O antes e depois de Serra Pelada, o garimpo ilegal que se tornou um lago tóxico

Especialistas entrevistados pelo Terra comentam os casos ocorridos na região no final da década de 1970 e os impactos ambientais e econômico

7 nov 2023 - 05h00
(atualizado em 9/11/2023 às 15h00)
Garimpeiros ilegais no maior grimpo a céu aberto do mundo
Garimpeiros ilegais no maior grimpo a céu aberto do mundo
Foto: Foto: Istock

Uma imagem que viralizou nas redes sociais revela uma mudança impressionante em uma região do Brasil que ficou conhecida como Serra Pelada. O local que abrigou o maior garimpo a céu aberto do mundo hoje em dia é um lago tóxico, resultado de anos de mineração ilegal, contaminado pelo mercúrio, que era utilizado durante o processo.

Mas, afinal, o que ocorreu na região de Serra Pelada, as circunstâncias que permitiram seu surgimento e os impactos – tanto ambientais quanto sociais – que perduram até os tempos atuais.

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Serra Pelada

A história que tornou a região conhecida teve início no ano de 1979 quando Genésio Silva, morador da região de Marabá, no Sul do Pará, encontrou uma pepita de ouro avaliada em R$ 10 mil. A descoberta atraiu milhares de garimpeiros de diferentes locais do País.

O garimpo em Serra Pelada perdurou até o início dos anos 90. Até hoje, é lembrado como o maior garimpo a céu aberto do mundo. Durante aproximadamente uma década, cerca de 115 mil garimpeiros extraíram aproximadamente 100 toneladas de ouro da região.

Segundo Alexandre Detzel, geógrafo e professor do curso Positivo, as escavações manuais, que atingiram quase 200 metros de profundidade em Serra Pelada, foram comparadas ao esforço empregado na construção das pirâmides do Egito.

“À medida que o ouro se tornou mais profundo, a mineração manual tornou-se inviável, resultando na adoção de métodos industriais para a extração de ouro na região”, explica.

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Garimpo realizado de forma manual na região de Serra Pelada
Foto: Foto: Istock

Impactos ambientais

De acordo com o especialista, essa atividade resultou em contaminação por mercúrio e contribuiu para o aumento do desmatamento, sedimentação dos rios, grilagem de terras e até no crescimento da violência na região.

Na exploração, houve graves impactos ambientais devido ao uso de técnicas simples e rudimentares. Isso resultou na remoção significativa de solo e argila, causando o assoreamento dos rios, remoção da vegetação - incluindo a mata ciliar, o que obstruiu os rios e prejudicou a qualidade da água, afetando tanto o consumo humano quanto a fauna local.

Além disso, o uso de mercúrio para separar impurezas das pepitas de ouro resultou na contaminação do solo dos rios. O mercúrio, que é um metal pesado e altamente tóxico, causa impactos cancerígenos em seres humanos. A degradação ambiental resultante dessas práticas ainda perdura na região, continuando a representar uma ameaça constante mesmo nos dias de hoje.

Impactos sociais e políticos 

Na esfera política, a região enfrentou uma lacuna de planejamento e ordenamento, resultando em pobreza devido à ausência de uma ocupação estruturada. Com o crescimento expressivo do garimpo e a significativa atividade econômica, o presidente na época, João Figueiredo, designou o Major Curió para trazer ordem à região, resultando na criação da cidade de Curionópolis, onde está localizada a Serra Pelada.

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Curió foi encarregado de impor medidas, como a proibição da prostituição dentro do garimpo, controle inicial do comércio de ouro pelo governo federal e restrição do uso de armas. No entanto, a região sempre foi marcada por violência e tensão, apesar das tentativas de regulamentação.

Serra Pelada não teve um impacto apenas local; foi um evento amplamente divulgado em todo o Brasil. Atraía aventureiros de várias regiões, incluindo Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que eram motivados pela corrida em busca do ouro.

O presidente Figueiredo teve conexões próximas com os garimpeiros, sendo um assunto de destaque na mídia. Personalidades como Raul Seixas e Rita Cadillac chegaram a se apresentar na região. O grupo Os Trapalhões até fez um filme, chamado Os Trapalhões em Serra Pelada, e a Globo Filmes investiu tempo na produção de uma minissérie e um filme sobre Serra Pelada, destacando a violência que marcou o local.

Serra Pelada não foi apenas uma atividade de curta duração ou de impacto exclusivamente local; tornou-se uma lenda devido à sua influência significativa e ao que aconteceu naquela região.

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Em entrevista ao Terra, Helena Margarido Moreira, professora de Relações Internacionais da Anhembi Morumbi e pesquisadora na área de clima e meio ambiente, explicou que o contexto político, econômico e social pós-golpe militar de 1964 provocou uma mudança significativa no perfil da Amazônia. Essa transformação foi facilitada pela criação de órgãos governamentais como a Sudam e Basa, juntamente com incentivos do governo para ocupar e "colonizar" essa região do País.

E essa atividade ilegal e informal, como tantas outras, intensificou também disputas violentas por áreas e dinheiro do garimpo, além de conflitos graves. “A venda ou cessão de grandes extensões de terra, visando estimular a entrada de grandes grupos econômicos na região possibilitaram essa mudança no perfil da Amazônia. E, mais do que isso, uma decisão governamental, desde a ditadura militar brasileira, de tornar toda a potencialidade natural da Amazônia em uma fonte permanente de área de exploração nacional”, explica Helena.

Segundo a pesquisadora, infelizmente, essa realidade ainda é percebida até hoje na região amazônica. No caso específico de Serra Pelada, a movimentação de pessoas também levou diversos órgãos federais a se instalarem na região, como, por exemplo, a Rio Doce Geologia e Mineração.

As atividades ilegais e informais na região resultaram em violentas disputas por áreas e lucros do garimpo, gerando conflitos sérios. O episódio conhecido como o Massacre de São Bonifácio, ocorrido em 1987 na região, envolveu um protesto de garimpeiros em Marabá que foi reprimido pela polícia militar, resultando na morte de quase 80 pessoas. “Esse episodio foi um exemplo das consequências graves que essa atividade ilegal e informal gerou e gera ainda em outras regiões e em outras áreas do País”, completa a pesquisadora.

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Ouro legal e soluções para minimizar os impactos 

Dentre as soluções para minimizar os impactos do garimpo nos dias atuais estão: a inclusão de regulamentações efetivas da atividade mineradora, estudos aprofundados sobre os impactos ambientais e sociais, além de mecanismos de monitoramento, fiscalização e políticas de compensação para as comunidades afetadas, e, adicionalmente, práticas que buscam compensar o meio ambiente por meio da mineração responsável são essenciais.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o rastreamento do ouro legal também é uma medida para prevenir episódios semelhantes aos ocorridos em Serra Pelada.

Você sabe de onde vem o ouro? E como é feita a extração do metal?
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Fonte: Redação Terra
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