Dia da Biodiversidade: como a preservação (ou a falta dela) afeta seu dia a dia?

Especialistas ouvidos pelo Terra explicam por que você deve se preocupar com a preservação da natureza, mesmo nos grandes centros urbanos

22 mai 2024 - 05h00
Dia da Biodiversidade: entenda como a preservação (ou a falta dela) afeta seu dia a dia
Dia da Biodiversidade: entenda como a preservação (ou a falta dela) afeta seu dia a dia
Foto: Artur Debat/Getty Images

"Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo ou uma revolução, alguns diz que assim é que a Natureza compôs suas espécies". O trecho, escrito por Machado de Assis em 1883, concebe a biodiversidade como uma obra-prima. Mais de 140 anos depois, a discussão deu lugar a meios de preservação de um meio ambiente já degradado e próximo a um ponto em que ações de conservação já não mais surtem efeito. 

Nesta quarta-feira, 22, é celebrado o Dia Internacional da Biodiversidade, que integra os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e abrange temas como agricultura, desertificação e secas, água e saneamento, saúde, ciências e inovação, entre outras agendas.

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E por que você deve se preocupar com isso? Porque a biodiversidade - e a falta dela - afeta diretamente o seu dia a dia. 

"Exemplo claro é a tragédia que acontece no Rio Grande do Sul. Quando tiramos a cobertura natural, expomos um pedaço de terra ou margem de rio a situações que não aconteceriam naturalmente, como o assoreamento e o aumento do nível da água", afirma a professora Déborah Yara Alves Cursino dos Santos, doutora em Ciências Botânicas e chefe do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Termômetro na Avenida Sumaré, em São Paulo, marca 39ºC por volta das 16h30.
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

Ao Terra, a especialista explicou como a biodiversidade afeta a vida das pessoas, inclusive de quem mora em grandes centros urbanos. Em São Paulo, por exemplo, o calor atinge níveis recordes desde julho de 2023, o que Déborah atribui à falta de cobertura natural em regiões como o centro da capital. 

"As pessoas sofrem com um calor absurdo no centro, com o ar quente e seco, além de não ter sombra. É diferente, por exemplo, do que acontece no Parque do Ibirapuera, onde há uma cobertura maior, o ar é mais leve e úmido, e as temperaturas são mais amenas", cita a professora. 

Dados publicados em abril pela Global Forest Watch, plataforma internacional que monitora níveis de desmatamento ao redor do mundo, por exemplo, dão conta de que, apesar do Brasil reduzir significativamente seus níveis de destruição de biomas, o planeta está longe de atingir as metas de preservação estabelecidas para 2030. 

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Segundo a organização, no ano passado, os países dos trópicos perderam áreas de mata equivalentes a 10 campos de futebol por minuto para o desmatamento. "As acentuadas quedas na Amazônia brasileira e na Colômbia mostram que o progresso é possível, mas o aumento do desmatamento em outras áreas praticamente anulou esse progresso", afirmou a diretora Mikaela Weisse. 

Incêndio no Cerrado em Tocantins, em 2019
Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Conscientização e responsabilidade

"Cabe a nós pensarmos que somos mais uma espécie entre outras tantas. Se só retirarmos as outras, no futuro não conseguimos replicar as interações naturais que ocorrem na natureza. Remover uma cobertura natural só deve acontecer em caso de extrema necessidade", destaca Déborah. 

No entanto, pode ser difícil construir uma relação com o meio ambiente em meio a um grande centro urbano, mas a conscientização sobre o consumo responsável e o descarte correto de resíduos, que podem ser praticados em qualquer lugar, são essenciais na preservação da biodiversidade, afirma Déborah.  

"Parece redundante, mas temos que nos preocupar mais com nossos descartes. Nossa preocupação com a biodiversidade é de que geramos lixo demais. Mesmo que eu não derrube uma árvore, se eu não me preocupo em descartar um monte de papel, tenho que pensar que estou prejudicando da mesma forma", diz. 

Déborah também critica o consumo desenfreado de plásticos e derivados de petróleo que, apesar do baixo custo de produção, demoram para se decompor na natureza e contribuem à degradação. "É claro que não é simples [diminuir o uso], mas precisamos considerar consumir aquilo que precisamos efetivamente". 

 "Vivemos em um mercado que estimula um consumo sem perspectivas com o futuro, em que eu compro algo e, se tive algo parecido mais antigo, descarto fora. Esse consumo consciente precisava, inclusive, ser ensinado nas escolas", afirma.  

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Esportes aliados à conservação

Para o biólogo e instrutor de mergulho Eric Comin, a prática de esportes ao ar livre é um dos meios que as pessoas podem recorrer para buscar o contato com a natureza. "Fazer uma trilha, andar de caiaque, mergulhar, são ferramentas para a conservação". 

Comin reforça a importância da criação e manutenção de unidades de preservação naturais, onde a população possa se aproximar da natureza e ainda funcionem como pontos de recuperação de espécies. "Muitas vezes, esses ambientes servem como atrativos às espécies, para reprodução, nidificação". 

"É importante incentivar a criação, de proteção integral, a visitação leva a uma consciência geral de 'cuidarmos daquilo que conhecemos'. Existe todo um trabalho de educação ambiental desenvolvido por profissionais, então temos a obrigação de deixar, para as futuras gerações, um planeta digno de biodiversidade e principalmente trabalharmos a educação ambiental", diz o biólogo.  

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Foto: REUTERS/Diego Vara

Diversidade pela sobrevivência

Déborah ressalta que, quando se fala em biodiversidade, não diz respeito somente a grandes espécies de árvores ou animais de grande porte, mas também de microorganismos, bactérias, plantas e animais variados, e como essas espécies interagem entre si. 

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"Imagine um plantio onde se cultiva um único tipo de planta, como o milho. Se houver uma praga que for efetiva na predação, como um inseto, a chance dele destruir essa produção é enorme. Se você tem outras espécies além do milho, pode ser que essa praga sequer tenha o interesse por aquele cultivo. Isso é o que a biodiversidade faz e, na falta dela, temos que usar uma série de artifícios para mimetizar a situação de um campo natural, em que as coisas eram ofertadas na plenitude", exemplifica a professora. 

A preservação de um bioma, além de toda sua biodiversidade, garante a sobreviência de uma cobertura natural selecionada evolutivamente ao longo de milhões de anos, explica Déborah. Sua remoção em detrimento de estruturas artificiais coloca em risco, inclusive, a vida da população. 

"É o que vimos no Sul, infelizmente. Quando você tem um condomínio à beira de um rio, por exemplo, ele está submetido ao ciclo daquele corpo d'água -- a depender do quanto aquele rio espaço é invadido, maior pode ser o risco às pessoas", afirma a professora. 

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Fonte: Redação Terra
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