Governo 'pulou' debate no Congresso, diz juiz que anulou decreto de Temer sobre Amazônia

Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, afirma que "cumpriu seu dever constitucional" ao bater o martelo contra os dois decretos assinados pelo presidente para a abertura da área para a mineração.

30 ago 2017 - 13h53
(atualizado às 13h56)

O governo Michel Temer desobedeceu a Constituição ao decidir por decreto, sem levar a questão para discussão entre parlamentares e em audiências públicas, que a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) deveria ser extinta.

Quem afirma é o juiz federal Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, responsável por derrubar a decisão do presidente, em entrevista exclusiva à BBC Brasil.

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O magistrado afirma que "cumpriu seu dever constitucional" ao bater o martelo contra os dois decretos assinados por Temer para a abertura da área para a mineração.

Sua decisão também prevê que qualquer decreto futuro com finalidade de extinguir a reserva natural ficaria também automaticamente suspenso.

"O Executivo tentou recentemente fazer uma alteração em uma área federal para a mineração através do Congresso e está tendo dificuldades, graças a pressão da sociedade", disse o juiz à reportagem, por telefone.

"Discussões sobre qualquer recurso mineral estão inseridas no entendimento moderno de proteção ambiental", continua. "Esta àrea (da Renca) está, sim, sujeita a uma regra maior e tem que passar pelo Congresso. Não se pode fazer por decreto, que teoricamente não precisa da anuência de ninguém."

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Foto: BBC News Brasil

Recurso

Em nota enviada à BBC Brasil, a Advocacia-Geral da União (AGU) diz que vai "recorrer da decisão da 21ª Vara Federal do Distrito Federal que suspendeu os efeitos do Decreto 9.142/2017 e dos demais atos normativos publicados sobre o mesmo tema".

A decisão do juiz Spanholo atende a uma ação popular contra o presidente Michel Temer, que questionava o ato administrativo que vem gerando controvérsia desde a última semana.

Diante da repercussão negativa da extinção da Renca desde a última quinta-feira, o governo voltou atrás nesta segunda-feira e decidiu revogar o ato.

Embora tenha trazido ânimo aos críticos da medida, a nova versão do decreto manteve a extinção da área da Reserva Nacional de Cobre e Associados, apenas reiterando que estão fora da área a ser explorada as áreas de conservação da floresta, terras indígenas e região de fronteiras.

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À BBC Brasil, o juiz declara que qualquer decreto está suspenso a partir de sua decisão.

"O fato de ser o primeiro decreto ou segundo decreto é irrelevante. O foco da ação é qualquer ato presidencial sobre a extinção da reserva na Amazônia. O foco da ação é a extinção da área, que se manteve", explica.

Segundo a BBC Brasil apurou, uma nova decisão que cancela a extinção da reserva deve ser tomada pela Justiça do Amapá, aumentando a pressão contra o decreto de Temer.

Michel Temer
Foto: BBC News Brasil

'Decisão técnica'

Spanholo reiterou diversas vezes à reportagem que não cabe a ele dizer se a decisão pela extinção é correta ou incorreta. Ele explica que seu trabalho é técnico.

"Como magistrado, eu não faço juízo de valor sobre a pertinência da questão. Não cabe a mim. É a ordem constitucional que delimita o meu trabalho e, neste caso, a questão precisava ser enviada para o Congresso."

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O juiz é conhecido nos meios jurídicos por sua história pessoal inspiradora - entre os 9 e os 15 anos, ele e os irmãos trabalhavam como borracheiros como o pai. Anos depois, foi aceito em uma faculdade de Direito a 250 quilômetros de casa e trabalhou como costureiro para pagar os estudos.

À reportagem, ele diz que "pelo fato de ter uma historia diferente", precisa ter "muita prudência em suas decisões".

"Não é porque sou uma pessoa do interior que minhas decisões seriam movidas por qualquer outra razão que não o ordenamento constitucional."

O juiz federal afirma que, apesar de a Renca ter sido constituída em 1984, a Constituição de 1988 prevê que unidades de conservação só podem ser alteradas ou extintas "mediante audiências públicas, consultas a comunidades e órgãos técnicos e debates parlamentares".

"Isso é importante diante da relevância (socioambiental) do que se busca proteger com essas regras", explica.

Segundo o juiz, o governo trouxe um argumento de que esta área não se trata de reserva ambiental, mas mineral, e portanto não precisaria obedecer às regras da legislação ambiental impostas pela Constituição.

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"O que tentei demonstrar em minha decisão é que, já no início do capítulo sobre meio ambiente, o constituinte tratou de recursos minerais e subsolo. Então, não procede (a informação do governo de) que naquela área há apenas interesses minerais, meio ambiente e recursos minerais são indissociáveis. A linha de raciocínio que desenvolvi mostra que, por se tratar de uma reserva já instituída, mesmo que não no formato de Unidade de Conservação abarcado em 1988, ela está sim sujeita a avaliação do Congresso", afirma.

"O presidente tem autonomia para encaminhar ao Congresso o pedido de extinção da área. Este é o procedimento constitucional."

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