Em meio às maiores taxas de alerta de desmatamento da Amazônia dos últimos cinco anos, foi exonerada nesta segunda-feira a pesquisadora responsável pelo trabalho de monitoramento do devastação florestal no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Lubia Vinhas foi retirada do cargo de coordenadora-geral de Observação da Terra do Inpe, departamento responsável pelos sistemas Deter e Prodes, que acompanham o desmatamento da Amazônia. A exoneração foi publicada no Diário Oficial (DOU) desta segunda, assinada pelo ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, pasta à qual é vinculada o Inpe. O motivo ainda não foi esclarecido. A reportagem procurou o ministério e a direção do Inpe, mas ainda não recebeu uma resposta.
Ao Estadão, Lubia afirmou somente que soube da exoneração do cargo comissionado ao ler o DOU desta segunda e que cabe ao diretor do órgão, Darcton Policarpo Damião explicar o motivo da exoneração. Como servidora de carreira, ela continuará atuando como pesquisadora da casa.
A reportagem apurou que a medida pode estar relacionada a um processo de reestruturação do Inpe que vem sendo planejada desde o ano passado, logo depois que Damião substituiu Ricardo Galvão, demitido por questionar críticas do presidente Jair Bolsonaro sobre os dados do desmatamento (leia mais abaixo).
Pela mudança proposta, a Coordenação de Observação da Terra, até então um departamento que responde diretamente à direção, passaria a ser subordinado a uma outra coordenação. Na prática, para técnicos do órgão, a coordenação gerida por Lubia deixaria de existir.
Conforme o Estadão apurou, apesar de a nova estrutura ainda não ter sido oficializada, o que demanda uma mudança no regimento interno do Inpe, a direção do instituto já estaria atuando com essa estrutura paralela.
A exoneração ocorre somente três dias depois de serem divulgados novos dados mostrando que o desmatamento da Amazônia em junho manteve o ritmo de alta mesmo com uma ação de militares na região desde maio e com a pressão que vem sendo feita por investidores estrangeiros para que o governo controle o problema.
Alertas feitos pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam a perda de 1.034,4 km² no mês de junho, alta de 10,65% em relação a junho do ano passado, quando os alertas apontaram desmate de 934,81 km². Em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalente à área da cidade de Belém (Pará).
É o mês de junho com maior devastação dos últimos cinco anos. Já são 14 meses consecutivos de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior. Em oito desses meses, as taxas bateram os recordes do registro desde 2015. No acumulado desde agosto (quando se inicia o calendário anual para fins de detecção do que ocorre na floresta), o Deter indica a devastação de 7.566 km², ante 4.589 km² no período de agosto de 2018 a junho de 2019. O aumento para esse período é de 65%.
O valor até o momento já é maior do que o acumulado de todos os alertas dos 12 meses entre agosto de 2018 e julho de 2019: 6.844 km². Somente nos primeiros seis meses deste ano, foram mais de 3 mil km² de florestas perdidos, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.
Críticas do governo
Em entrevista ao Estadão na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão classificou o sistema de monitoramento brasileiro como "péssimo". Depois de reuniões com representantes de fundos investidores internacionais (na quinta) e do grande capital nacional (na própria sexta), Mourão, que coordena a operação federal de preservação da Amazônia, criticou: "Um bom sistema de monitoramento tem de ser preventivo e o nosso só fala depois, quando é tarde demais".
Ele defendeu "um mecanismo em tempo real, com satélites de última geração, para que não estejamos sempre atrasados, correndo atrás". Em seguida, ponderou: "Mas isso custa dinheiro e todo o dinheiro está indo para o combate pandemia".
De acordo com especialistas, Mourão demomostrou desconhecimento sobre como funciona o Inpe. O sistema Deter, com seus alertas, já revela praticamente em tempo real onde há um desmatamento em curso, orientando operações das equipes de fiscalização do Ibama e de órgãos estaduais de ambiente. Foi com base nesse instrumento que governos anteriores conseguiram reduzir o desmatamento da Amazônia a partir de 2008, chegando ao nível mais baixo da história em 2012.
No ano passado, quando alertas do Deter começaram a indicar que a Amazônia estava sendo devastada, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rejeitaram inicialmente os dados e chegaram a alegar que eles eram mentirosos. O estresse acabou culminando, em agosto, na exoneração do então diretor do Inpe, Ricardo Galvão.
Alguns meses depois, quando foram divulgados os dados do sistema Prodes, que traz os dados oficiais de desmatamento na floresta, confirmou-se que a perda de vegetação na Amazônia, entre agosto de 2018 e julho de 2019 havia sido a maior desde 2008. Apesar dos números alarmantes, da cobrança de investidores estrangeiros e nacionais, das denúncias feitas por agentes ambientais, pesquisadores e ambientalistas, o problema não cessa. As taxas mensais de alertas do Deter continuaram em alta desde então.
O governo enviou em maio deste ano uma nova operação militar para a floresta, a Verde Brasil 2, mas no mesmo período, o desmatamento continuou subindo.