Nesta sexta-feira, 5, a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP) terá programação para debater a participação dos jovens e a importância de serem ouvidos. Mas, antes disso, já é possível prestar atenção às vozes que se espalham pelas ruas de Glasgow. "Nós somos muitos, mas não somos ouvidos." "Poderia ter mais jovens, mas o governo do Reino Unido não facilitou em nada nossa vinda." "Lá dentro? Definitivamente não temos voz." "Nada de aproveitável vai sair daí. É ultrajante."
Há quatro dias, desde o início da conferência, jovens vindos das mais diferentes partes do mundo mudaram a cara da cidade e deram um ar de efervescência que, por vezes, chega a lembrar a da Rio-92, quando os olhos do mundo se voltaram para o Brasil e para o que acontecia na capital fluminense. Há festas, música, pubs lotados. Mas há algo diferente no ar.
Ao contrário do tom festivo e de esperança que a conferência no Rio trazia no início dos anos 1990, o clima entre os jovens dos anos 2020 é outro, mediado pela urgência climática, a necessidade de tomadas de decisões "para ontem", as cobranças para que seus futuros sejam levados em conta e as restrições impostas pela pandemia de covid-19.
"Nada foi feito, de fato, desde o Acordo de Paris. As NDCs (as metas voluntárias de corte de emissões) de muitos países simplesmente ficaram abaixo do aceitável, então não há muito o que celebrar e não há muita esperança", diz Wictoria Jedroszkowak, de 20 anos. Assim como ela, sua amiga Dominica La Sota, de 19, fazem parte do Friday For Future, a mesma organização da jovem ativista Greta Thunberg, que se transformou na voz dessa geração na luta por um futuro mais limpo e sustentável.
Ambas são polonesas e juntaram "o que tinham e o que não tinham" para vir a Escócia. Entre a empolgação da primeira COP, o sentimento de urgência e o desapontamento (menos com o evento e mais com o tempo das tomadas de decisões), elas parecem carregar mais nos dois últimos. "No segundo dia (quando os líderes mundiais estavam reunidos) não nos deixaram entrar para prostestar", diz Dominica. "Isso é ridículo. É o que fazemos, esse é nosso papel."
Ao redor do local em que a COP ocorre, em Glasgow, jovens de todas as nacionalidades circulam de um lado para o outro. Representantes dos povos indígenas, do Brasil e de outros países da América do Sul, se misturam e tomam o protagonismo no debate ambiental. Eric Terena é um deles. Além de ser uma jovem liderança é também DJ e se apresentou durante a conferência.
As festas? Para Ines Belliard e Zahra Ahmad, ambas de 26 anos, estudantes em Londres, ok, fazem parte. Ver os pubs da cidade lotados com pessoas de terno e gravata que acabaram de sair das reuniões da COP, no entanto, causa nas jovens um sentimento estranho. "Ainda não atingiram nenhum objetivo concreto. Então, não há o que comemorar", diz Zahra.
"Sim, há um senso de urgência para a gente. Estão tratando mais do nosso futuro do que do deles", reclama Ines. Para ela, o futuro mais próximo do que se imaginava mostrado pelo relatório do IPCC, o painel de cientistas da ONU, em agosto não dá outra opção a não ser ter urgência. E cobrar.
O documento mostrou que a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor.
O único caminho, aponta o relatório, é limitar o gás carbônico (CO2) na atmosfera, atingindo pelo menos zero líquido de emissões (saldo das emissões descontada a absorção do carbono), juntamente com grandes reduções em outras emissões de gases do efeito estufa. O Acordo de Paris prevê zerar as emissões líquidas até 2050
Em Glasgow, a primeira semana da conferência, mostra alguns avanços. Na quarta-feira, países desenvolvidos como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão se comprometeram a aumentar seus repasses para o fundo internacional de financiamento de ações contra as mudanças climáticas em países em desenvolvimento.
Os valores ainda não chegam aos US$ 100 bilhões anuais previstos, mas aponta para a vontade de negociar. A Aliança Financeira de Emissões Zero de Glasgow, grupo que inclui as maiores instituições financeiras ocidentais, anunciou a criação de outro fundo, este de US$ 100 bilhões.
O Brasil, nos primeiros dias da conferência, suavizou a retórica de confronto adotada pela gestão Jair Bolsonaro, se alinhou aos EUA e União Europeia e reviu sua NDC. Além disso, ingressou no acordo para diminuir as emissões de metano, proposto pelos EUA e anunciou planos de zerar o desmatamento ilegal.
Tudo isso soa positivo para o jovem nigeriano Ugochukwu Bobo Ajuzie, de 22 anos, mas ainda não muda a realidade que assiste em seu país. "Os problemas na África vão do desflorestamento à dependência extrema de combustíveis fosseis. Mas também há problemas sérios como falta de acesso a uma fonte mais limpa de combustível para cozinhar", diz. "No meu país, muita gente usa querosene para isso."
"Blá, blá, blá" é um termo que se popularizou entre esses jovens, desde que a ativista Greta Thunberg passou a usá-lo para se referir à retórica dos políticos e tomadores de decisões. Ajuzie prefere uma variação: "Já basta de tanto falar. Precisamos de atos que impactem de forma positiva a proteção do clima. Não temos mais tempo", diz.
Enquanto os jovens reclamam mais voz e ganham protagonismo, em frente à entrada da conferência, um grupo não quer ser ouvido, pelo menos não da mesma forma. Sentados na calçada, em silêncio, passam o dia meditando e contemplando. São parte do grupo The Earth Vigil. Estão ali para fortalecer a conexão entre as pessoas, o sagrado e o ambiente.
"Sentar aqui e meditar silenciosamente, gente de todas as religiões, é nossa forma de que nos ouçam", diz Myke Whi, ao meio-dia de quinta-feira. Budista, ela pretende voltar todos os dias, até o final da COP, ao mesmo lugar e "se fazer ouvir" da mesma forma.