Em cerca de 12 meses, o presidente do Instituto Vida Livre, Roched Seba, viu aproximadamente 40 animais serem acolhidos com sinais de que haviam sido eletrocutados pela fiação elétrica no Rio de Janeiro. Desses, Roched consegue recordar de apenas quatro que retornaram para a natureza e outros três que continuam recebendo cuidados no instituto.
"É muito sério e é muito absurdo que as empresas vejam isso e não façam nada, que os acionistas dessas empresas vejam isso e não façam nada", diz Roched, que não esconde sua indignação ao falar com o Terra.
Nas redes sociais, o Instituto Vida Livre tem mais de 280 mil seguidores, que se compadecem com as histórias dos animais. Mais recentemente, a trajetória de recuperação de Buba, a preguiça-de-três-dedos que está em reabilitação no instituto, tem comovido os admiradores do trabalho da ONG. Buba está fazendo tratamento com pele de tilápia e ainda há esperanças de que ela possa ser solta na natureza.
As preguiças e os macacos são os mais citados nos exemplos usados por Roched, que explica que não há limitação para tipos de animais que são vítimas de descarga elétrica na fiação urbana. "Existem preguiças, macacos pregos, gambás, ouriços, entre outros."
O efeito da descarga elétrica
Os choques na fiação preocupam porque vão além das queimaduras externas. "A corrente elétrica quando passa pelo corpo do animal queima o animal por dentro. Então eles têm hemorragias. É um processo ultra doloroso que esses animais passam. Eles chegam desidratados, com a pressão arterial lá embaixo. Chegam morrendo”, diz Roched.
Um dos macaquinhos salvos pela ONG, o Marcelinho, perdeu os dois braços e foi, segundo Roched, "praticamente ressuscitado" no instituto. "Ele estava vomitando sangue e a gente conseguiu conter a hemorragia e salvá-lo", relembra.
Apesar de terem conseguido manter Marcelinho vivo, ele nunca mais será o mesmo. Não foi devolvido à natureza, mas enviado a um santuário, acompanhado de outra macaquinha, também amputada, batizada de Marcelinha. O macho foi castrado para evitar que eles se reproduzissem em cativeiro e sem condições de cuidarem sozinhos do filhote.
"A gente castrou um animal que está ameaçado de extinção. O Marcelinho e a Marcelinha são animais que, embora estejam vivos, em termos de biodiversidade eles ficam perdidos do planeta", lamenta Roched.
Aqueles que voltam à natureza são libertados em áreas próximas a onde foram encontrados, mas com o cuidado de não os deixarem expostos novamente às fiações elétricas.
Há solução?
Roched Seba não economiza em críticas às concessionárias de energia do Rio de Janeiro. Para ele, não há dúvidas de que as empresas precisam ser responsabilizadas. E o presidente do instituto ainda reforça que a solução para este problema também precisa ser pensada por elas.
"Não sou eu que vou falar aqui do Rio de Janeiro com a solução para o Brasil todo", diz. Roched defende que haja investimento em pesquisas nas universidades para o desenvolvimento de tecnologias de transmissão de energia mais responsáveis.
Ele conta que o Instituto Vida Livre chegou a colaborar com a elaboração do Projeto de Lei 564/2023, que institui a Política de Prevenção de Acidentes Elétricos com Animais Silvestres. O PL foi apresentado em fevereiro deste ano na Câmara dos Deputados, mas ainda não foi votado. Em setembro, artistas de expressão nacional se uniram à ONG numa campanha a favor do projeto.
O que as empresas dizem
No Rio de Janeiro, há duas distribuidoras de energia, a Enel e a Light, que atuam em diferentes regiões da cidade. Confira abaixo os posicionamentos de cada uma delas:
A Light disse que está "em diálogo com o IBAMA para estabelecer um Convênio de apoio à recepção, atendimento e destinação/soltura de animais. No momento, o documento está em análise técnica e jurídica."
A empresa citou a região do Jardim Botânico como um ponto sensível e esclareceu que foram feitos serviços em várias ruas do bairro, "incluindo troca de transformadores, rede de baixa tensão e postes, visando mitigar possíveis impactos à fauna.”
A concessionária também mencionou a poda de árvores e o uso de protetores e mantas para reduzir o contato direto dos animais com a rede de energia. "Em áreas propensas a animais, os condutores de média tensão são revestidos e protegidos quanto ao contato direto com o condutor energizado e os circuitos passam por inspeções anuais para identificar fragilidades e defeitos."
Já a Enel disse que "possui uma série de ações e projetos como, mapeamento de áreas ambientais sensíveis, investimentos em redes protegidas e isoladas, bem como um plano anual de podas de árvores que ajuda a manter os animais distantes da rede."
"A empresa tem contato com todas as Unidades de Conservação da Natureza federais, estaduais e municipais, avaliando os pontos mais sensíveis, onde há conhecimento de áreas vegetadas com maior incidência de animais silvestre, pautando seus projetos de novas redes bem como manutenção de redes existentes que estão sob sua responsabilidade, com condutores protegidos, protetores e mantas para minimizar o contato direto com pontos energizados da rede, que protegem a fauna do risco de eletrocussão", continuou a concessionária.
O Terra também procurou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que afirmou que fiscaliza as concessionárias e permissionárias de distribuição de energia elétrica. "É importante salientar que as distribuidoras também devem observar as normas ambientais brasileiras aplicáveis na sua área de concessão ou permissão e que cabe aos órgãos de fiscalização do meio ambiente no âmbito municipal, estadual e federal fazerem cumprir a legislação ambiental", diz a nota do órgão.
A Aneel não respondeu se há ou não um balanço de animais vítimas de choques elétricos na fiação no Brasil.