Como a mudança climática agrava chuvas e enchentes?

Aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis, torna precipitações mais frequentes e severas

11 jun 2024 - 04h21
(atualizado às 07h39)
Porto Alegre foi uma das áreas mais atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul
(Foto: Andre Penner-AP-picture alliance)
Porto Alegre foi uma das áreas mais atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul (Foto: Andre Penner-AP-picture alliance)
Foto: Climatempo

Nas últimas semanas, milhares de pessoas foram forçadas deixar suas casas no sul da Alemanha em razão das enchentes e chuvas ininterruptas que castigaram a região durante dias.

No Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul devastaram uma área do tamanho do Reino Unido e deixaram mais de meio milhão de desabrigados.

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Os Emirados Árabes Unidos e o Omã tiveram as chuvas mais fortes desde o início dos seus registros. As enchentes no Quênia provocaram deslizamentos de terra e custaram inúmeras vidas.

Se inundações costeiras são em grande parte o resultado de ventos fortes e maré alta, as enchentes repentinas de rios, lagos e águas subterrâneas estão sempre ligadas à grande incidência de chuvas.

O aumento global das temperaturas, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis, faz com que as precipitações sejam cada vez mais frequentes e severas na maior parte do planeta.

A ciência por trás das enchentes extremas

A modelagem dos padrões de precipitação é um processo complexo, mas tem um princípio físico subjacente claro: o ar quente retém mais umidade.

Os gases causadores do efeito estufa liberados na atmosfera agem como um cobertor sobre a Terra, aprisionando o calor e elevando as temperaturas. Isso leva a uma evaporação mais rápida da água na terra e no mar, o que significa que, quando chove, há uma liberação maior de água. E quando uma enorme quantidade de chuva cai sobre a superfície num curto espaço de tempo, isso pode resultar em enchentes.

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A capacidade do ar de reter a umidade aumenta em 7% a cada 1º C de aumento nas temperaturas. Desde a era pré-industrial, a temperatura global do ar aumentou cerca de 1,3º C.

O aumento da temperatura também faz com que as precipitações ocorram mais em forma de chuva do que de neve, o que pode tornar regiões de grande altitude mais vulneráveis a enchentes e deslizamentos de terra.

Um estudo de 2022 publicado na revista científica Nature concluiu que em regiões elevadas e nevadas no Hemisfério Norte, as chuvas extremas aumentaram em média 15% a cada 1º C de aquecimento.

Como a mudança climática afeta as chuvas?

A mudança climática afeta a frequência das precipitações fortes durante tempestades e chuvas repentinas por meio da sua influência sobre padrões meteorológicos e atmosféricos complexos.

Em termos globais, no caso de um aumento de 1,5º C na temperatura média global - que o mundo cada vez mais está perto de atingir - as precipitações intensas que ocorreriam uma vez em cada dez anos passarão a ocorrer em média 1,5 vez, com 10% a mais de umidade, segundo o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

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No ano passado, a Europa teve 7% mais chuvas do que o normal, com a maior parte do continente atravessando condições mais úmidas do que a média. Precipitações pesadas ou mesmo recordes geraram enchentes na Itália, na Noruega, na Suécia e na Eslovênia.

Os avanços na ciência da atribuição permitem aos especialistas identificar com maior precisão a relação causal entre a mudança climática e os fenômenos meteorológicos extremos. De acordo com uma estimativa, em média, uma em cada cada quatro chuvas extremas na última década pode ser atribuída à mudança climática.

Embora ainda não haja estudos de atribuição das recentes inundações na Alemanha, as chuvas fortes estão se tornando mais frequentes. No ano passado, a precipitação média foi 20% superior à média do período de 1991 a 2020.

As enchentes que devastaram algumas regiões no oeste da Alemanha em 2021, assim como partes da Bélgica e da Holanda, estavam diretamente ligadas à mudança climática.

Segundo cientistas do World Weather Attribution, uma instituição acadêmica sediada no Reino Unido, a mudança climática tornou as chuvas entre 3% e 19% mais fortes, e de 1,2 a até 9 vezes mais prováveis.

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No Rio Grande do Sul, as enchentes repentinas de 2024 teriam sido duas vezes mais prováveis de ocorrer e 9% mais intensas em razão da queima de combustíveis fosseis.

Quantas pessoas são afetadas pelas enchentes?

Inundações são um dos desastres naturais mais comuns e costumam ser devastadoras. Estima-se que, desde 2000, a proporção de pessoas expostas às enchentes tenha aumentado 24%.

As correntes violentas de água podem deixar um rastro de destruição, levando consigo vidas e patrimônio e deixando para trás sofrimento e enormes prejuízos econômicos.

Atualmente, 1,8 bilhão de pessoas - pouco menos de um quarto da população mundial - estão diretamente expostas aos riscos das chamadas "enchentes do século", um termo usado para descrever uma enchente tão severa que provavelmente só vai ocorrer, em média, uma vez por século.

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Na Europa, a Alemanha tem o maior número de pessoas sob risco de inundações, seguida da França e da Holanda. Em 2023, um terço da rede fluvial do continente teve fluxos que excederam os limites de inundação, sendo que, em 16% dos casos, foram excedidos os limites "graves". Os níveis de dezembro foram os mais altos já registrados, com altas no fluxo de água em um quarto dos rios europeus.

Estima-se que 89% das pessoas expostas a um alto risco de inundação vivam em países de baixa e média renda. A maioria vive na Ásia Meridional e Ásia Oriental, sendo 395 milhões na China e 390 milhões na Índia.

Segundo um estudo, o número de pessoas que vivem em áreas com alto risco de enchentes aumentou 122% desde 1985. Essa tendência é atribuída à urbanização acelerada, principalmente em países de renda baixa e média, com cidades geralmente localizadas ao lado de cursos d'água.

Haverá mais enchentes no futuro?

A ciência afirma que o risco de enchentes extremas continuará a aumentar se o mundo não conseguir limitar o aquecimento global.

Segundo o IPCC, com um de aquecimento de 2º C acima dos níveis pré-industriais, as chuvas que ocorreriam uma vez a cada dez anos vão ocorrer 1,7 vez por década e serão 14% mais fortes. Se o planeta se aquecer 4º C, as chuvas pesadas que ocorrem uma vez em cada década deverão cair com frequência quase três vezes maior e serem 30% mais fortes.

De acordo com estimativas do Centro Comum de Pesquisas (JRC), o serviço de ciências da Comissão Europeia, somente na Europa, se não houver medidas de adaptação e as temperaturas aumentarem em 3º C até 2100, as enchentes poderão gerar 48 bilhões de euros (R$ 273 bilhões) em danos anuais e triplicar a quantidade de pessoas expostas aos riscos de enchentes somente na Europa.

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