Cúpula da Amazônia: declaração final não traz desmate zero como meta comum nem fim do petróleo

Evento em Belém reuniu o Brasil e mais sete países que abrigam a floresta; tema dos combustíveis fósseis opôs Lula e o presidente colombiano

8 ago 2023 - 18h48
(atualizado às 20h02)
O ciclo anual de desmatamento é medido entre agosto de um ano e julho do ano seguinte
O ciclo anual de desmatamento é medido entre agosto de um ano e julho do ano seguinte
Foto: Tiago Queiroz/Estadão / Estadão

A declaração da Cúpula da Amazônia, assinada pelos oito países que abrigam a floresta em seu território, não trouxe a meta de desmatamento zero como compromisso para toda o bioma, como defendia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também não incluiu a eliminação de planos de explorar petróleo na região, tema que opôs o líder brasileiro e o presidente colombiano, Gustavo Petro, que fez discurso enfático contra a aposta em combustíveis fósseis.

Sobre a destruição da floresta, o documento menciona apenas "a urgência de pactuar metas comuns para 2030, (...) tendo como ideal o desmatamento zero", que é a meta do governo brasileiro. Mas o texto, apresentado em Belém, sede do evento, nesta terça-feira, 8, não traz isso como obrigação para todo o bloco.

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Já o tema dos combustíveis fósseis tem causado mal-estar para a gestão Lula após vir à tona, em maio, um plano da Petrobras de explorar petróleo na margem equatorial da foz do Rio Amazonas, conforme revelou o Estadão. A proposta dividiu o próprio governo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, critica, mas o presidente não rechaça completamente os estudos sobre essa atividade na região.

Durante o evento, o líder colombiano atacou novamente o uso de combustíveis fósseis. Afirmou ainda que a esquerda não pode se render ao negacionismo científico. Na saída do evento, Petro não falou com a imprensa.

A declaração de Belém fala apenas em "iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica", mas não em eliminar planos de exploração petrolífera na área.

"Com relação a essa posição do presidente Petro, quero dizer que não há divergência. O Brasil, desde os anos 1970, começou uma transição. Sobre a descarbonização, tenho certeza que haverá um momento no futuro em que chegaremos a isso", disse o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. "A posição da Colômbia não é divergente, não temos posições diferentes, mas cada país deve seguir (a descarbonização) no ritmo que estivar a seu alcance."

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O Brasil propôs o encontro da cúpula, que não se reunia desde 2009, com o objetivo de fortalecer um bloco amazônico para os debates climáticos e também ajudar na negociação de pedidos de ajuda financeira a países desenvolvidos.

Por outro lado, a polêmica do petróleo expôs uma contradição interna que fragiliza a posição de Lula como líder pró-floresta. Na tentativa de expandir as alianças em torno da pauta da preservação desses biomas, o petista também chamou líderes de Indonésia e Congo.

Em outro assunto delicado para os países sul-americanos, houve manifestação do presidente francês Emmanuel Macron, que declinou de participar da reunião (a Guiana Francesa é um dos países que abrigam a floresta). Nas redes sociais, ele elogiou a iniciativa do evento, mas defendeu barreiras comerciais que travam o acordo União Europeia-Mercosul e desagradam ao governo brasileiro.

Em abril, a União Europeia aprovou lei que proíbe os países do bloco de comprarem produtos que resultam da destruição ambiental. O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, por sua vez, foi firmado em junho de 2019.

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A ratificação e a implementação do acordo ficaram congeladas na gestão Jair Bolsonaro (PL). O bloco apresentou uma carta adicional com exigências ambientais para o pacto ser firmado.

Outros pontos da declaração

O texto aprovado pelas oito nações amazônicas (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) prevê uma Aliança de Combate ao Desmatamento, mas não detalha como vai funcionar essa união de esforços.

Entre outros prontos da declaração, estão o oferecimento, pelo governo brasileiro, do Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus para a cooperação entre as polícias dos oito países e o estabelecimento de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo para combate ao tráfego aéreo ilícito, o narcotráfico e outros crimes.

Também prevê criar mecanismos financeiros de fomento do desenvolvimento sustentável, com destaque à Coalizão Verde, que congrega bancos de desenvolvimento da região.

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Além disso, o documento prevê a criar instâncias, no âmbito da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), como o Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas, o Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia (o IPCC da Amazônia), e os observatórios da situação de defensores de direitos humanos e de mulheres rurais para a Amazônia, entre outras.

'É uma lista de promessas', critica especialista

Secretário-geral do Observatório do Clima, a maior coalizão de ONGs do País, o ambientalista Márcio Astrini diz que faltou contundência à Declaração de Belém, sobretudo no que diz respeito ao fim do desmatamento. "É uma lista de promessas", afirma.

"O mundo está derretendo. Não é possível que, diante de tudo o que está acontecendo, oito líderes de países amazônicos não consigam dizer com todas as letras: 'acabou o tempo da derrubada de florestas'", aponta. "Faltou algo mais contudente."

Para o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, uma das maiores autoridades mundiais em pesquisas sobre climatologia, a Declaração de Belém é um "grande passo, que muda radicalmente a gestão da floresta amazônica". Uma das propostas do evento em Belém, a criação do Painel Técnico-Científico Intergovernamental da Amazônia (o "IPCC da floresta") - e a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento dão caráter de integração e gestão mais amplas, de forma que nunca foi feito na região.

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"É um passo notável para que as políticas públicas a serem implantadas sejam baseadas em decisões científicas. Até agora, eram ditadas por setores como a agropecuária e a mineração", afirma Artaxo.

Segundo o professor, "é natural que haja conflito de interesses entre países com diferenças de desenvolvimento e de interesses, mas é um grande passo", diz ele, que integrou o IPCC das Nações Unidas, o painel de cientistas da ONU para estudar o aquecimento global.

*A repórter Paula Ferreira viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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