Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.
Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.
Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.
"Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias", disse ao Estadão.
Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.
Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.
De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.
A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.
Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.
"Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020?, lamentou.
A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.
Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.
Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.
O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.
A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.
"As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios", disse.
Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.
"O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas", alertou o diretor da SOS Pantanal.
O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.
Em nota, a reserva informou que "o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor" em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.