A crise climática é uma realidade. O que está em aberto, no entanto, é como será daqui pra frente. No caso do Estado de São Paulo, no pior cenário e em regiões específicas, períodos de calor extremo podem chegar a durar 150 dias. É o que projeta uma pesquisa do agora Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil).
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A pesquisa foi feita entre 2017 e 2021, com publicação em 2022. Porém, o material foi resgatado pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) na última quinta-feira, 25, e repercutiu na internet.
Ao Terra, a presidente da associação, Helena Dutra Lutgens, explicou que a motivação para trazer esses dados à tona partiu dos eventos extremos dos últimos meses – como o caso do Rio Grande de Sul. “A pesquisa fica, muitas vezes, restrita à comunidade científica da área específica. É importante divulgar. Esse é o momento em que a sociedade tem que mudar e tem que cobrar mudanças”, frisa.
Calhou que esses dados ressurgiram dias após as redes sociais serem tomadas pela repercussão alarmista de que o Brasil ficaria ‘inabitável’ em 50 anos por causa do calor – desmentida pelo Terra, em apuração que destrincha o estudo e traz análises de especialistas.
Nesta matéria, a reportagem busca entender os ‘150 dias de calor’ que podem chegar em terras paulistas e conversa com especialistas sobre a gravidade da questão.
O que está em jogo?
No estudo Projeções climáticas regionalizadas para o Estado de São Paulo, Brasil, no período 2020 - 2050, pesquisadores analisaram dados de 1961 a 1990 e fizeram projeções de 2020 a 2050 a partir de modelos climáticos.
No geral, o que se crava é que a atmosfera estará mais quente “e que a sociedade precisará se adaptar a limites diferentes daqueles que convive atualmente”. Isso tanto no cenário mais otimista, que idealiza que os níveis de concentração de CO² – gás carbônico, um dos principais gases do efeito estufa – estão globalmente estabilizados, quanto no mais pessimista, que pressupõem que os níveis de emissões são três vezes maiores em 2100 do que atualmente.
Mas, em meio a variáveis apresentadas, um dado chama a atenção: com relação à temperatura máxima anual, o Estado de São Paulo pode ter aumento de até 6 ºC em certas regiões. No caso, o maior aquecimento é projetado para a área central. Nas áreas litorâneas de São Paulo, as máximas sobem 3 a 4 ºC – com relação ao ‘normal’ entre 1961 - 1990.
Esse calor extremo está atrelado a um aumento significativo no indicador de ondas de calor no Estado de São Paulo. No cenário mais pessimista, períodos de pico de calor podem ser superiores a 150 dias no norte do Estado. No melhor cenário, o menor aumento projetado é de 25 dias no sul do Estado, nas áreas litorâneas. Confira as legendas das regiões dos mapas no fim da matéria.
O estudo é assinado por quatro pesquisadores. No início, a pesquisa era tocada pelo Instituto Geológico, que deixou de existir ao ser fundido com os institutos Florestal e Botânica e, juntos, deram origem ao Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) em 2021. Pelo, agora, IPA estão os pesquisadores Gustavo Armani e Nádia Lima.
Já pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, a Cetesb, há Maria Fernanda Pelizzon Garcia. Por fim, a pesquisadora Jussara de Lima Carvalho aparece vinculada à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de SP.
A reportagem tentou entrevistar algum dos pesquisadores, mas a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) não autorizou.
Cautela e realidade
Em entrevista ao Terra, analisando o estudo, o doutor em meteorologia Marcelo Seluchi fez algumas ponderações e frisou ser importante ter cautela – principalmente com relação aos números – quando projeções do tipo são apresentadas.
Ele, que é coordenador-geral de operações e modelagem no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do governo federal, frisa que os modelos utilizados em pesquisas do tipo não têm precisão para cravar quantos graus irá aumentar e por quanto tempo essas situações mais quentes podem durar. São previsões.
Além disso, com relação à projeção de que as ‘ondas de calor’ podem chegar a 150 dias de duração, Seluchi faz outro alerta. Para ele, se o aumento da temperatura chegar a se manter por tanto tempo - 5 meses - não será mais uma questão de ‘onda de calor’. Mas, sim, de um ‘novo normal’.
Mas, de maneira geral, ele endossa o que é pontuado pela pesquisa. “Há um consenso entre todos os modelos de projeção climática de que a temperatura média vai aumentar, que as ondas de calor serão mais frequentes e que a região Sudeste em geral, e isso inclui São Paulo, terá uma estação chuvosa mais curta, com episódios mais extremos. Teremos uma estação seca mais longa e mais quente”, pontua.
Uma frente fria hoje consegue provocar mais chuva do que uma frente fria de 200 anos atrás, explica. Isso porque, com a temperatura global cada vez mais alta, a atmosfera retém mais umidade – e há maior potencial de chuvas extremas. Sendo assim, mesmo que o futuro não seja, exatamente, o projetado no estudo do Instituto de Pesquisas Ambientais, os impactos vão continuar.
“Acho que as pessoas já estão sabendo, já estão intuindo. O clima está se tornando cada vez mais hostil. Não está nos favorecendo como nos favoreceu no passado. E situações que pareciam quase impossíveis estão se tornando realidade. É para esses lados que estamos indo, infelizmente”, indica o pesquisador.
(Legenda das regiões dos mapas acima)
01: Mantiqueira; 02: Paraíba do Sul; 03: Litoral Norte; 04: Pardo; 05: Piracicaba/Capivarí/Jundiaí; 06: Alto Tietê; 07: Baixada Santista; 08: Sapucaí/Grande; 09: Mogi Guaçu; 10: Tietê/Sorocaba; 11: Ribeira de Iguape/Litoral Sul; 12: Baixo Pardo/Grande; 13: Tietê/Jacaré; 14: Alto Paranapanema; 15: Turvo/Grande; 16: Tietê/Batalha; 17: Médio Paranapanema; 18: São José dos Dourados; 19: Baixo Tietê; 20: Aguapeí; 21: Peixe; 22: Pontal do Paranapanema.