Manaus teve o dia mais quente dos últimos 30 anos: a capital registrou 39,2°C na última segunda-feira (2), conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Além da forte onda de calor, os moradores também estão enfrentando um grave período de seca e a fumaça de incêndios em municípios vizinhos. As altas temperaturas iniciaram em setembro e devem continuar até o início de novembro.
Para os próximos meses, as chuvas terão um padrão abaixo do esperado. As temperaturas devem chegar até 4° acima da média em grande parte da região, que já está próximo de 34°, segundo o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam). A temperatura sentida, porém, não é a mesma para todos os manauaras. As condições de moradia, infraestrutura, áreas de lazer e arborização podem variar a sensação térmica.
No bairro Cidade Nova, na zona Norte da capital amazonense, moradores dobram o cuidado para enfrentar o calor e a fumaça, diferente de áreas consideradas nobres da cidade.
Isaias Silva, estudante de biblioteconomia, de 24 anos, mora há anos no bairro, em uma casa com o teto de amianto – fibra mineral natural utilizada principalmente em construções civis, um material que pode provocar doenças respiratórias, câncer, além de intensificar o calor.
Em dias de alta temperatura, ele busca alternativas para aliviar o desconforto térmico. “Não há muita opção, o que fazemos é beber bastante água e se hidratar frequentemente. São seis pessoas morando aqui, além dos animais de estimação, tentamos amenizar o calor ligando os ventiladores e o único ar-condicionado da casa”, relata Isaias ao Terra.
O jovem conta que desde a manhã a cidade registra altas temperaturas que se mantêm até a noite. Mesmo tentando diminuir a sensação térmica, é quase impossível não sentir os efeitos do clima. “A gente tenta amenizar esse calor da cidade, mesmo assim, sentimos dores de cabeça quase todos os dias, principalmente depois da exposição solar”.
Segundo a arquiteta e urbanista Danielle Passos de Oliveira, o efeito do calor é desigual quando se compara bairros pobres com os mais ricos de Manaus, levando em conta a falta de planejamento da infraestrutura.
“Bairros onde habitam pessoas com melhores rendas podem se adaptar melhor ao calor pelas condições de planejamento e localização de sua residência. Se habitam em locais com mais vegetação, ventilação natural, áreas de lazer, árvores, placas solares e ar-condicionado já estão na frente para driblar o calor”, explica.
Mesmo sendo localizada na maior floresta tropical do mundo, Manaus ainda é considerada uma das cidades menos arborizadas do Brasil, conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015. A capital tem apenas 24% da sua área arborizada.
“Sinto que meu nariz arde com o calor e a fumaça”
Com a piora na qualidade do ar, na última quarta-feira (11), os moradores também começaram a sentir desconforto para respirar, como conta a jornalista Juliana Lira, de 24 anos, moradora do bairro Redenção, na zona Centro-Oeste de Manaus.
“Na quarta, o caminho de volta para casa foi muito ruim, cheguei e a minha roupa estava com o cheiro horrível. No dia seguinte, amanheceu quase impossível de respirar, mesmo o ventilador e o ar-condicionado estando ligados no quarto, não está dando conta”, descreve.
O cenário de fumaça agravou o quadro de saúde de Juliana, que tem utilizado toalhas molhadas no rosto para tentar conseguir respirar melhor. “Tenho rinite alérgica, não sei se pode piorar, mas nos últimos dias tenho espirrado bastante e sinto que o meu nariz arde bastante quando tento sair de casa. Tenho tentado seguir uma rotina normal, apesar de agonia com o calor e com a fumaça”, conta.
As consequências das altas temperaturas podem variar, desde uma instabilidade emocional até desidratação, sangramento nas cavidades nasais e irritabilidade - como explica a médica nutróloga Bruna D’Ávila.
“Essa sensação, exageradamente, faz com que o corpo sofra com o estresse pela instabilidade do metabolismo corporal, provocando tontura, dor de cabeça, enjoo, desorientação, irritação, desidratação da pele e mucosas (lábios, nariz), causando inclusive lesões e sangramento na cavidade nasal. São fatores que trazem como consequência o declínio da produtividade física e mental”, resume.
“Não me mudaria e não acho que seja um lugar tão quente”
A sensação térmica muda um pouco no outro lado da cidade. No bairro Ponta Negra, na zona Oeste de Manaus - considerado um bairro de classe alta, os moradores dos condomínios de casas e apartamentos planejados contam com uma casa de praia, ciclovias e uma área de lazer para exercícios físicos. Com isso, o mobiliário urbano facilita a ventilação e diminui a sensação térmica.
“Bairros planejados contemplam mais e maiores áreas verdes, mais distribuídos e mais conservados, diminuindo maior incidência de calor, preservando o ambiente com sombra, retendo umidade e aliviando a sensação de calor. Em bairros com o crescimento desordenados acontece o oposto, a intervenção do Estado e dos moradores vem depois, e não há essa preocupação com a urbanização”, explica o engenheiro civil Hiran Estumano Galvão Junior.
Alguns moradores sentem que, por ser uma parte da cidade um pouco mais arborizada, não é tão quente assim. A publicitária Renata Bindá, de 30 anos, mora em condomínio fechado e passeia pelo local de manhã ou no final da tarde, com caminhadas ou corridas.
“Não mudaria de bairro e não acho que seja um lugar tão quente, por causa das árvores próximas, mesmo estando mais quente que o normal na cidade inteira. Quando estou em casa, fico com o ar-condicionado ligado ou ventilador”, relata.
Os cinco quartos da casa contam com ar-condicionado e ventilador. A única que sente um pouco mais de calor é a mãe de Renata, que está na menopausa. “Nunca passei mal por conta do calor. Minha mãe sofre um pouco mais por causa da menopausa, sempre toma banho para se refrescar. Já eu, tento beber água e não sair nos horários de pico do calor. Ao redor do condomínio tem várias casas e jardins".
Segundo Natacha Cíntia Regina Aleixo, professora doutora em Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é necessário um planejamento mais justo nas cidades, que amplie áreas de lazer e arborização.
“Precisamos pensar em subsidiar materiais construtivos mais adequados para o conforto térmico, moradias com materiais adequados (telha, altura de edificação...) para o tipo climático equatorial. O planejamento urbano e arquitetônico é fundamental para a qualidade ambiental das cidades. Enquanto isso, quem mais sofre são pessoas em vulnerabilidade social, em bairros em que as moradias não são planejadas”, ressalta.
* Trainee sob supervisão de Karen Lemos