Poliana Okimoto, de 41 anos, nasceu praticamente dentro da piscina. Começou a nadar aos 2 anos e a competir provas de natação aos 7. Mas foi no mar que ela conseguiu realizar o sonho de ir a uma Olimpíada e subir ao pódio. Ao conquistar o bronze na maratona aquática nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, ela se tornou a primeira brasileira a ganhar uma medalha olímpica na natação feminina.
- Esta é a terceira reportagem da série Mais que Atletas da Água, sobre como praias no Brasil têm sido transformadas com o apoio de medalhistas olímpicos, entre eles os irmãos Grael, Italo Ferreira e Poliana Okimoto.
Uma história bonita e com final feliz que teve em seu desenrolar momentos bem desagradáveis. “Como atleta de águas abertas, além de ter que lidar com correnteza, com água fria, com ondas, a gente também, infelizmente, tem que lidar em alguns lugares com a poluição”, desabafa Poliana, à beira de uma piscina em um clube em São Paulo, onde conversou com o Terra.
Poliana lembra de um episódio que aconteceu em Barcelona, na Espanha, durante o Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos em 2013. Ela saiu da competição com três medalhas: prata na maratona aquática de 5km, ouro na de 10km e bronze na prova de revezamento em equipe.
Antes da disputa dos 5km, Poliana fez um 'reconhecimento' do percurso. “Tinha chovido muito um dia antes, e tava um cheiro de esgoto. Tava contaminada a água. E eu não sei se eu engoli a água. Na madrugada da prova dos 5km, eu passei muito mal. Tive uma intoxicação. Vomitei demais. Muita diarreia”, recorda.
Mesmo desaconselhada a competir pelos médicos da seleção brasileira, ela resolveu arriscar. Meses antes, tinha passado por um período difícil na vida pessoal e profissional. “Na hora, eu pensei em tudo que passei. Depressão, quarto escuro, fundo do poço. ‘Tô aqui, e não vou nadar? Não, eu vou nadar. Seja desidratado ou não, eu não preciso ganhar essa prova’”, relembra.
Poliana competiu e conquistou o bronze. “A história é bonita, teve um final legal, mas não era necessário a gente passar por isso”, lamenta.
Depois de se aposentar como atleta, após o bronze olímpico, Poliana passou a organizar as próprias competições de águas abertas no litoral de São Paulo. E para que outros atletas, sejam amadores ou profissionais, não passem pelo que ela passou, a ex-atleta faz ações para cuidar melhor das praias onde realiza seus eventos de natação.
Lixo no oceano
Essa preocupação de Poliana também tem a ver com os dados alarmantes sobre poluição no mar. Todos os dias, cerca de 30 mil toneladas de plástico entram no oceano em todo o mundo, segundo estimativa da ONG WWF.
E um estudo sobre o lixo nas praias brasileiras, lançado em setembro deste ano, revelou que a Baixada Santista, no litoral de São Paulo, lidera um ranking nacional nada animador.
É nessa região onde está São Vicente, cidade com maior concentração, por metro quadrado de areia nas praias, de resíduos plásticos maiores (macrorresíduos), pedaços grandes de plástico (macroplásticos) e pequenos fragmentos de plástico (microplásticos).
O levantamento foi feito pelo Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) e pela ONG Sea Shepherd Brasil.
Uma expedição percorreu, ao longo de 16 meses, entre 2022 e 2023, 8.125 km do litoral brasileiro, do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS), e coletou 2,3 toneladas de materiais para análise. Cerca de 91% dos resíduos achados em 306 praias do País foram plásticos. AQUI
Pensando diferente
Como atleta, Poliana explica que os competidores, independente do nível da prova, ficam à mercê das condições propostas pelos organizadores de cada evento. “O atleta está lá, e se fosse uma prova, uma Olimpíada, no Rio Tietê, a gente ia nadar porque temos que confiar no organizador. E principalmente o atleta que treina 4, 5, 10, 11 anos para uma Olimpíada; onde mandarem ele nadar, ele vai".
"Como nadadora, eu ficava à mercê dos organizadores. Como organizadora, comecei a pensar diferente", diz Poliana Okimoto.
Poliana começou a organizar travessias marítimas a partir de 2018; em média, são dois eventos por ano. Um deles ocorre de maneira fixa na Praia de Bora Bora, em São Sebastião, no litoral paulista. O local das outras etapas varia, e já aconteceu em cidades como Guarujá, Ilhabela, Bertioga e na Represa de Guarapiranga, na Região Metropolitana de São Paulo.
