Luxo, conforto e a possibilidade de conhecer diferentes lugares sem a necessidade de desfazer as malas a cada destino e pagar por um novo traslado, essas são algumas das vantagens oferecidas pelos cruzeiros marítimos. Em navios cada vez maiores, os cruzeiros tornaram-se verdadeiras cidades flutuantes onde 'o céu é o limite' quando o assunto é oferecer diferentes opções de lazer ao passageiro.
Já os limites para a sustentabilidade são muitos. O manejo adequado para o esgoto e resíduos, como o lixo produzido, a redução dos ruídos que afetam a vida marinha e a redução da emissão de gases poluentes, usados como fonte de energia para a embarcação, são alguns exemplos de grandes desafios do setor.
Cidades flutuantes
O gigantesco Icon of the Seas, da Royal Caribbean International, tem 365 metros de comprimento, 16 a menos do que o Empire State, e pesa 250.800 toneladas, cinco vezes do que o Titanic, que naufragou em sua primeira viagem, em 1912.
O 'gigante' zarpou para a sua primeira viagem em 24 de janeiro da Flórida (EUA) rumo ao Caribe. Durante sete dias, tempo do roteiro oferecido, 7.600 pessoas, além de 2.300 tripulantes, alojadas pelos 20 decks da embarcação, desfrutam da vista e de dezenas de amenidades (7 piscinas, parque aquático, dezenas de restaurantes etc).
É praticamente "uma cidade de pequeno porte em cima de uma área muito pequena. Isso provoca uma densidade populacional muito alta concentrada em determino ponto, o que aumenta também a necessidade para reter, processar e tratar resíduos gerados dentro do navio", explica Alessandro Bertolino, engenheiro ambiental, doutor em Gestão Urbana e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
É como se um município de 10 mil habitantes flutuasse sobre os mares, exigindo o manejo adequado de todo o esgoto, lixo e demais resíduos produzidos pelos seus 'moradores'.
No caso do 'cruzeiro de 9 meses', o roteiro realizado pelo Serenade of the Seas, também da mesma empresa, o número de passageiros é mais 'modesto: até 2.490 turistas, além da tripulação de 891 pessoas - todo o arquipélago de Fernando de Noronha (PE), por exemplo, tem 3.140 habitantes.
Um cruzeiro com 3.000 passageiros produz semanalmente 567 mil litros de esgoto, segundo dados da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Assim, em 39 semanas, a embarcação terá produzido em média 22 milhões de litros de esgoto.
"É preciso haver um tratamento da água negra [dejetos humanos], da água cinza [resíduo líquido de chuveiros, pias etc], um tratamento muito efetivo para que isso não ganhe o oceano e colabore com a poluição das águas", pontua Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular e doutor em Educação e Sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP).
Para encarar o desafio, a indústria de transporte marítimo vem desenvolvendo tecnologias para reter e tratar os resíduos gerados a bordo. Em entrevista ao New York Times, um porta-voz da Royal Caribbean International destacou que os navios da companhia têm tecnologia para tratar os resíduos e depois descartar o material tratado no mar. Mas o que ocorre quando o tratamento não é feito de maneira correta?
Os resíduos despejados podem afetar a qualidade da água e a vida marinha. Um exemplo são os "efluentes [esgoto que contêm bactérias contaminantes] que podem adoecer e matar animais marinhos e organismos como corais. Também há poluentes que contribuem para a proliferação exagerada de algas, que aumentam a turbidez das águas e reduzem seus níveis de oxigênio, causando a morte de peixes. Além disso, os recifes de corais também podem também sofrer impacto físico, com a colisão e a ancoragem de embarcações em suas proximidades", explica Juliana Veras, consultora ambiental e oceanógrafa graduada pela Universidade de São Paulo.
Bertolino explica que a água tem capacidade de reestabelecer o seu equilíbrio, decompondo poluentes, em um complexo fenômeno biológico conhecido como autodepuração. Mas o excesso de poluentes ou resíduos sólidos podem provocar uma sobrecarga. "A capacidade dessa água se regenerar sozinha, o tempo, a distância que leva para ela se recuperar depende também da concentração de resíduos jogados naquela área", analisa.
Além dos gases e resíduos, os ruídos provocados pelas embarcações marítimas também podem afetar animais como "baleias e golfinhos que utilizam a ecolocalização para perceber o ambiente a sua volta, detectando assim potenciais presas ou obstáculos dentro d’água. A poluição sonora ocasionada por embarcações pode acarretar, por exemplo, mudanças de comportamento dos animais, perda auditiva, aumento do nível de stress e mudanças de rotas migratórias devido ao deslocamento para águas mais calmas. Tais impactos podem ocasionar em encalhes, lesão ou até mesmo morte dos indivíduos", conclui Veras.
No ar
O desafio para a sustentabilidade dos cruzeiros não está apenas sob as águas. De acordo com um estudo publicado na Marine Pollution Bulletin, um navio de cruzeiro pode ter uma pegada de carbono (total de emissões de Gases de Efeito Estufa - GEE) superior a gerada por 12 mil carros. Até mesmo os navios mais eficientes emitem mais dióxido de carbono por passageiro-quilômetro (CO 2 /pax-km) do que um avião de passageiros, alerta o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT).
O setor, que só no Brasil movimentou R$ 5,1 bilhões, gerando 79.567 postos de trabalho diretos e indiretos, durante a temporada 2022/2023, segundo dados da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (CLIA Brasil), não é alheio aos desafios. O esforço para a redução das emissões de carbono já fazem parte da agenda. A CLIA, por exemplo, trabalha com a meta de reduzir as emissões de carbono até 2050, mas e até lá?
O Icon of the Seas, por exemplo, é o primeiro da navio companhia a utilizar Gás Natural Liquefeito (GNL) como fonte de energia. O uso do GNL como combustível marinho vem sendo adotado pelo setor nessa 'transição' em busca de alternativas mais limpas. Especialistas, no entanto, alertam: apesar de reduzir a emissão de CO2 na atmosfera, o GNL é responsável pela emissão de metano, um dos gases responsáveis pelo efeito de estufa, 80 vezes mais potente que o CO2 no curto prazo.
Segundo um estudo da Organização Marítima Internacional, órgão das Nações Unidas responsável por regular o transporte marítimo, o uso do GNL e embarcações marítimas cresceu 30%, entre 2012 e 2018, provocando aumento de 150% nas emissões de metano dos navios.