Moradores têm dificuldade para acesso à água, alimentos e transporte com seca extrema no Amazonas

Estados da região decretaram emergência e população relata muita dificuldade no acesso a itens básicos, como gás e comida

18 out 2023 - 05h00
Forte seca atinge o Rio Negro, na floresta amazônica -  13/10/2023
Forte seca atinge o Rio Negro, na floresta amazônica - 13/10/2023
Foto: REUTERS/Bruno Kelly

Com a extrema seca que atinge o Amazonas, moradores vêm enfrentando dificuldades que vão desde acesso à água potável até a compra de itens básicos para sobrevivência. Nessa segunda-feira, 16, o Rio Negro atingiu o nível mais baixo já registrado em Manaus e a seca já é considerada a pior em mais de um século, desde quando o nível do rio começou a ser monitorado.

Iremar Ferreira, educomunicador popular e membro do Fórum Mudanças Climaticas e Justiça Socioambiental, é morador da região do Rio Madeira no Amazonas. Ao Terra, ele compartilhou detalhes sobre a situação vivida por sua comunidade devido à seca e relatou que a baixa do lençol freático vem sendo um dos maiores desafios enfrentados.

Publicidade

Segundo o educomunicador, a escassez está tornando o acesso à água potável cada vez mais difícil. As pessoas na comunidade dependem de poços profundos, cujos níveis estão diminuindo. Isso está tornando a coleta de água nos Igarapés e no Rio Madeira uma tarefa árdua.

Iremar mostra seca no Rio Arara, afluente do Rio Madeira
Foto: Arquivo Pessoal

"A água do rio está mais longe, está mais quente. Então esse é um grande desafio. E nas comunidades não há sistema de tratamento de água. Então, depende diretamente de pegar a água, de aplicar hipoclorito para tentar minimizar a contaminação, mas isso se torna difícil", explica ele.

O morador também menciona os impactos na saúde da comunidade, especialmente entre crianças e idosos, devido às condições precárias de higiene causadas pela falta de água adequada. "Um dos maiores índices de problemas de saúde, seja de crianças a idosos, é verminose", acrescenta Iremar.

A agricultura também está sofrendo com a seca, há plantações atrasadas e peixes se afastando devido à diminuição da água nos Igarapés. Isso está causando escassez de alimentos na comunidade.

Publicidade

Iremar conta que a navegação nos rios da região está enfrentando sérios obstáculos devido ao nível de água reduzido. Isso resulta em viagens mais demoradas e caras, com preocupações de segurança para embarcações maiores. Outra preocupação é o transporte de alunos, que agora só ocorre no turno da manhã devido a viabilidade e preocupações com a segurança nas viagens noturnas.

"Sem essa seca extrema, se fazia o transporte dos alunos em dois turnos. Há poucos dias, nós tivemos o caso de uma balsa, que transporta alimentos e combustíveis, que à noite estava se aproximando do transporte desses estudantes. Eles acharam que eram piratas que iriam provocar algum tipo de roubo e atiraram contra esse transporte escolar vindo a ferir os alunos. Há um conjunto de problemas que se juntam nesse contexto", destaca.

Além disso, Iremar enfatiza que os problemas ambientais na região não são isolados e são resultado de diversos fatores, incluindo a construção de hidrelétricas, o desbarrancamento de rios e o garimpo, levando ao assoreamento e à perda de áreas de produção agrícola. As queimadas na região são intensas e afetam a saúde das comunidades devido à fumaça, poeira e problemas respiratórios, especialmente entre crianças e idosos.

No que diz respeito à assistência do governo, Iremar lamenta a falta de ações efetivas por parte das autoridades locais e estaduais. Embora haja levantamentos para identificar desafios, ele afirma que a ação prática é limitada e apela por políticas públicas mais abrangentes para atender às necessidades básicas das comunidades afetadas.

Publicidade

"Todo instrumento utilizado para o crime ambiental, segundo a Lei Ambiental, deve ser destruído. Mas é preocupante que centenas de dragas que estão sendo destruídas, estão sendo incendiadas. E todo o combustível dessas dragas, peças e tudo mais, estão indo para o fundo [da água]. Ou seja, muita contaminação que está ficando no lençol freático, nos rios, e isso compromete os poucos peixes que lá vivem e acaba também comprometendo a saúde das famílias que ficam na região", alerta ele.

Falta de assistência médica

Outra região bastante afetada pela seca é a de Joana Batista Freire, presidente da Associação da Comunidade do Acurau (APAFCA), conhecida como Abelha, no Rio Negro. De acordo com ela, a falta de assistência médica tem afetado a saúde da comunidade, com a ausência de médicos que costumavam prestar atendimento.

