Em 2007, uma câmera registrou pela primeira vez uma onça-pintada no que hoje é o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, que compreende parte do sertão baiano, no norte da Bahia. A descoberta provocou o interesse de biólogas que decidiram que era preciso estudar mais a fundo a região. Alguns anos depois, surgiu o Programa Amigos da Onça.
Desde 2012, a iniciativa busca monitorar as onças - tanto pardas quanto pintadas - presentes entre os mais de 340 hectares pertencentes ao parque, criado em 2018. A área de proteção ambiental passa por quatro municípios da Bahia.
Entre as principais ameaças para as onças estão o conflito com fazendeiros e a caça. Mais recentemente, porém, uma outra prática humana, essa tida como sustentável, também passou a ser observada com mais cautela pelos guardiões desses animais: a instalação de usinas eólicas na região.
Isso porque, segundo explica a bióloga Carolina Esteves, uma das fundadoras do Amigos da Onça, foi possível perceber, ao monitorar uma onça do Boqueirão, que ela alterava sua rota durante o período de construção de uma usina eólica. Durante 10 meses, a onça Vitória não cruzou o mesmo espaço que os aerogeradores - apesar de eles estarem sendo instalados em um local onde ela costumava passar.
Carolina confessa que há uma dificuldade em monitorar tais predadores. Nesses mais de 10 anos, apenas quatro onças foram acompanhadas com o rádio-colar - equipamento que quando posto no pescoço dos animais, envia sinais via antena com a sua localização e outras informações.
Vitória foi a única das quatro que foi monitorada na área do empreendimento eólico. Quando seu colar parou de registrar atividade, os biólogos foram atrás de sua última localização e a encontraram abatida, com uma marca de tiro.
Carolina explica que não é possível traçar uma relação direta entre a mudança de comportamento da onça Vitória, que deixou de seguir sua rota diária por causa da instalação da usina eólica, com a sua morte. Mas, há, sim, uma possibilidade. De qualquer maneira, o caso acendeu um alerta nos pesquisadores que querem ampliar a discussão sobre o tema, em busca de encontrar soluções para que a energia mais limpa atualmente não seja um mau presságio para as onças.
Eólicas são sustentáveis?
A bióloga Carolina Esteves esclarece que o programa não está contra a energia eólica. “A gente costuma chamar isso de dilema verde. Por que é um dilema verde? Justamente porque são energias renováveis. A gente não pode virar as costas para essa transição energética que a gente precisa. O Brasil é signatário de vários acordos internacionais, que precisa realmente diminuir a emissão de gases a efeito estufa, e a energia eólica e solar, que não consome combustível fóssil, vem como uma solução bacana para isso”, diz.
A pesquisadora assume que ainda não há uma resposta pronta sobre o que pode ser feito para solucionar o problema. Ela instiga, porém, que a solução deve vir de diferentes estratos da sociedade: das empresas responsáveis pelas usinas eólicas, dos projetos de conservação e, não menos importante, das políticas públicas.
“É importante ressaltar que há uma necessidade de estabelecer regulamentos e legislações mais eficazes para garantir uma transição energética justa para as comunidades locais e a biodiversidade na região da Caatinga”, afirma.
‘O ser humano já gera impacto’
A presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, não nega que a instalação das usinas traga transtornos para as onças do Boqueirão da Onça. Pelo contrário, ela cita seus impactos com clareza.
“Durante o período de construção da energia eólica, há uma tendência de afugentamento das onças. Elas percebem aquela movimentação de caminhões, de máquinas, e aquilo ali provoca um certo desvio de rota daquilo que elas estão acostumadas com busca de alimentos, de água, e elas vão modificar um pouco o caminho delas até elas se ambientarem com aquela própria mudança que está acontecendo”, argumenta.
Apesar disso, Elbia, que trabalha na área de energia há 22 anos, acredita que o impacto ainda é mínimo quando comparado a outras formas de energia. Segundo ela, a construção de uma usina eólica dura em torno de dois anos, enquanto as usinas hidrelétricas, principal fonte energética do Brasil, duram cerca de cinco anos, com a inundação local.
Elbia sintetiza que o ser humano, apenas por existir, já traz impactos ambientais e, por isso, não é possível imaginar uma atividade econômica que seja completamente livre de danos.
“Quando a gente está falando de sustentabilidade ambiental, é muito importante entendermos o grau e não a categoria, porque a melhor atividade econômica é a não existência dela, que ela não causa impacto, mas nenhum ser humano vive sem atividade econômica”, considera.