Saiba as consequências ambientais da PEC que pode 'privatizar as praias' de todo Brasil

Texto, que propõe privatizar terrenos da União a beira-mar, ganhou repercussão nas redes sociais e entre políticos e ambientalistas

4 jun 2024 - 07h26
(atualizado às 08h16)
Imagem mostra praia de Ipanema, no Rio
Imagem mostra praia de Ipanema, no Rio
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

Uma proposta de emenda constitucional (PEC) em tramitação no Senado pode permitir a transferência da propriedade de terrenos litorâneos, atualmente sob domínio da União, para estados, municípios e proprietários privados. O tema voltou a ser debatido após uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última segunda-feira, 27.

Especialistas ouvidos pelo Terra, no entanto, alertam para os aspectos negativos e as possíveis consequências da eventual aprovação da proposta, que é vista como uma brecha para a privatização das praias do litoral brasileiro.

Publicidade

A PEC 3/2022, conhecida como PEC das Praias, foi aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e estava parada na CCJ do Senado desde agosto de 2023. A proposta, de autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), conta com parecer favorável do relator, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Se aprovada, a PEC revogaria um trecho da Constituição, permitindo a transferência dos chamados terrenos de marinha para ocupantes particulares, Estados e municípios. Os terrenos de marinha são áreas localizadas ao longo da costa marítima, abrangendo uma faixa de 33 metros a partir de uma linha média traçada em 1831.

Como é hoje 

Atualmente, as praias pertencem à União e são administradas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos. A PEC, por sua vez, estabelece que Estados e municípios recebam gratuitamente a propriedade dos terrenos que já possuam construções de prédios públicos.

De acordo com o geólogo Marco Moraes, as áreas costeiras mencionadas na proposta são os terrenos situados a partir de 33 metros após o ponto mais alto alcançado pela maré. Em outras palavras, esses terrenos não incluem a área da praia e do mar, que geralmente são frequentadas por banhistas e permaneceriam públicas. Os terrenos de marinha referem-se a uma camada mais interior, localizada após a praia, onde normalmente estão situados hotéis e bares.

Publicidade

Conforme as leis vigentes, a União, como proprietária dos terrenos de marinha, tem o poder de autorizar o uso dessas terras por pessoas e empresas, inclusive permitindo a transmissão para seus herdeiros. No entanto, para usufruir desses direitos, os empreendimentos devem pagar impostos específicos, como a taxa conhecida como laudêmio.

Objetivo da PEC

Atualmente, os proprietários de imóveis em áreas da União possuem 87% da propriedade, com os restantes 13% pertencendo à União. Eles pagam diversas taxas e impostos, como o laudêmio. Com as mudanças propostas na PEC, porém, essa cobrança e divisão deixariam de existir.

Segundo um levantamento divulgado pelo relator da PEC, Flávio Bolsonaro, o projeto poderia beneficiar pelo menos 521 mil propriedades, caso avance no Senado Federal e seja sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O que mudaria com a PEC 

Conforme o texto da PEC, só permaneceriam com o governo áreas ainda não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos, como portos e aeroportos, por exemplo.

Publicidade

O projeto em análise no Senado propõe a permissão para a venda dos terrenos de marinha a empresas e indivíduos que já estejam ocupando a área. Segundo o projeto, os lotes deixariam de ser compartilhados entre o governo e os ocupantes, passando a ter apenas um proprietário, como um hotel ou resort.

E a privatização das praias ? 

Como dito anteriormente, a PEC quer retirar da União a propriedade exclusiva sobre os terrenos de marinha e transferi-la para estados, municípios ou proprietários privados. A alteração proposta pode gerar lacunas na legislação, uma vez que, embora o texto não faça menção direta à "privatização direta" das praias, sua aprovação poderia viabilizar a privatização do acesso a elas, conforme explica o professor de direito constitucional e pesquisador da USP-SP, Erick Carvalho.

Em sua avaliação, embora a proposta não inclua a "privatização direta" das praias, o projeto abre a possibilidade de uma empresa, por exemplo, adquirir o terreno e restringir o acesso de banhistas à faixa de areia, como ocorre em alguns resorts e condomínios à beira-mar, onde as pessoas precisam pagar para acessar a praia.

