A maior ilha fluvial do planeta está em chamas há pelo menos 25 dias. Depois do fogo que atingiu o Pantanal e a Amazônia, a Ilha do Bananal, entre os rios Javaés e Araguaia, no Tocantins, já registrou mais de cinco mil focos de incêndio no último mês, em vários pontos da área de aproximadamente 25 mil km².
De acordo com Carlos Almeida, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), nem a chuva que chegou ao Estado no último fim de semana tem conseguido conter os incêndios, que já se espalham pelos últimos 25 dias e têm mobilizado órgãos federais e moradores. "Ontem deu uma boa chuva, mas não foi suficiente. Nos últimos três anos, o fogo também tem adentrado na Mata do Mamão, refúgio de um povo indígena que vive lá isolado", afirma.
Dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) apontam que oito das 14 terras indígenas em todo o estado do Tocantins estão naquela região, espalhas pelos municípios de Pium, Lagoa da Confusão e Formoso do Araguaia. Ao todo, a Ilha do Bananal é lar para ao menos seis etnias diferentes, dentre as quais estão os Avá-Canoeiros, em isolamento voluntário no interior da Mata do Mamão, onde o fogo tem se alastrado.
"O fogo na Ilha do Bananal acontece todos os anos. No ano passado, um brigadista do Ibama avistou de helicóptero esse pequeno grupo de índios, que estavam correndo pelados e fugindo das chamas", conta Almeida. Um funcionário do Ibama na região afirma que há cerca de 100 agentes do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) atuando na área, mais outros 15 do ICMBio.
Na semana dos dias 7 a 13 de setembro, o estado do Tocantins teve o equivalente a 20,9% de todos os focos de incêndio em 2020, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Considerando apenas os primeiros 21 dias deste mês, o total chega a 103.909 focos, chegando a mais da metade de todos os registros do ano (54,2%).
Era final de agosto quando o biólogo Lucas Guimarães saiu de Goiânia, onde mora, e foi passar férias no Tocantins. "Eu estava na fazenda da minha tia, quando começou aquele incêndio na reserva da Lagoa da Confusão, próximo ao Rio Formoso. O fogo queimou grande parte da região, onde moram pessoas do movimento de reforma agrária", conta.
De acordo com Lucas, os moradores tentaram apagar o fogo, a princípio sem sucesso. "Tava ventando bastante no dia. Nós vimos muitos animais, principalmente aves atordoadas, com receio de abandonar os ninhos e se negando a sair de perto do fogo". Duas horas depois, as chamas se alastraram por toda aquela parte da Lagoa e chegaram às fazendas, quando foram combatidas por quem estava no local.
Apesar do pouco tempo de queimada, o vento forte contribuiu para que o fogo se espalhasse e causasse danos irreversíveis ao bioma, um dos mais ricos do País por ser uma zona de transição entre o cerrado e a Floresta Amazônica. "A região é um dos principais santuários ecológicos naturais do país. Muitos animais morrem nesses incêndios, principalmente os que não se movimentam muito rápido. Não apenas mamíferos, mas anfíbios, répteis e invertebrados que somam na riqueza biológica de um bioma e são de extrema importância para a manutenção do sistema ecológico", observa o biólogo.
Pelo menos três fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que é de conhecimento comum dos moradores que a maior parte dos incêndios tem começado de forma criminosa para a renovação de pastagens e criação de gado na área, que é classificada como Unidade de Conservação Federal. Todas pediram anonimato. "Já tem quase 20 mil cabeças de gado colocadas lá", afirma um dos moradores.
Os dados do Inpe apontam que pelo menos 38 focos começaram entre o último domingo e segunda-feira. Em um vídeo recebido hoje pelo Estadão, um homem afirma estar na parte norte da Mata do Mamão, às 1h da manhã, enquanto filma um incêndio tomando conta da mata ao fundo. "O fogo tá muito alto agora. Muito alto. [Vamos] divertir a noite toda aqui, apagando o fogo e protegendo a natureza."
Procurados pelo Estadão, o Prevfogo e o Ibama não responderam à solicitação da reportagem até o fechamento deste texto.