As mudanças climáticas podem reduzir de forma catastrófica as chances de sobrevivência de tubarões da espécie pata-roxa (Scyliorhinus canicula), comum na Europa. É o que aponta uma pesquisa desenvolvida pela pesquisadora Noémie Coulon, doutoranda francesa em Ecologia Marinha, e apresentada na Conferência Anual da Sociedade de Biologia Experimental em Praga, na Tchéquia.
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De acordo com o estudo inédito, até 2100, a taxa de eclosão pode cair dos atuais 82% para 11%, devido à variação mensal de temperatura. No oceano, o aquecimento e a acidificação são causados por grandes concentrações de gás carbônico dissolvidas na água. O impacto é percebido quando a temperatura aumenta e os níveis de pH caem.
Em entrevista ao Terra, Coulon explicou que o objetivo do projeto era avaliar as consequências de cenários climáticos no desenvolvimento dos tubarões, para ajudar a ilustrar os impactos mínimos esperados em espécies que já são altamente vulneráveis e/ou têm grandes restrições em relação ao seu habitat. Para chegar nos resultados, ela e a equipe analisaram o desenvolvimento dos filhotes de pata-roxa ao longo dos primeiros dez meses de vida em cenários previstos para os próximos anos
Os pesquisadores usaram como base as projeções descritas no Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas de 2021, chamadas 'Caminhos Socioeconômicos Compartilhados' (Shared Socioeconomic Pathway - SSPs).
O primeiro, apelidado de 'Meio do Caminho', é baseado nas projeções de SSP2, nas quais as emissões de dióxido de carbono permanecem em níveis semelhantes aos atuais até caírem depois de 2050, mas não são zeradas. Nele, o oceano aquece 2°C com um pH do oceano medido de -0,2.
Chamado de 'Desenvolvimento Alimentado por Combustíveis fósseis', o segundo cenário é baseado nas projeções de SSP5. Diferente do anterior, este cenário é mais extremo. Neste cenário, as emissões de dióxido de carbono triplicam até 2075 e a água aquece 4°C, com uma medida de pH do oceano de -0,4.
Os ovos e os filhotes foram comparados com um outro grupo, este em circunstâncias climáticas atuais. Ela detalha a surpresa ao verem quão poucos não sobreviveriam dentro de um cenário mais extremo.
"Ficamos chocados com o aumento da taxa de mortalidade vista no cenário SSP5, com 89% dos embriões não eclodindo. O que foi particularmente interessante de observar é que esta mortalidade aconteceu mais em agosto, quando a água atingiu 23,1ºC, e durante uma etapa do desenvolvimento onde os embriões sofrem reabsorção branquial", explicou Coulon.
Impactos climáticos
Para a pesquisadora, este estudo destaca dois aspectos importantes de como as mudanças climáticas podem afetar os organismos. Primeiro, sublinha a importância das variações sazonais, que podem conduzir a uma mortalidade significativa durante os períodos de postura.
"E, segundo, observamos que os embriões do cenário SSP5, que não apresentavam um padrão de crescimento típico, ainda conseguiam eclodir com sucesso. O que torna esses indivíduos especiais ainda não está claro, no entanto, ao reconhecer a variação interindividual entre os recrutas, poderíamos avaliar melhor o futuro sucesso ecológico das espécies", destaca ela ao Terra.
Já em termos de preservação, serve como um alerta sobre as possíveis respostas que outras espécies mais sensíveis às alterações climáticas podem ter.
"As nossas descobertas demonstram que as alterações climáticas medidas podem limitar os danos infligidos a espécies como o pata-roxa, o que nos dá um incentivo positivo para reduzir as nossas emissões de gases com efeito estufa", explica Coulon.
Coulon, que ainda está estudando para o seu doutorado, explica que há outros estudos que abordaram impactos variados do aquecimento e/ou acidificação no desenvolvimento embrionário dos tubarões, mas acha que esses estudos têm sido marginais na Europa. Ela destaca que deseja expandir a sua pesquisa para avaliar o potencial da dinâmica populacional do cenário SSP5, que teve efeitos devastadores para o sucesso da eclosão do Scyliorhinus canicula, até o fim do século.
Outro ponto de atenção é como os elasmobrânquios, que possuem diferentes ciclos de vida e distribuições, se comportam dentro desses cenários.