"O problema não está na parte frequentada pelos banhistas, essa permaneceria sob domínio da União. A questão da brecha se refere a esses terrenos localizados além das praias, na faixa dos 33 metros. No momento em que esses terrenos são privatizados, indiretamente, pode ocorrer a privatização do acesso a elas, que são bens comuns da sociedade brasileira, conforme estabelecido pela lei", diz.

Publicidade

Consequências ambientais

A proposta representa um risco de privatização das praias por empreendimentos, o que pode comprometer tanto o equilíbrio da biodiversidade do litoral brasileiro quanto a soberania nacional, alerta Moraes.

"É o momento mais inadequado pra fazer isso, para fragmentar a posse e o controle dessas áreas, quando o que precisamos é uma coordenação pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Ministério da Infraestrutura, de áreas costeiras que vão ser cada vez mais abaladas por essas mudanças climáticas que estamos vendo no planeta e no Brasil, como o que ocorreu no Rio Grande do Sul", ressalta. 

"Se aprovado, será péssimo. Poderá ocorrer uma invasão de áreas de preservação e destruição de manguezais, seja por especulação imobiliária, seja por atividades como fazendas de camarão, que no mundo inteiro são prejudiciais para os manguezais. Se já vemos isso atualmente, imagine se tudo for deixado ao acaso, se tudo for pulverizado e colocado nas mãos de prefeitos e empresários privados", completa. 

Na mesma linha, o biólogo, mestre em ecologia e especialista em gestão de ecossistemas, Mário Moscatelli, classifica a medida como um contrassenso com o momento do planeta, que, em sua avaliação, está sob uma intensa vulnerabilidade ambiental.

Publicidade

"Já está complicado. O que precisa ficar claro é que a paciência do planeta acabou. A paciência do planeta acabou", alerta. 

Veja os principais impactos de uma possível aprovação da PEC 

  • Impactos na biodiversidade marinha: A privatização dessas áreas pode levar à degradação dos ecossistemas costeiros e marinhos, resultando na perda de habitats naturais e na redução da biodiversidade.
  • Poluição e degradação ambiental: A falta de regulamentação adequada podem levar a práticas de desenvolvimento imobiliário e turístico que causam poluição da água, erosão costeira e degradação dos ecossistemas costeiros.
  • Pressão sobre os recursos naturais: A privatização das praias pode aumentar a pressão sobre os recursos naturais, como água doce, fauna marinha e áreas de vegetação costeira, à medida que são explorados para atender às demandas de empreendimentos privados.
  • Especulação imobiliária: A privatização dos terrenos de marinha pode abrir espaço para uma intensa especulação imobiliária, levando ao desenvolvimento desordenado e à ocupação irregular das áreas costeiras.
  • Impactos nos manguezais: Os manguezais desempenham um papel crucial na proteção da costa contra tempestades, inundações e erosão. A privatização das praias pode ameaçar esses ecossistemas sensíveis, aumentando o risco de danos ambientais e sociais.
  • Aumento do impacto em desastres naturais: A privatização das praias pode aumentar a vulnerabilidade das comunidades costeiras a desastres naturais, como enchentes e tempestades, tornando-as mais suscetíveis a danos.
  • Soberania nacional: Além disso, a questão da soberania nacional também está em jogo. A manutenção do controle desses terrenos pela União é importante para preservar a soberania do País e garantir a proteção contra possíveis ameaças estrangeiras.

Próximos Passos 

Para que esta PEC seja aprovada, é necessário que seja votada em plenário no Senado e receba o apoio de pelo menos três quintos dos senadores, o equivalente a 49 votos. Entretanto, até o momento, não há uma previsão para a data em que ocorrerá a votação. Caso haja alguma modificação substancial no texto durante a votação no Senado, o projeto precisará retornar para apreciação na Câmara dos Deputados.

No governo, a PEC enfrenta resistência, especialmente por parte do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), que se posicionou contra sua aprovação.

Nas redes sociais, o debate sobre o tema também gerou uma grande mobilização entre os internautas. Influenciadores e ativistas gravaram vídeos se opondo à proposta e incentivando a população a se manifestar contra ela.

Fonte: Redação Terra
TAGS
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações