonte, e hoje trabalha na Antártica como guia de expedição.
Dani cita a “hollywoodização” das orcas, que assumem a alcunha de “baleias assassinas” por causa, segundo ela, de um erro de tradução. Ela explica que os bascos faziam caça de baleias na região da Península Ibérica e notaram que as orcas também atacavam esses animais. “Então, elas eram assassinas de baleias. Só que, na tradução do basco para o inglês, ao invés de traduzirem assassinas de baleias, eles traduziram baleias assassinas”, explica.
Apesar de não considerar errado chamá-las assim, Dani defende que esse termo gera uma “sensação ruim”. “É como se a gente estivesse chamando um tigre de tigre assassino ou um leão de leão assassino. É o instinto natural das orcas caçar outros animais”, sintetiza.
Depois da criação de todo esse imaginário com o nome “baleias assassinas”, as orcas passaram a ficar mais próximas dos seres-humanos quando foram postas em cativeiros. A Shamu, nome dado às orcas que se apresentavam no parque aquático Sea World, é um bom exemplo dessa proximidade que gera maior interesse dos humanos por orcas.
O que é o chapéu de salmão
O primeiro post a viralizar neste mês sobre as orcas no Twitter conta sobre uma espécie de chapéu usado por um grupo desses animais. O adereço, porém, era um salmão morto.
Orcas usando chapéu de salmão?🍣
Em 1987, uma orca foi avistada empurrando um salmão morto com a cabeça. Em 6 semanas, esse comportamento se espalhou pela comunidade e quase todas as orcas passaram a usar chapéus, até que de repente todo mundo parou.
O que explica isso?🧶
(1/8) pic.twitter.com/vDjio5Zoyz
— Letícia 👑🐳 | Rainha das baleias (@leticiamagpali) February 18, 2024
Dani Abras afirma que a primeira aparição de uma orca com um 'chapéu' de salmão aconteceu em 1987, com uma fêmea, na região do Canadá. “Virou meio que uma moda ali entre a população. Os animais começaram a repetir esse comportamento, porque as orcas são muito sociais e extremamente interessadas nos outros integrantes do próprio grupo”, diz. A bióloga define esses animais como sendo “muito culturais”.
“De repente, depois de cinco ou seis semanas deste episódio acontecendo com alguns outros indivíduos do grupo, eles simplesmente abandonaram esse comportamento e nunca mais foi repetido”, completa Dani. Porém, ainda não há uma explicação para o que levou as orcas a iniciarem esse comportamento.
A bióloga marinha traz algumas hipóteses:
- A primeira orca pode ter feito aquilo por uma brincadeira ou uma espécie de “treinamento” para matar outros animais;
- Ou a orca pode ter tido um chamado comportamento epimelético, quando um animal cuida de outro que está ferido.
“É uma das coisas que eu acredito que possa ter uma explicação, que foi visto ali com a Tahlequah, que é uma orca que carregou o filhote dela por 18 dias, também na cabeça. As orcas devem ter alguma consciência da respiração, então, é meio que 'empurrando' mesmo o animal para a superfície, próximo do ar, já que eles compreendem que o animal precisa respirar”, explica Dani Abras, que aposta que esse tenha sido o motivo da orca ter carregado o salmão na cabeça.
E as interações com barcos?
O segundo post que viralizou no X fala sobre as interações de orcas com embarcações que estão acontecendo na região da Península Ibérica, mais especificamente no Estreito de Gibraltar. Segundo Dani Abras, de 2020 até agora foram registrados mais de 500 episódios de orcas interagindo com embarcações que seriam do tipo veleiro. Ela prefere não usar a palavra “ataque”.
uma amiga minha dos eua me fez um enorme favor indo nesse encontro onde pesquisadores e entusiastas se reuniram pra conversar/debater sobre os casos de ataques de orcas aos iates e eu vou relatar aqui o que ela me passou de informações!! um pequeno fio pra quem se interessa pic.twitter.com/FtxAIzIlyR
— suzanne (@ratazanne_) February 16, 2024
Nessas interações, as orcas estão danificando os barcos e, em algumas vezes, deixaram os tripulantes à deriva. Dani frisa, porém, que não houve nenhum caso de seres-humanos feridos.
A bióloga considera que ocorre o fenômeno similar de que as orcas estão aprendendo por repetição umas com as outras. “Tem uma fêmea mais velha, que é a White Gladys, que ela é a mais frequente observada nessas interações com relação aos iates, e os outros indivíduos são geralmente juvenis. Ou seja, o juvenil é mais curioso, eles fazem esse tipo de comportamento por brincadeira, aprendizado, mais frequente do que adultos”, afirma.
Uma das explicações possíveis para o início dessa interação é que essas orcas tenham confundido os barcos de vela com embarcações pesqueiras, já que a maioria possui marcas na pele de redes de atum. “Acredita-se que essas orcas possam estar tendo interações negativas com embarcações de pesca por conta do atum, elas se alimentam de atum azul. As embarcações pesqueiras, geralmente, vão atrás dos atuns azuis, porque elas têm ali o mesmo objetivo das orcas. Então, acabam tendo interações negativas”, conclui.