Com a experiência de nadar em águas quase insalubres, a nadadora fala que a escolha do local da prova é fundamental durante a organização do evento. Ela cita que, no Brasil, é comum encontrar, por exemplo, sacolas plásticas sob a superfície do mar, durante as travessias.
“Morei muitos anos em Santos, eu treinava muitos anos ali nas praias, e tinha muito lixo. A gente fazia um percurso que era bem para dentro do mar e já chegamos a ver um sofá na água. Já vimos muita coisa, e é muito ruim você esbarrar em uma sacola, um saco de lixo, no mar. Você começa a se perguntar como aquilo foi parar ali”, afirma.
Mutirões de limpeza
Nos eventos que organiza, Poliana conta com o apoio de Organizações Não-Governamentais (ONGs) ligadas à conservação do meio ambiente, para desenvolver ações como palestras de conscientização sobre reciclagem e mutirões de limpeza das praias, atividades que são feitas, geralmente, um dia antes da prova.
Quem participa das provas é, também, convidado a se juntar na limpeza da faixa de areia. Segundo a medalhista, dos cerca de 2 mil atletas inscritos --profissionais ou amadores--, menos de 10% comparecem para ajudar a recolher o lixo na véspera da travessia.
“Pouquíssimas pessoas aparecem para ajudar. Então, eu vejo que as pessoas esperam muito dos outros, mas fazem pouco. Ao mesmo tempo, se a gente não faz o mutirão, e a praia estiver suja, elas reclamam. Vão achar horrível, mas não vão ajudar”, lamenta.
Entre os poucos participantes das ações ambientais, o economista Flávio Ferraz Antunes, de 39 anos, compete desde as primeiras provas promovidas por Poliana e foi um dos incentivadores para que a medalhista olímpica organizasse os próprios eventos. Ele cita que os mutirões de limpeza organizados por Poliana são uma novidade entre as travessias marítimas.
“Lembro que ela já tinha tido outras travessias e não tinha tido esse mutirão. E eu me lembro que, quando ela anunciou o que ia fazer, mais do que pronto já falei: ‘Poliana, conta comigo, eu quero estar junto nisso daí’. Não foram todos os atletas que participaram, mas acho que é o mínimo que podemos fazer para preservar o local onde a gente vai nadar”.
Ele lembra que um dos materiais mais inusitados que ajudou a recolher foi uma lâmpada fluorescente tubular, encontrada na faixa de areia durante um mutirão em São Sebastião.
“Nos 300 metros em que a gente passou, foi impressionante a quantidade de coisas que a gente achou, não só de volumes, mas coisas mais diversas possíveis. Desde tampinhas de garrafa a lâmpada de vidro, de entulho de construção a baldes, restos de comida, dejetos humanos, tudo em um intervalo pequeno de tempo”, relembra Antunes.
“Isso, basicamente, em uma faixa de areia e de encosta. São coisas que, em uma maré alta, voltam todas para o mar, e aí há o risco, por exemplo, de um vidro quebrado atingir e ferir um atleta”, diz.
Nas travessias promovidas por Poliana, o cuidado com o meio ambiente começa no momento da inscrição dos atletas. Antes, os participantes precisavam entregar formulários impressos para retirar os kits de participação. Eram milhares de folhas de documentação que foram substituídas por documentos digitalizados.
Os kits, também, passaram por uma ‘repaginada’. Antes entregues em sacolas, que acabavam somadas ao descarte do evento, as camisetas passaram a ser embaladas sem o uso de plástico.
“São pequenas coisas que a gente faz, mas que, no fim do ano e de todo nosso ciclo, acaba gerando um impacto grande”, explica Poliana.
"Como atleta olímpica, uma pessoa que carrega um histórico de ídolo, a gente tem que dar o exemplo", diz Poliana Okimoto
"Eu sempre tive esse cuidado e, com meus eventos, trazer mais educação e informação para as pessoas. Em cada prova que a gente faz, são pelo menos 2 mil inscritos, mas acabam indo 4 mil, 5 mil pessoas que são impactadas pela informação que a gente leva. Nisso, entendi a nossa responsabilidade diante de um local onde fazemos nosso trabalho, que é o mar”, finaliza.
*A série de reportagens Mais que Atletas da Água foi realizada com o apoio do Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental, promovido pela Fundação Grupo Boticário em parceria com a UNESCO.