Binóculo pendurado no pescoço, óculos de sol e muito protetor solar. Todos os anos, centenas de turistas visitam o litoral brasileiro para observar baleias-jubarte, que se reproduzem principalmente em Abrolhos, na costa da Bahia.
Mas neste ano, além dos saltos e jatos d'água em alto mar, os turistas também puderam notar uma atividade bem mais passiva nas areias locais. Desde o início de 2017, 97 baleias encalharam no litoral brasileiro e apenas duas sobreviveram, segundo balanço do Projeto Baleia Jubarte. Esse é o maior número de casos desde o início dos registros, em 2002.
Veterinários especialistas em baleias ouvidos pela BBC Brasil alertam que esse número deve subir ainda mais até o fim do ano. Isso porque o pico de encalhes ocorre em agosto e setembro.
Milton Marcondes, coordenador de pesquisa do Projeto Baleia Jubarte, disse que a maior parte desses animais morrem no mar e são levados pela correnteza até a areia. Ele explica que o aumento dos encalhes é causado por uma série de fatores.
Um deles é que a população de baleias aumentou em águas brasileiras.
"Em 2002, a população estimada era de 3,4 mil baleias-jubarte, enquanto em 2015 (último levantamento) já passava dos 17 mil. Com uma população maior, há mais chances de ocorrerem encalhes tanto por causas naturais (doença, velhice, ataque de predadores) como por causas relacionadas ao ser humano, como colisão com navios", explicou Marcondes.
Outro fator é a diminuição do krill - pequenos crustáceos ingeridos pelas baleias - encontrado na Antártica. Marcondes disse que fenômenos climáticos, como o El Niño podem afetar a oferta de krill para as baleias. Com menos alimento, elas podem chegar ao Brasil desnutridas e com menos leite para amamentar o filhote, o que explicaria parte dos encalhes.
Além disso, a intoxicação causada pela ingestão de lixo, além dos recorrentes casos de animais que se enroscam em redes de pesca e o atropelamento por navios, são causas de mortes entre as baleias.
No dia 12 deste mês, um catamarã com 26 passageiros e três tripulantes bateu em uma baleia no trajeto entre Morro de São Paulo e Salvador, na Bahia. Ninguém à bordo ficou ferido, mas após o acidente, a embarcação precisou ser escoltada por um navio da Capitania dos Portos.
Resgates
Embora a maioria dos encalhes sejam de baleias mortas, algumas chegam nas praias com vida e, em alguns casos, é possível salvá-las.
Nesses casos, segundo o veterinário, o ideal é não tentar empurrar a baleia de volta para a água. "Primeiro, porque as pessoas não vão conseguir empurrar um animal que pesa toneladas para o mar. Segundo, há grandes chances de acidentes, porque a baleia pode se debater e atingir as pessoas, ou o mar pode jogar o animal em cima dos socorristas", afirmou Marcondes.
O coordenador do Projeto Baleia Jubarte disse que, apesar de seu tamanho, a baleia é um animal frágil e sem cuidados técnicos as tentativas de resgate podem machucar a baleia ao arrastá-la para o mar, causando lesões internas e em suas nadadeiras.
"O ideal é que as pessoas não tentem fazer o resgate sem o auxílio de alguém experiente, pois as chances de sucesso são mínimas e o risco é grande. São necessários uma embarcação e um cabo grosso para arrastar o animal com técnica e de maneira delicada", afirmou Marcondes.
Neste ano, voluntários participando de um esforço coletivo conseguiram devolver ao mar duas baleias. Em agosto, dezenas de pessoas com baldes d'água e pás se mobilizaram para cavar buracos e manter úmida uma baleia encalhada em uma praia de Búzios, no Rio de Janeiro. Depois de 24 horas, o animal conseguiu voltar para o mar com o auxílio de uma embarcação.
O ideal, segundo Marcondes, é que as pessoas que encontrarem um animal vivo encalhado acionem imediatamente as instituições que trabalham com resgate de baleias e golfinhos. Enquanto o resgate não chega, a melhor maneira de ajudar é manter o animal molhado e coberto com toalhas grandes para protegê-lo do sol.
Os especialistas ressaltam que é importante não jogar água ou cobrir o orifício no topo da cabeça das baleias, pois ele é usado para elas respirarem.
O que fazer com o corpo?
O Banco dos Abrolhos no litoral norte do Espírito Santo e sul da Bahia é a região preferida das jubartes para procriar por que o mar alil não fica tão agitado pela proteção oferecida por arrecifes, bancos de coral e algumas ilhas. Mas é justamente por isso que há tantos encalhes neste litoral.
E ter o corpo de uma baleia morta na praia pode ser bem desconfortável. O cheiro do animal em decomposição pode incomodar turistas e moradores, além de a carcaça ser um risco para a saúde pública. E o processo de decomposição natural pode durar meses.
Retirá-la da areia, porém, não é nada fácil.
Um filhote de baleia mede 4,5 metros e pesa cerca de 1 tonelada. Já adulta, ela pode alcançar 16 metros de comprimento e pesar até 35 toneladas.
O coordenador do Projeto Baleia Jubarte diz que o melhor a se fazer em situações como essa é enterrar o animal na areia.
"Isso precisa ser feito num localdistante da linha da maré para que a água não a desenterre. É necessário cavar um buraco em que caiba completamente o animal e fique uma camada de pelo menos 3 metros acima da baleia. Jogar cal ajuda a secar e evitar que outros animais se alimentem do corpo", afirmou.
O problema é que as escavadeiras muitas vezes não conseguem chegar a algumas praias. Nesses casos, a baleia deve ser cortada em pedaços menores para que possa ser retirada ou enterrada. Outra opção é usar um barco para rebocá-la até uma praia onde ela possa ser enterrada.
Rebocar a baleia para que ela se decomponha em alto mar não é recomendado, pois isso deixaria o animal à deriva, o que pode causar um acidente com um barco ou ainda fazer o animal encalhar em outra praia.
Alguns pescadores usam a gordura do animal para fazer isca de pesca de tubarão. O consumo humano é totalmente desaconselhado porque a carne de baleia pode conter altos níveis de mercúrio e não é possível saber a causa da morte do animal, que já pode chegar podre nas praias.
Se você encontrar uma baleia encalhada, viva ou morta, avise os pesquisadores do Projeto Baleia Jubarte pelo telefone (73) 9.8802-1874. Eles também recebem os pedidos de ajuda pelo WhatsApp no mesmo número.
Caso o encalhe ocorra fora da área de atuação do projeto, eles mesmos acionam os órgãos responsáveis na região.