Imagina ter que sair de casa às pressas para não ser 'engolido' pelo solo, ou ainda cair em uma cratera de mais de 80 metros enquanto manobra um carro. Essas são preocupações reais dos que vivem em uma pequena cidade do Maranhão há pelo menos 30 anos.
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Em Buriticupu, localizada a cerca de 400 km da capital São Luís, os moradores têm enfrentado perrengues causados pelas voçorocas, um processo agressivo de erosão do solo que tem aumentado a insegurança dos que moram por lá. A aflição que acompanha gerações na cidade se torna ainda maior em período de chuva, quando o processo erosivo se intensifica com o encharcamento do solo. Só em Buriticupu, existem cerca de 26 voçorocas que insistem em dar dor de cabeça à vizinhança da região -- e não é pouca.
Há exatamente um ano, em maio de 2023, uma casa foi 'engolida' por uma das crateras no bairro de Vila Isaías. Na ocasião, o Corpo de Bombeiros informou que não houve vítimas, já que o local já tinha sido evacuado.
Pouco tempo antes, o policial militar aposentado José Ribamar Silveira dirigia uma caminhonete quando caiu dentro de um dos buracos, com uma profundidade de 80 metros. Ele não morreu, mas fraturou parte do corpo
Apesar de ser uma realidade para o povo de Buriticupu, conviver com o medo de ter a casa 'engolida' por uma cratera ou de cair em um buraco no solo parece distante para parte dos brasileiros. Ao Terra, a geóloga Amanda Lima da Silva explica o que são e como surgem as "vilãs" da cidade maranhense. Mestre em Geociências e Energia pela Royal Holloway University of London, ela ainda detalhou algumas alternativas para evitar ou conter o avanço da erosão.
O que são as voçorocas?
Muita gente deve ter escutado o nome 'diferentão' do fenômeno durante as aulas de geografia no colégio. Porém, apesar da nomenclatura curiosa, entender o que são as voçorocas é mais fácil do que se pensa.
O fenômeno nada mais é do que a erosão avançada do solo.
"As voçorocas são como se fossem o último estágio de um longo processo. Elas se formam, principalmente, em áreas próximas às drenagens. Também as chamamos de erosões hídricas", explica Amanda.
A característica hídrica é destacada pela geóloga porque, justamente, esse processo é acelerado através da água.
"O processo da formação de voçorocas é geralmente ocasionado pelas chuvas. A maioria deles em solos arenosos, mas ainda podem existir voçorocas presentes em solos bem argilosos também", ressalta.
No entanto, a voçoroca não surge logo de imediato. Geralmente, o solo dá indícios de degradação com o surgimento de outros tipos de erosão, como os sulcos e as ravinas. O primeiro se estabelece a partir do desgaste do solo com o escoamento intenso de água, formando pequenas linhas. Quando essas cavidades se tornam maiores, viram as ravinas.
"Os sulcos e as ravinas podem começar a surgir com as chuvas, sendo fortes ou não. As gotas de chuva que caem regularmente vão 'cavando' aquele buraco no solo. Isso principalmente áreas que já têm drenagens por perto, são locais em que o terreno já está um pouco danificado", detalha a geóloga.
Entretanto, ao contrário do que possa parecer, não é o tamanho do buraco que define quando um sulco ou ravina se torna voçoroca. Para isso, o solo precisa chegar em um nível de degradação tão grande a ponto de atingir os lençois freáticos.
"Existem voçorocas bem grandes, como no caso dessa cidade no Maranhão, mas eu, por exemplo, já me deparei com voçorocas bem mais rasas em Minas Gerais. Ou seja, ela não se dá pelo tamanho. Se atingiu o lençol freático, então já pode dar o nome de voçoroca", argumenta Amanda.
A geóloga ainda faz uma ressalva: "Tem mais um implicante nisso, que é o que a gente chama de erosão interna ou erosão do tipo piping. É um processo que, basicamente, forma 'tubos vazios' no solo. Quando a água está percorrendo internamente entre os poros dos solos, ela remove as partículas do interior, formando estes tubos. A partir do momento que esses tubos ficam vazios, pode provocar o que gera escorregamentos laterais, formando ainda uma voçoroca mais larga".
Urbanização é ‘amiga’ das voçorocas
Presente em algumas regiões do Brasil, as voçorocas não surgem de repente. O comum é que o fenômeno esteja presente em áreas já danificadas.
"Temos visto casos no Brasil inteiro, de cidades como Buriticupu e algumas partes de Minas Gerais, onde eu estive. Lá em Minas, muitas regiões estão em processo de voçorocamento, principalmente perto de áreas urbanas. A exemplo de Teófilo Otoni", cita Amanda.
Assim como em Teófilo Otoni, a expansão urbana na cidade maranhense de Buriticupu agravou o aparecimento de voçorocas.
"Em áreas urbanas, muitas vezes, esse processo se dá por conta do desmatamento. Acontece pelo uso contínuo da agricultura, da agropecuária, que vai deixar esse solo, de certa forma, mais fraco", aponta.
Ela continua: "A urbanização vai contribuir muito mais para que esse processo aconteça muito mais rápido, para ter muito mais números de voçorocas aparecendo, do que deveria ser numa área sem intervenção humana".
Além das áreas urbanas se apresentarem como ambiente favorável para o aparecimento de voçorocas, uma outra característica é importante: o ângulo do solo.
"O fenômeno vai atingir as áreas onde tem um certo nível de declividade maior, por facilitar esse processo. Novamente destacando esse exemplo, muitas cidades em Minas Gerais estão localizadas em terrenos geomorfologicamente propícios para isso acontecer", explica.
Pode-se dizer que a 'receita' para formar uma voçoroca inclui um processo de urbanização que negligencia o solo e fortes chuvas. Entretanto, Amanda explica que ainda há outro fator de influência: a estrutura das rochas que estão abaixo desse solo. "Por isso, a formação delas deve variar um pouco entre cada estado. Até porque, geologicamente, o Brasil é de uma diversidade gigantesca", diz.
Como evitar?
Em Buriticupu, o processo do aparecimento de voçorocas avança por décadas. No entanto, a geóloga garante que existem alguns métodos para evitar ou ao menos conter a erosão agressiva do solo tanto em áreas urbanas quanto em áreas rurais.
"A primeira alternativa seria o replantio da área e, dependendo de quão avançada estiver, deve ser feito um projeto de retaludamento. Isso porque a voçoroca é bem desnivelada, é como se fosse realmente uma cratera que abriu ali. Mas dependerá do quão avançado é o estágio", argumenta.
O retaludamento citado por Amanda nada mais é que um método de terraplanagem. Com essa etapa finalizada, a geóloga explica que deve ser pensada uma forma de reabilitar esses espaços a partir do replantio da área, fortalecendo o solo que já está degradado.
Há ainda outros métodos de contenção das voçorocas, como o desvio do curso da água.
"Isso evita que a água que já está ali erodindo o solo, continue esse processo. Porém, esse desvio geralmente acontece em drenagens maiores ou córregos", Amanda faz a ressalva.
Para as áreas urbanas, onde não há como desfazer o processo de urbanização, a geóloga conta que geralmente se aposta em muros de arrimo, construção usada para conter barrancos e deslizamentos.
"É muito comum ver essa barreira física ao entorno da voçoroca para evitar que o deslizamento aconteça", diz.
A especialista aponta que a bioengenharia também é muito utilizada para prevenir ou remediar essas situações. O método consiste em usar uma aplicação de geomantas para cobrir os taludes que estão erodindo, interrompendo o processo erosivo que está acontecendo.