O raro pássaro metade fêmea, metade macho avistado na Colômbia

Uma ave que tinha a típica plumagem masculina no lado direito e feminina no lado esquerdo, vista na Colômbia, tem cativado especialistas e adeptos da ornitologia.

3 jan 2024 - 17h53
(atualizado às 18h04)
Segundo os especialistas que documentaram a descoberta, em 100 anos apenas dois casos como esse foram registrados
Segundo os especialistas que documentaram a descoberta, em 100 anos apenas dois casos como esse foram registrados
Foto: John Murillo / BBC News Brasil

Um encontro raríssimo ocorreu na Colômbia.

O ornitólogo amador John Murillo estava na Reserva Natural Demonstrativa Don Miguel, cerca de 10 km a sudoeste da cidade de Manizales, na Colômbia, quando avistou algo que lhe chamou a atenção: um pássaro saí-tucano silvestre, também conhecido como tem-tem, ou Chlorophanes spiza.

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Mas havia algo absolutamente único naquela ave: no lado esquerdo a plumagem era verde, cor característica das fêmeas daquela espécie, e no lado direito a plumagem era azul, típica dos machos.

Murillo acabara de fazer uma descoberta.

"Foi extremamente emocionante. É provável que a maioria dos observadores de pássaros passe a vida inteira sem ver um ginandromorfo, por isso tive o privilégio de me beneficiar da descoberta de John", diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) o geneticista evolucionista Hamish Spencer, professor do Departamento de Zoologia, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia.

Spencer também viu o pássaro, porque na época ele estava de férias na Colômbia.

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O fenômeno, diz ele, é extremamente raro em aves. Na verdade, ele não conhece nenhum exemplo na Nova Zelândia.

Uma condição muito singular

A ginandromorfia bilateral é uma condição que faz com que um lado de um organismo tenha características masculinas e o outro lado tenha características femininas.

É o que aponta Spencer no artigo Report of bilateral ginandromorphy in a Green Honeycreeper (Chlorophanes spiza) from Colombia (Relatório de ginandromorfia bilateral em um saí-verde (Chlorophanes spiza) da Colômbia), da publicação especializada em ornitologia Journal of Field Ornithology, que foi escrito com outros autores, entre eles Murillo.

As fêmeas geralmente têm plumagem toda verde e os machos têm plumagem toda azul
Foto: John Murillo / BBC News Brasil

O fenômeno "é conhecido em um grande número de grupos de animais, mais frequentemente naqueles em que há dimorfismo sexual (nos quais é mais facilmente detectável)".

Esse achado é o segundo exemplo de ginandromorfismo registrado na espécie em mais de 100 anos.

"Os ginandromorfos (animais com características masculinas e femininas numa espécie que geralmente têm sexos separados) são importantes para a nossa compreensão da determinação do sexo e do comportamento sexual nas aves", diz Spencer num comunicado da Universidade de Otago.

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Mas o que esse pássaro único nos diz sobre o mundo animal?

"A plumagem sexualmente dimórfica nas aves se deve à composição cromossômica das células próximas, e não a qualquer diferença hormonal em todo o corpo", explica à BBC.

A condição já havia sido detectada em insetos, principalmente borboletas, crustáceos, aranhas e até lagartos e roedores.

"Este exemplo particular de ginandromorfia bilateral (macho de um lado e fêmea do outro) mostra que, como em muitas outras espécies, qualquer lado da ave pode ser macho ou fêmea", afirma o professor no comunicado.

O pesquisador destaca que o fenômeno "decorre de um erro durante a divisão celular da fêmea para produzir um óvulo, seguido de dupla fecundação por dois espermatozoides".

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21 meses de observação

Na Reserva Natural Demonstrativa Don Miguel, que é uma fazenda com grandes áreas de mata secundária, foi criado um posto de alimentação para aves.

No lugar, os animais são abastecidos com frutas frescas e água com açúcar - e é excelente para observação de aves.

Diferentes ângulos do protagonista dessa história
Foto: John Murillo / BBC News Brasil

"Nesses comedouros é frequente observar inúmeras espécies, bem como papagaios-do-mato, tordos e eufonias em bandos mistos", indicam os autores no artigo.

A ave única que os cativou "esteve presente durante pelo menos 21 meses, e o seu comportamento coincidiu em grande parte com o de outras C. spiza selvagens, embora muitas vezes esperasse que saíssem para se alimentar dos frutos que os responsáveis pelo local colocavam diariamente".

E a certa altura "ele era territorial e não permitia que outros indivíduos de sua espécie se aproximassem dos responsáveis pela alimentação".

Os pesquisadores não têm explicação para esse comportamento específico.

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"Ele geralmente evitava outros de sua espécie, e outros também o evitavam. Portanto, parece improvável que esse indivíduo tivesse tido qualquer oportunidade de se reproduzir."

A verdade é que, com ou sem herdeiros, essa ave já deixou uma marca no reino animal.

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