Sem o presidente da República nesta edição da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP29, que começa nesta segunda-feira, 11, em Baku, Azerbaijão, a delegação brasileira chega com novas promessas. Parte do plano para cortar as emissões nacionais de gases estufa nos próximos dez anos foi anunciado dias antes, de surpresa, na noite da última sexta-feira, 8.
A meta ainda deve ser apresentada formalmente pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, no documento oficial chamado de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Ela estabelece que, em 2035, o país vai despejar na atmosfera entre 850 milhões e 1 bilhão de toneladas de gás carbônico, o que significa uma redução de 59% a 67% em comparação aos níveis de 2005.
Quem trabalha fora do governo com o tema das mudanças climáticas esperava mais da administração de Luiz Inácio Lula da Silva. Embora o país tenha sido o segundo a apresentar sua nova NDC, atrás dos Emirados Árabes, a faixa dos números apresentados preocupa.
"Na prática, [a meta] mantém o país entre os poucos que ainda liberarão mais de 1 gigatonelada de CO2 por ano. O governo brasileiro ainda pode corrigir esse rumo antes de enviar oficialmente a meta à ONU", diz à DW Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e especialista em política climática.
Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima (OC), rede com mais de 40 organizações da sociedade civil, concorda. "Se a meta é entre 850 milhões de CO2 e 1 bilhão, na prática, a primeira meta é 1 bilhão. Vai depender do que será apresentado no corpo da NDC durante a COP 29", comenta.
Em 2023, as emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil foram de 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e). O número representa uma redução de 12% em relação a 2022, quando o país emitiu 2,6 bilhões de toneladas, segundo dados do Sistema de Estimativa de Esmissão de Gases, plataforma de monitoramento criada pelo OC.
Tudo sobre dinheiro
São muitos os países que chegam à COP29 marcados por catástrofes recentes devido a algum evento extremo climático. Das enchentes no Rio Grande do Sul passando pela seca na Amazônia, o Brasil está nesta lista, incluindo Espanha, Estados Unidos e nações africanas.
Em Baku, a discussão vai pender para quem vai pagar esta conta: serão necessários trilhões de dólares para prevenir e proteger as pessoas contra os impactos do aquecimento do planeta já previstos há décadas por cientistas.
Vencer o impasse histórico do financiamento, que coloca em pontas diferentes da mesa de negociação as nações desenvolvidas e as mais pobres, já seria um avanço, defende Fernando Sampaio, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. "A solução da crise climática depende de recursos, de uma resposta conjunta das nações", comenta à DW.
Nesse sentido, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, segundo maior poluidor do planeta atrás da China, tem tudo para bagunçar as conversas. O vencedor das eleições é um notório negacionista do clima e, durante seu primeiro mandato, se negou a cumprir os compromissos de corte de emissões assumidos por Barack Obama durante a assinatura do Acordo de Paris, em 2015.
Naquele ano, na COP21, na capital francesa, os países concordaram em estabelecer compromissos nacionais para evitar que o aumento médio da temperatura global ultrapasse 1,5 °C em relação à era pré-Revolução Industrial. Medições recentes apontam que 2024 tem tudo para se tornar o mais quente da história, com aumento médio do termômetro no limite.
"Ainda que não tenham cumprido as promessas anteriores de colocar dinheiro na mesa à altura da sua responsabilidade, os americanos têm relevância nos aportes aos fundos climáticos internacionais e serão peça-chave nas negociações. Com a eleição de Trump, está dado que os americanos vão se abster das suas responsabilidades históricas", analisa Unterstell.
E o fim dos combustíveis fósseis?
O Brasil chega a Baku com bons números na bagagem. Em 2024, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 30,6% em relação ao período anterior, que vai de agosto de 2022 a julho de 2023. No Cerrado, que desaparece numa velocidade maior, o ritmo de destruição também diminuiu. Foi uma redução de 25,8% em relação ao período anterior, a primeira em cinco anos no bioma.
"Os números são inquestionáveis", diz Astrini. "Mas reduzir o desmatamento para quem quer ser líder e vai presidir uma COP não é suficiente. Para ser líder, é preciso incidir na agenda global, e não nos problemas domésticos. Incidir na agenda tem a ver com discutir os combustíveis fósseis e o financiamento. E não é o caso do Brasil", critica.
Antes de chegar a Baku, a COP28, em Dubai, produziu um texto que colocou o ano de 2050 como limite para zerar as emissões líquidas geradas por combustíveis fósseis. O documento evitou falar explicitamente sobre "eliminação" de petróleo, gás e carvão, e disse que uma transição deve ser acelerada nesta década.
"Cabe à COP de Baku avançar, ou ao menos não permitir retrocessos na menção do documento final da COP 28, que citou pela primeira vez a necessidade de que os países reduzam o uso de combustíveis fósseis", afirma Sampaio.
Ainda não se sabe como o Brasil vai lidar com este tema. Em casa, o país pode inaugurar em breve uma nova frente de exploração de petróleo, na bacia marítima da Foz do Amazonas, ou Margem Equatorial. A Petrobrás busca licença há uma década para perfurar poços na região, mas nunca teve o pedido autorizado. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apesar de ter um parecer interno assinado por analistas que recomendam o arquivamento do pedido, deu mais uma chance para a petroleira detalhar seus planos e tentar mais uma vez.
O que virá para Belém
Com uma boa reputação junto a delegações do mundo inteiro, a diplomacia brasileira deve adotar uma postura colaborativa em Baku. É desejado que o máximo de "nós" possíveis sejam desatados para que não se acumulem para a próxima COP, marcada para acontecer em Belém no próximo ano.
Até 2025, todos os 196 países que assinaram o Acordo de Paris precisam renovar seus compromissos climáticos nacionais, ou NDCs. A soma de todos eles teria que ser suficiente para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C. Com o que se tem até agora, o mundo ruma para um aquecimento de 2,5°C a 2,9°C até o fim do século, segundo a ferramenta que monitora as NDCs criada pelo World Resource Institute.
Para que a transição de Baku para Belém seja suave, a atual rodada teria que pressionar os países a assumirem metas mais ambiciosas em suas NDCs, criar um novo modelo de financiamento climático e garantir dinheiro público - e trilionário - aos mais vulneráveis, sugerem fontes ouvidas pela DW.
E a raiz da crise climática jamais deve ser colocada de lado: a queima desenfreada de petróleo nos últimos 200 anos que levou ao acúmulo sem precedentes de gases de efeito estufa da atmosfera. É este o grande vilão causador das mudanças climáticas, como ressalta o consenso científico.
"Não se pode esquecer: é crucial avançar em um roteiro claro para a transição para longe dos combustíveis fósseis", diz Natalie Unterstell sobre a COP 29.