Pesquisadores do Projeto de Perfuração Transamazônica (Trans-Amazon Drilling Project, na sigla em inglês TADP) participaram da IV Conferência Internacional sobre Perfuração Científica Continental em Potsdam, na Alemanha. O evento ocorreu entre os dias 21 e 23 de julho e foi organizado pelo ICDP (International Continental Scientific Drilling Program), consórcio composto por diversos países que financia projetos de pesquisa pelo mundo que necessitam de perfurações.
“A conferência permitiu conhecer outros projetos do ICDP e apresentar o TADP para a comunidade científica que realiza pesquisas com perfuração do subsolo”, diz o pesquisador André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, integrante do comitê executivo do TADP ao lado de Anders Noren, da Universidade de Minnesota, e Sherilyn Fritz, da Universidade de Nebraska.
“Também foi importante para obtermos informações e articularmos uma proposta para o Brasil virar membro do ICDP porque há questões fundamentais da Ciência e para o desenvolvimento sustentável que dependem da investigação do subsolo por meio de perfurações para coleta de amostras e instalação de instrumentos para monitoramento”, explica. “Isso inclui conhecimento sobre mudanças climáticas e ambientais, origem da vida, prevenção de catástrofes naturais [erupções vulcânicas, terremotos e inundações], energia renovável, transição para sociedade de baixo carbono entre outros temas”.
De acordo com os pesquisadores, a abordagem dessas questões requer grupos de pesquisa multidisciplinares, com financiamentos elevados e de longa duração. Engloba ainda o desenvolvimento de novas tecnologias que podem ser alcançadas por meio de iniciativas globais, como as do ICDP.
Projeto de Perfuração Transamazônica
O TADP é o mais amplo programa internacional de pesquisa científica já estruturado para entender a origem e a evolução da biodiversidade da Amazônia e sua relação com o ambiente, a fim de entender a história do planeta Terra na região centro-norte da América do Sul e os impactos das mudanças climáticas.
Após dez anos de planejamento e uma pandemia, as operações de sondagem iniciaram com a primeira perfuração de subsolo em 16 de junho de 2023, no município de Rodrigues Alves, às margens do Rio Juruá, próximo à fronteira com o Peru, no Acre. A praça de sondagem foi montada em um terreno particular que recebeu uma estrutura com cerca de dez caminhões com toneladas de equipamentos e a presença de ao menos 25 profissionais que se revezam trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana.
Os pesquisadores pretendem alcançar 2.000 metros de profundidade em rochas e sedimentos para coletar testemunhos (amostras cilíndricas de até 3 metros de comprimento) da era Cenozoica, que compreende os últimos de 66 milhões de anos, iniciando-se com a extinção dos dinossauros e o desenvolvimento das florestas tropicais atuais. A perfuração iniciou com um diâmetro do poço de 12,5 centímetros (testemunhos de 8,3 cm de diâmetro) em seus primeiros 560 metros de profundidade e deve se estender até o final de setembro. O projeto envolve ainda uma segunda perfuração a 1.200 metros de profundidade na bacia do Marajó, no Pará, que deve ocorrer até o final de 2023. Ambos locais foram escolhidos por conta de perfurações da Petrobras realizadas na década de 1960 próximas dessas regiões que indicavam a presença das rochas sedimentares ideais para o trabalho científico.
“Os sedimentos acumulados ao longo do tempo estão organizados em camadas, que funcionam como um arquivo do passado da Amazônia”, explica o pesquisador André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da USP. “Esses sedimentos são detritos produzidos pelo intemperismo das rochas e transportados pelos rios até as bacias sedimentares, depressões onde os sedimentos são acumulados e transformados em rochas sedimentares ao longo do tempo. Eles guardam informações sobre o clima da América do Sul no passado, das antigas florestas, das montanhas e dos rios que existiram na Amazônia”.
Nesses sedimentos, os pesquisadores vão estudar os microfósseis, minerais e material orgânico para reconstituir a diversidade de como eram essas florestas no passado e o seu ambiente. A literatura científica ainda não conseguiu uma explicação única para a origem e a evolução da Amazônia, por isso a relevância e originalidade do projeto.
“Em termos de ciência básica é o progresso do conhecimento humano em entender um elemento globalmente importante para o planeta porque a Amazônia, além de ser a maior e mais diversa floresta tropical do mundo, hospeda 11 dos 20 maiores rios do planeta e representa o coração da monção [ventos sazonais associados à alternância entre a estações das chuvas e da seca] da América do Sul, que é um dos principais elementos do clima global”, completa Sawakuchi.
“Quando entende-se como eram nossas florestas nos últimos milhões de anos, como elas mudaram e o que aconteceu com base nas mudanças climáticas, conseguimos também fazer melhores previsões para o futuro”, diz a bióloga Lucia Lohmann, integrante do projeto e professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “Então, estamos reconstruindo o passado para poder entender e se preparar melhor para o futuro”.
O TADP envolve 60 pesquisadores de doze instituições nacionais e internacionais, como geólogos, geofísicos, geógrafos, oceanógrafos, paleoclimatólogos e biólogos entre outros profissionais. O comitê executivo é composto pelos brasileiros André Sawakuchi, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, e Cleverson Silva, da Universidade Federal Fluminense, e pelos norte-americanos Paul Baker (Universidade de Duke), Sherilyn Fritz (Universidade de Nebraska) e Anders Noren (Universidade de Minnesota).
O investimento da sondagem é de cerca de US$ 3.9 milhões, desse total US$ 1.1 milhão é financiado pelo ICDP, US$ 1.1 milhão da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, US$ 700 mil do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI), com sede no Panamá, e US$ 1 milhão da FAPESP (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo), que também contribuiu com mais um investimento de R$ 1 milhão em bolsas de pesquisa e outros recursos e despesas do projeto.
Adriana Farias é jornalista, escritora e documentarista reconhecida em 13 prêmios, como o Inter American Press Association. É fellow do programa de Jornalismo Científico vinculado ao Trans-Amazon Drilling Project pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) @adrianafariasjornalista