Assim como na comunidade que vive Iremar, Joana afirma que, em sua região, a escassez de água devido ao esgotamento dos poços tem causado dificuldades significativas. Segundo ela, a comunidade depende de iniciativas como a perfuração de poços artesianos para garantir acesso à água potável.

Joana mostra os efeitos da seca em sua comunidade
Foto: Arquivo Pessoal

Joana também mencionou a ajuda e o apoio que estão recebendo do prefeito e do governo, mas ressaltou que a comunidade enfrenta desafios para receber as doações, pois o transporte de suprimentos até a área é caro e complexo. 

Publicidade

"Nós encontramos na quarta-feira um jacaré morto, estava ali em frente à Praia da Lua, bem no meio da terra, e alguns peixes mortos. Essa seca afetou muito o nosso cotidiano, a nossa vida, os nossos afazeres. Não é fácil para nós. Em nossa comunidade temos pessoas que são de idades, acamadas, idosas, está sendo muito difícil", afirma. 

Transporte e bens essenciais

Joana destacou ainda a extrema dificuldade logística enfrentada pela comunidade, onde o acesso aos bens essenciais se torna um desafio significativo. Para levar suprimentos à comunidade, os moradores enfrentam um complexo processo que envolve diversas etapas. Primeiramente, eles precisam passar pela marina do Davi – ponto de partida de transporte fluvial, a partir da qual levam as mercadorias até onde estão as canoas.

Para tornar a situação ainda mais desafiadora, muitas vezes, eles precisam pagar frete adicional para levar esses suprimentos até suas casas. As tarifas de transporte são consideráveis, chegando a R$ 25 para sair da marina e alcançar a ponta do Acural.

Além da questão do transporte, Joana enfatizou o sofrimento enfrentado pela comunidade ao lidar com a lama e as dificuldades para se deslocar pela região. O tempo gasto para chegar a Manaus a partir da comunidade, que envolve um longo percurso de cinco horas pela manhã e dez horas para retornar, torna a situação ainda mais desafiadora. 

Publicidade
Joana mostra os efeitos da seca em sua comunidade
Foto: Arquivo Pessoal

Sobre o acesso a bens essenciais e o impacto nos comércios locais, ela conta que devido às condições precárias e de difícil acesso da região, os pequenos comércios e tabernas têm dificuldades para fornecer suprimentos à comunidade. Conforme relata, a situação é tão complicada que muitas vezes sai mais caro transportar mercadorias para a comunidade do que comprar diretamente em Nossa Senhora de Fátima, uma localidade vizinha.

Essa falta de acesso adequado aos produtos essenciais levou à escassez de itens básicos, como farinha, e a preços inflacionados em itens como o frango, que chegam a quase R$ 20 por quilo. Além disso, a comunidade também sofre com a falta de gás de cozinha, cujos preços estão aumentando devido à dificuldade de transporte. A paralisação das atividades nas marinas, nas quais muitos membros da comunidade trabalham, também prejudicou a economia local.

Além disso, a moradora afirma que há impactos da poluição, da fumaça e da sujeira causadas pelos incêndios e pela atividade de garimpo na região, que afetam a saúde e o bem-estar dos moradores. Houve, ainda, a paralisação das atividades escolares na região devido à falta de condições.  "Venho pedir ao poder público, ao nosso prefeito, ao nosso governador, que eles venham olhar com mais carinho pra nós, para esse povo que tem sofrido tanto durante todos esses anos. Não está sendo fácil pra nós", desabafa.

Joana mostra os efeitos da seca em sua comunidade
Foto: Arquivo Pessoal

O que diz o ambientalista 

O ambientalista Carlos Durigan contextualizou a situação de estiagem no Amazonas, destacando a influência de fenômenos climáticos atípicos, como um El Niño extremo, que pode estar relacionado ao aquecimento global. Ele mencionou que já ocorreram recordes históricos de temperaturas em várias partes do mundo, incluindo a Amazônia, e que isso tem contribuído para uma forte estiagem na região.

Publicidade

Essa estiagem torna as paisagens naturais e as coberturas florestais mais secas e suscetíveis a incêndios, que têm se espalhado com grande extensão e intensidade. Durigan atribui esse aumento dos incêndios principalmente ao uso indiscriminado do fogo em atividades agrícolas e pecuárias. Ele ressalta que essa situação está resultando na perda de vastas áreas de floresta e de toda a biodiversidade associada, impactando a saúde de todos os seres vivos, incluindo os seres humanos. "O desmatamento e as queimadas também liberam grandes quantidades de gases de efeito estufa para a atmosfera, contribuindo ainda para o cenário de aquecimento global", explica.

Fonte: Redação Terra
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações