Um grupo de 40 artistas paranaenses, incluindo o ator Luís Melo, da TV Globo, a cantora Rogéria Holtz e o humorista Diogo Portugal, está se mobilizando para evitar a redução em quase 70% da maior unidade de conservação do Sul do Brasil. Trata-se da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, localizada na região dos Campos Gerais, a 35 quilômetros de Curitiba.
O clipe “Pare. Preste Atenção!”, lançado por eles em 30 de novembro, já atingiu a marca de 500 mil visualizações e mais de um milhão de pessoas alcançadas, entre YouTube e Facebook. O objetivo é pressionar os deputados estaduais para que não aprovem o projeto de lei 527/2016, diminuindo a APA de 392 mil para 126 mil hectares. O vídeo foi produzido pelo Observatório de Justiça e Conservação e está disponível nos links www.youtube.com/watch?v=AMNDtGkajWc e www.facebook.com/justicaeco.
Uma das compositoras da música é a cantora curitibana Raissa Fayet. Quando foi convidada a gravar um depoimento sobre o assunto, ela viu a oportunidade de mobilizar a classe artística e fazer um movimento maior, como no caso da demarcação de terras indígenas. “A minha bisavó nasceu em uma das cidades por onde passa a escarpa. Tenho uma ligação afetiva. Também sou super ativista socioambiental; a favor da preservação do que resta na nossa terra sagrada. Temos pouco e ainda querem desmatar. Precisamos botar a boca no trombone”, contou.
De autoria do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Ademar Traiano (PSDB), e do primeiro secretário da Casa, Plauto Miró (DEM), o PL 527 divide opiniões entre ambientalistas e o setor produtivo. Na justificativa, os dois parlamentares argumentam que pretendem garantir "maior segurança jurídica" aos agricultores. A alteração na legislação permitiria, ainda, a realização de ações mais ostensivas nos setores de pecuária e mineração. O líder do governo Beto Richa (PSDB) na Alep, Luiz Cláudio Romanelli (PSB), também referendava o texto original, entretanto, optou por retirar a assinatura, após fazer uma “autocrítica”.
O projeto se baseia em um estudo da Fundação ABC, ligada ao agronegócio, e que não foi tornado público até hoje. Por ser uma entidade privada, a ABC justifica que não precisa divulgar o teor do levantamento. Na mensagem, constam apenas as coordenadas e um "novo mapa" para a APA, feitos pela fundação com base em imagens de satélite. Não foram detalhadas questões como metodologia, critérios e ferramentas utilizadas para se chegar ao perímetro. Conforme os deputados governistas, contudo, a matéria nada mais faz do que regularizar áreas já produtivas entre o Primeiro e o Segundo Planalto Paranaense.
A Escarpa Devoniana é uma formação geológica rochosa que se formou há mais de 400 milhões de anos, no período Devoniano. Ela fica localizada dentro da APA e deu nome à unidade de conservação de uso sustentável, criada em 1992, para proteger importantes remanescentes de dois ecossistemas associados ao bioma Mata Atlântica e altamente pressionados por décadas de exploração: a Floresta com Araucária e os Campos Naturais, além de espécies animais ameaçadas de extinção. Na APA, também existem atrativos turísticos, como o Cânion do Guartelá, em Tibagi e os parques estaduais de Vila Velha, em Ponta Grossa, do Monge, na Lapa, e do Cerrado, em Jaguariaíva.
"Mutilação"
De acordo com o vice-presidente do Observatório, Aristides Athayde, todas as áreas de proteção ambiental são fantásticas porque funcionam como laboratório de convivência entre o homem e a natureza. “Nós, seres humanos, nos educamos e aprendemos a agir com o mundo natural graças à existências dessas APAs (…) Aqui no nosso caso, o governo do Estado não consegue, em primeiro lugar, admitir que o desenvolvimento e a conservação andam lado a lado. E, em segundo lugar, não admite que aquele que desrespeita o meio ambiente – que não é propriedade do dono da terra ou do governante, e sim de todos - deve no mínimo sofrer as consequências previstas pela lei”, opinou.
