O Igarapé do Costa, na várzea do Rio Amazonas em Santarém, no Pará, é a residência do pescador Ednei José Rego da Gama, de 49 anos, e de sua família, há cerca de 20 anos. Neste período, ele nunca havia presenciado a mortandade de peixes tão intensa como ocorreu no mês de novembro deste ano.
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"Eu moro nessa comunidade há 20 anos e nunca tinha acontecido essa situação. O que aconteceu agora espanta muito a gente, muito mesmo, porque a gente sobrevive da pesca. Era de onde nós tirávamos praticamente tudo, mas morreram todos os peixes", diz em entrevista ao Terra.
O pescador é presidente do Conselho da Região do Urucurituba, onde está localizada a comunidade do Igarapé do Costa. Ao todo, 71 famílias residem no local. Por isso, ele acompanha de perto o dia a dia dos ribeirinhos que têm a pesca como subsistência.
"Eu nasci aqui, mas passei um tempo em Santarém. Depois voltei, e estou há 20 anos aqui no Igarapé do Costa. A gente trabalha só com peixes, nós não temos outra renda. Nós estamos passando por muita dificuldade, até água está faltando pra gente", explica.
Ednei relata que os moradores andam cerca de 3km a 4km para buscar água, já que o rio nas proximidades da comunidade está contaminado com a morte dos animais aquáticos. Além de peixes, há também tracajás, arraias de água doce e jacarés mortos dentro e na beira do rio. "A gente fica muito triste por isso, mas a gente tá levando a vida, né?".
De acordo com o ribeirinho, o Governo do Estado do Pará enviou equipes para auxiliar os moradores da região, além de ter fornecido cestas básicas para as famílias que vivem da pesca. Ele afirma que tanto a Defesa Civil quanto a Prefeitura de Santarém têm ajudado a comunidade.
Mas a dúvida ainda persiste entre os pescadores da região: o que aconteceu na várzea do rio Amazonas? Por que tantos peixes morreram em um curto período?
Falta de oxigênio pode ter ocasionado mortes
Em nota ao Terra, a Prefeitura de Santarém, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), informou que visitas técnicas na região foram realizadas nos dias 12 e 13 de novembro para verificar o ocorrido.
Segundo a Semma, os peixes já estavam em estágio avançado de decomposição. Em 27 de novembro, equipes da secretaria municipal e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) coletaram amostras da água contaminada, para verificar as variáveis de pH, temperatura e oxigênio.
“De acordo com o relatório técnico da Semas, a mortandade foi causada por uma queda brusca no nível de oxigênio dissolvido, fenômeno possivelmente desencadeado pelo aumento das temperaturas e agravado pela seca, que resultou na redução significativa do volume de água”, explica.
Com o aumento das temperaturas das águas e a chuva que precedeu o fenômeno, um 'choque térmico' também é uma hipótese para justificar a mortandade.
A prefeitura afirma que está em articulação com o governo e demais órgãos competentes para “traçar estratégias de mitigação dos danos ambientais e socioeconômicos” e que, entre estas ações, a Defesa Civil Municipal tem entregado cestas básicas para a comunidade.
Ao Terra, a Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema) informou que montou um grupo de trabalho para investigar o fenômeno, em parceria com a Associação Movimento dos Pescadores do Baixo Amazonas (Mopebam) e com o Instituto de Ciência e Tecnologias da Água (ICTA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Juntos, os órgãos realizarão um levantamento do que pode ter causado a mortandade de peixes na comunidade do Igarapé do Costa. Além disso, também está prevista uma atividade de coleta de dados na região, ainda para este mês.
Competição por oxigênio
Marcelo Ândrade, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que, com a baixa no nível dos rios da Amazônia, aliada a uma seca histórica, há uma "competição" por oxigênio entre a fauna e a flora. Ele destaca que esse tipo de fenômeno que ocorreu no Igarapé do Costa não é comum na região.
"Na Amazônia, temos variação entre temperaturas mínimas e máximas, mas não é algo abrupto a ponto de dar um 'choque térmico'. Apesar de ser um termo de fácil compreensão, eu não acredito que seja um termo apropriado pra situação. Temos um período com menor volume de precipitação, ou seja, quase não está chovendo", diz.
Segundo o pesquisador, a eutofrização --processo de poluição-- dos rios é um dos motivos que pode ter causado a mortandade destes animais. Esse processo significa que há muita produção de nutrientes, incluindo fósforo e nitrogênio, que ocasiona o aumento também de bactérias. Com isso, o oxigênio fica baixo, e os peixes acabam morrendo.
"Temos uma competição por oxigênio, por parte da fauna e da flora. Temos águas mais quentes também. Isso faz com que o oxigênio se dissipe de maneira mais rápida e, com a competição por oxigênio, consequentemente, há mortandade de animais", completa.
A mortandade dos peixes também traz consequências aos ribeirinhos e aos rios. De acordo com Ândrade, é comum que águas neste estado apresentem um odor ruim: "Tem muita matéria orgânica em decomposição. Tem muitas bactérias atuando nessa decomposição dos animais mortos, o que faz com que comece a liberar esse odor".
Ele explica que a esperança para que a situação volte ao normal, é que as chuvas voltem a cair na Amazônia, para que o nível dos rios se eleve e volte a ter o fluxo normal.