Qual é a visão de Donald Trump sobre a liderança americana no mundo?
O discurso de posse do presidente dos Estados Unidos nos deu uma pista - "a partir de hoje, será sempre America First (Estados Unidos em primeiro lugar)" -, mas quatro meses depois, o que se sabe além disso?
Uma série de episódios mostra a falta de compromisso do presidente com acordos de pós-guerra, sua atitude em relação ao comércio e sua falta de vontade de colaborar em questões como a mudança climática. A polêmica mais recente foi a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, que tem o objetivo de impedir o aumento da temperatura do planeta em mais de 2 graus Celsius.
Diante disso, os críticos de Trump têm uma visão pessimista.
"O efeito cumulativo das políticas de Trump, limitadas por sua absurda e trágica decisão sobre Paris = abdicação da liderança global da América. Vergonha!", tuitou Susan Rice, ex-assessora de segurança nacional de Barack Obma.
"O instinto de Donald Trump é contrário às ideias que sustentam o sistema internacional do pós-guerra", escreveu G. John Ikenberry, professor de política e relações internacionais da Universidade de Princeton, na revista Foreign Affairs.
"Ao longo da idade antiga e moderna, grandes lideranças vieram e se foram", afirmou.
"Mas geralmente acabavam em assassinato, e não com suicídio", completou Ikenberry.
Dois assessores próximos a Trump argumentam, no entanto, que os aliados dos Estados Unidos não têm nada a temer.
"America First não significa a América sozinha", afirmaram o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, Herbert McMaster, e o diretor do Conselho Econômico Nacional, Gary Cohn, ao Wall Street Journal.
Segundo os assessores, o presidente reiterou o compromisso dos Estados Unidos com o princípio de defesa coletiva da Otan. E disseram que a América não vai "liderar da retaguarda", fazendo referência ao governo Barack Obama.
Também deixaram claro que a abordagem do presidente é fundamentalmente transacional e altamente competitiva.
Eles elogiaram ainda a "a clareza de visão de Trump, que diz que o mundo não é uma comunidade global ", mas uma arena onde nações, instituições não governamentais e empresas interagem e competem por vantagem".
De acordo com eles, quando os interesses da América estão alinhados com os de seus aliados e parceiros, a administração Trump está aberta a trabalhar em conjunto para resolver problemas.
Mas os dois assessores encerram o texto com uma declaração ambígua sobre o principal objetivo de Trump.
"America First sinaliza a restauração da liderança americana e o papel tradicional do nosso governo internacionalmente - usar os recursos diplomáticos, econômicos e militares dos EUA para aumentar a segurança americana, promover a prosperidade americana e ampliar a influência americana em todo o mundo".
Não se vê, no entanto, espaço para o que pregou o ex-presidente Harry Truman em 1945, que "não importa o quão grande seja a nossa força, devemos negar a nós mesmos a licença de fazer sempre o que nos agrada".
Para Trump, o exercício da influência americana gira em torno da imposição da vontade de Washington.
Abordagem de força
"Devemos fazer com que a América seja respeitada de novo e devemos tornar a América grandiosa novamente", declarou Trump em abril do ano passado.
"Se pudermos fazer isso, talvez este século possa ser o mais pacífico e próspero que o mundo já viu", completou.
Críticos fervorosos de Trump reagiram com repúdio ao artigo de McMaster e Cohn.
O comentarista conservador David Frum disse que os dois assessores "repensaram os Estados Unidos à imagem de seu próprio chefe - egoísta, isolado, brutal, dominador e impulsionado por instintos, em vez de ideais ou mesmo interesses de longo prazo".
Na primeira viagem internacional de Trump, houve momentos em que a linguagem corporal e o comportamento do presidente pareciam calculados para confirmar os piores medos de seus oponentes.
Quando o chefe da Casa Branca foi filmado empurrando o premiê de Montenegro, Dusko Markovic, parece ter revelado uma faceta feia do America First.
Um bilionário que está acostumado a tratar aliados e inimigos de acordo com sua vontade parece ter dificuldades com qualquer ato mais colaborativo.
Há sinais, no entanto, de que essa abordagem de força, embora seja popular entre seus simpatizantes no país, já provocou uma mudança nas placas tectônicas da ordem mundial global.
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que "o tempo em que podiam depender completamente de outros, de certa forma, terminou".
"Nós, europeus, realmente temos que lutar pelo nosso destino com as próprias mãos", afirmou Merkel no último domingo.
Ela deu uma declaração semelhante ao receber, em Berlim, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang.
"Estamos vivendo tempos de incerteza global", disse a chanceler, "temos a responsabilidade de expandir nossa parceria... e pressionar por uma ordem mundial baseada em leis".
Li Keqiang mostrou, por sua vez, que a disposição é recíproca.
"Estamos ambos prontos para contribuir para a estabilidade no mundo", declarou.
Já ficou claro, desde a eleição de Trump, que a China vê esse momento como uma oportunidade.
"Quem estava no pelotão de frente ficou para trás de repente e empurrou a China para a liderança", disse Zhang Jun, do Ministério das Relações Exteriores, à imprensa em janeiro.
No Fórum Econômico Mundial, em Davos, o presidente da China, Xi Jinping, defendeu a globalização e o livre comércio, criticados com frequência e veemência pela campanha de Trump.
A União Europeia e a Otan também trataram com desdém as críticas de Trump e, apesar de o presidente ter adotado um tom mais moderado na sequência, o estrago, sem dúvida, já estava feito.
David Frum chega a uma triste conclusão. Os Estados Unidos não são mais o líder que seus parceiros costumavam respeitar, "mas uma força imprevisível e perigosa nas relações mundiais, a ser contida e dissuadida por novas coalizões de ex-aliados".