Como mudanças climáticas impulsionam incêndios no Brasil

Secas consecutivas e as estações de chuvas mais curtas não proporcionam aos solos tempo suficiente para se reabastecerem de água.

9 set 2024 - 03h05

O Brasil já registrou em 2024 o maior número de incêndios florestais dos últimos 14 anos. O fogo devastou áreas de vários biomas do país, incluindo Amazônia, Pantanal e Cerrado. A fumaça se espalhou pelo país encobrindo várias cidades em diferentes regiões.

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Foto: Climatempo

Incêndio florestal no DF no começo de setembro de 2024 (Foto: Leopoldo Silva -Agência Senado - Fotos Públicas)

Somente em São Paulo, mais de 59 mil hectares foram queimados em regiões de plantio de cana-de-açúcar. A Polícia Federal investiga suspeitas de incêndios criminosos iniciados em locais diferentes que se espalharam rapidamente através da vegetação extremamente seca, numa região onde não chove há semanas. As autoridades reportaram que as temperaturas altas, juntamente com os ventos fortes e a baixa umidade, se tornaram uma combinação explosiva.

Não somente em São Paulo, o fogo encontra um cenário propício para se alastrar. O país enfrenta ainda a maior seca da história, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Dados do World Weather Attribution (WWA), um grupo de cientistas de diferentes países que investiga os efeitos das mudanças climáticas sobre o clima extremo, indicam que o mês de junho no Brasil foi o mais seco, quente e ventoso desde o início dos registros, em 1979.

Em agosto, os estados que mais registraram focos de incêndio foram o Mato Grosso (mais de 10,4 mil), Pará (9,6 mil), Amazonas (7,7 mil), Mato Grosso do Sul (4,2mil) e São Paulo (3,4 mil). A Amazônia e o Pantanal foram os biomas mais afetados.

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Um relatório divulgado no início de agosto pelo WWA afirma que os incêndios no Pantanal estão 40% mais intensos devido às mudanças climáticas. Os dados corroboram essa análise, uma vez que as precipitações médias anuais vêm diminuindo de maneira contínua no bioma há mais de 40 anos.

"Essas 'megassecas' se tornam cada vem mais frequentes e graves", afirma Carlos Peres, especialista em ecologia e conservação da Universidade East Anglia, no Reino Unido. Segundo o brasileiro, cerca de três quintos do país estão ficam mais secos.

Floresta secando

Em junho, um estudo da organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na cobertura e no uso da terra, revelou que a Amazônia e o Pantanal estão ameaçados por essa perda de água.

A Amazônia, por exemplo, iniciou 2023 com superfície de água acima da média histórica e, meses depois, o bioma enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro registrou o menor índice desde que seu nível começou a ser acompanhado, há 100 anos.

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Proporcionalmente, o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este terreno fica submerso também caiu.

Filho de pecuarista, Peres cresceu nos anos 1960 e 1970 no Pará. Durante sua vida, ele viu a Amazônia encolher em 20%. Parte do que restou da floresta acaba sendo cada vez mais atingida pelas queimadas.

"Há 25 anos, as florestas na Amazônia, mesmo se estivessem em solos arenosos ou em áreas atingidas por secas sazonais, não queimavam a não ser que houvesse algum tipo de perturbação humana, como a extração de madeira", diz Peres. "Mas, isso mudou."

O especialista afirma que as secas consecutivas e as estações de chuvas mais curtas não proporcionam aos solos tempo suficiente para se reabastecerem de água, o que torna a vegetação mais vulnerável aos incêndios.

Luciana Gatti, que lidera uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), avalia que o problema está apenas piorando.

"Estamos acelerando o colapso climático", afirmou à DW, sublinhando que o desmatamento tem contribuído mais do que o aquecimento global para aumentar as temperaturas na Amazônia. "A floresta que restou não é mais a mesma. É como se a Amazônia estivesse doente."

Árvores e outras plantas agem como reguladores do clima ao absorverem dióxido de carbono e liberarem vapor no ar através de um processo chamado evapotranspiração. Gatti diz que, no Brasil, a água evaporada da Amazônia e do Pantanal age como uma "camada de proteção do clima" que ajuda no resfriamento da atmosfera. No entanto, com o aumento constante do desmatamento e das queimadas, essa camada está enfraquecendo.

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Em um estudo de 2021 publicado na revista especializada Nature, Gatti escreveu que partes do sudeste da Amazônia já começam a agir como fontes emissoras de CO2, ao invés de absorverem os gases causadores do efeito estufa, como de costume. Ela explica que, embora o desmatamento tenha diminuído nos últimos anos, a degradação das florestas piorou devido aos incêndios e outros fatores. "O problema é que o fogo está cada vez mais incontrolável."

Queimadas e secas mais frequentes

"Esses eventos extremos estão se tornando mais frequentes", reforça Julia Tavares, uma ecóloga brasileira e pesquisadora da Universidade de Uppsala, na Suécia. Em um estudo de 2023, ela e seus colegas analisaram como partes diferentes da floresta úmida reagiam a condições mais quentes e secas, e concluíram que algumas regiões da Amazônia estão cada vez mais instáveis.

A ONG World Resources Institute relata que os incêndios florestais mundo afora estão piorando, destruindo duas vezes mais árvores do que há 20 anos. Um relatório do Programa Ambiental da ONU prevê que a ocorrência desses incêndios deverá aumentar em 30% até 2050.

Tavares afirma que, embora as mudanças climáticas não estejam provocando diretamente os incêndios no Brasil, o surgimento espontâneo de chamas é algo bastante raro em climas tropicais.

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"É causado por pessoas; por ações humanas que são reforçadas pelas mudanças climáticas, que criam melhores condições para que o fogo se espalhe."

A pesquisadora destaca os enormes lotes de terra desmatados, com frequência por fazendeiros que ateiam fogo à vegetação ao utilizarem uma técnica chamada agricultura de corte e queima, constantemente removendo partes da floresta intocada.

"As coisas mudam com muita rapidez", diz Peres, ao explicar como o aumento das queimadas e das secas colocam em risco a segurança alimentar e da água, eliminado a biodiversidade e prejudicando a saúde.

O pesquisador alerta que, cada vez que a floresta queima prepara o terreno para "queimadas mais frequentes e intensas na próxima vez", uma vez que mais vegetação morre e vira combustível para os incêndios florestais. "Quando a floresta queimar pela terceira vez, não teremos mais floresta", diz Peres. "O prejuízo que isso acarreta, tanto em termos de perda de biodiversidade e de perda armazenamento de carbono, é enorme."

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