Também fundador do HUB Verde e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado disse que a intenção dos autores do PL é transformar a área num grande canteiro de soja e pinus. “Não falamos nem em redução, e sim mutilação. É tirar 70% de uma região em que os diferentes pedaços de terra dialogam entre si, têm suas peculiaridades e riquezas. Todos com quem conversamos se convencem de que por trás desse projeto existem interesses escusos, egoístas e gananciosos”, comentou.
Debate
Diante de tantas opiniões divergentes, Traiano se comprometeu a “esgotar o debate”, ouvindo todos os segmentos, e assegurou que a mensagem não será votada em 2017. O texto segue em análise na Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da Casa, sem previsão de ir a plenário. “Acho normal a participação de todos, colocarem-se contrários a matérias que venham a mexer com o meio ambiente e outras decisões que possam afetar a economia do Estado, segmentos produtivos... A Casa aqui é aberta para discussão. Vejo com bons olhos, não me posiciono contra. Agora, é uma coisa muito técnica. E, portanto, acho que o aval de quem realmente tem bagagem e conhecimento é que vai preponderar numa decisão futura”.
O tucano falou que assistiu ao vídeo e que não tem nada a contestar. “Também recebi aqui na Casa um movimento de ambientalistas que vieram trazer documentos. Recebi, encaminhei à Comissão e dei a informação de que nós pedimos ao Conselho Estadual da APA que se manifeste (…) Eu apareço no clipe sim, até porque, na forma como eu fui questionado, dava a impressão de algo que estava sendo induzido a uma questão de ordem pessoal e eu me posicionei”, completou. Ele negou, ainda, que tenha se arrependido de assinar a matéria. “Pelo contrário. Em nada na vida me arrependo. Prefiro errar convicto muitas vezes do que ficar indeciso naquilo que for fazer. A minha função é de mediador. Vou fazer isso, no sentido de conduzir uma boa decisão sobre o assunto”.
Mesmo com o adiamento da votação do projeto, Aristides Athayde reiterou que a mobilização continua. Até agora, quase 100 mil e-mails foram enviados pela sociedade aos deputados por meio do site www.osultimoscamposgerais.com.br, pedindo a rejeição da matéria. “As questões ambientais não vão mais passar despercebidas. Chamamos a atenção da sociedade, graças ao esforço voluntário de artistas e ambientalistas, e conseguimos tocar fundo na alma do paranaense”, comemorou.
Artistas envolvidos
O narrador do curta “Pare. Preste Atenção!” é Luís Melo, atualmente no ar com a novela “O outro lado do paraíso”, na TV Globo. O trabalho conta com a participação de Du Gomide, produtor da canção, O Vagabundo Nato, Marano, Lucas Ajuz, Dow Raiz, os instrumentistas Galeno de Castro (percussão) e Renan Henche (baixo), Bernardo Bravo, Dow Raiz, Gus Benke, Karla Keiko, Laís Mann, Lucas Lepca, Nathalia Picoli, Rodolpho Grani, Rodrigo Lemos, Thais Morell, Ticho Looper, Tuyo, Veronica Rodrigues e Uyara Torrente.
Também participaram Leo Fressato, Ana Larousse, Daniel Dach, Galeno de Castro, Juliana Zaniolo, Kelly Eshima, Lucas Ajuz, Ravi Brasileiro, Renaclo Filho, Rimon Guimarães, Vivian Reinmann e Tim Kenny. Henrique Paulo Schmidlin e o montanhista e ativista ambiental conhecido como “Vitamina". A mixagem e masterização da música são assinadas por Fred Teixeira. Fábio Farina fez a pré-produção. Há ainda uma versão com legendas em português e tradução para libras feita por Fernanda Bruni e colaboração de André Gomides e Gabriel Teixeira.