A importância dos manguezais, que ficam desprotegidos com decisão do governo Bolsonaro

Normas que protegiam manguezais e restingas desde 2002 foram derrubadas em reunião convocada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na manhã desta segunda.

28 set 2020 - 15h44
(atualizado às 16h35)

Duas resoluções que protegiam áreas de preservação permanente como restingas e manguezais e restringiam o desmatamento e a ocupação nesses biomas foram derrubadas na manhã da segunda-feira (28/09) em reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), convocada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. As resoluções estavam em vigor desde 2002.

Manguezal é considerado um ecossistema essencial para o planeta: é berçário da vida marinha e contribui para o combate do aquecimento global
Manguezal é considerado um ecossistema essencial para o planeta: é berçário da vida marinha e contribui para o combate do aquecimento global
Foto: Clemente Coelho Júnior/Divulgação / BBC News Brasil

Salles, que foi gravado neste ano dizendo que era preciso aproveitar a pandemia para "passar a boiada" de aprovação de flexibilização de leis ambientais, já havia reduzido o número de entidades da sociedade que fazem parte do Conama em 2019. O conselho é o principal órgão consultivo do ministério e tinha participação de 96 entidades — hoje, tem 23 membros.

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Além das resoluções 302 e 303, que protegem os manguezais, a reunião derrubou a resolução 284/2001, que estabelecia critérios de eficiência de consumo de água e energia necessários para aprovação de projetos de irrigação.

O ministério também liberou a queima de lixo tóxico em fornos usados para produção de cimento — a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que essa queima seja feita em ambiente controlado.

O governo diz que as questões tratadas nas resoluções foram incorporadas por leis aprovadas depois, como o Código Florestal.

Mas especialistas em ambiente afirmam que essas resoluções eram as únicas normas que de fato protegiam esses biomas, essenciais para manutenção do equilíbrio ambiental no país e no mundo.

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Restingas são áreas de vegetação encontradas em regiões arenosas de praias e em dunas.

Manguezais são ecossistemas costeiros, de transição entre a terra e o mar, que ficam em regiões tropicais e subtropicais do planeta. É ali onde ficam aquelas plantas retorcidas por cima da lama escura que, de acordo com a maré, ora ficam cobertas pela água salgada do mar, ora ficam expostas com as raízes fincadas na água que se mistura à dos rios.

Manguezais no nordeste foram atingidos por petróleo no ano passado
Foto: Clemente Coelho Júnior / BBC News Brasil

O Brasil tem quase 14 mil quilômetros quadrados de áreas de manguezais, segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, um documento produzido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) publicado em 2018.

Além disso, o país tem a maior extensão contínua de manguezais do mundo, e fica em segundo ou terceiro lugar entre os países com maior área de manguezal — a classificação muda de acordo com a metodologia aplicada.

E por que os manguezais são tão importantes?

Eles prestam uma série de "serviços", de acordo com a professora do Instituto Oceanográfico da USP, Yara Schaeffer Novelli, e o biólogo e oceanógrafo Clemente Coelho Júnior, professor da Universidade de Pernambuco que está participando do trabalho de retirada de petróleo das praias.

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Ambos são fundadores do BiomaBrasil, instituto que dá capacitações formal e informal sobre conservação da biodiversidade.

Eles citam algumas dessas funções dos manguezais:

1. Berçário natural: de 70% a 80% das espécies de importância econômica passam pelo menos uma fase da vida nos sistemas de manguezal, o que faz com que os mangues sejam conhecidos como os "berçários naturais" da vida marinha.

Ali, os filhotes ficam em seus primeiros estágios de desenvolvimento, aproveitando o ambiente mais calmo, onde as raízes das árvores dão proteção e eles. Como é um ambiente cheio de nutrientes, os filhotes também têm alimentação ali. Depois, migram para o mar aberto.

Manguezal em Pernambuco atingido por óleo no ano passado
Foto: Clemente Coelho Júnior / BBC News Brasil

2. Protege de processo natural de erosão: o mangue atenua o processo de erosão costeiro, protegendo todo litoral. A pressão e energia do mar que atingiriam a costa são dissipadas no mangue.

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"O manguezal protege as costas das ações de ressacas, de tsunamis. Isso foi bem provado no tsunami de 2004, no dia 26 de dezembro em Sumatra [Indonésia]. Onde ainda havia manguezal, as comunidades que estavam por trás dessa barreira natural foram menos prejudicadas que aquelas comunidades que já haviam substituído os manguezais por resorts, plantações de arroz e outros", lembra Schaeffer Novelli.

3. Filtro biológico: a floresta tem capacidade de "digerir" matéria orgânica e absorver muitos nutrientes. Se esgoto é lançado no rio, por exemplo, os mangues filtram isso, retendo as substâncias, absorvendo nutrientes e acumulando em sua biomassa.

4. Retenção de sedimentos: os rios correm arrastando solo e sedimentos, e quando chegam no estuário as partículas se acumulam nas raízes do mangue. Isso significa que o mangue cuida do leito do rio, assoreando, retendo os sedimentos antes de chegarem ao mar, garantindo uma água mais limpa na zona costeira.

5. Combate ao aquecimento global: dentro dos ecossistemas, as florestas de mangue são as que mais sequestram carbono da atmosfera. Isso significa que o mangue ajuda a combater o aquecimento global. "O manguezal tem importância nesse contexto moderno das mudanças climáticas por ser muito eficiente fixador e acumulador de carbono", diz Schaeffer Novelli.

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6. Importância cultural e cênica: em muitas regiões as áreas de manguezal são tidas como sagradas. Além disso, sua beleza cênica é importante para o turismo.

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