BRASÍLIA - O governo federal decidiu excluir o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, da atribuição de divulgar alertas sobre incêndios e queimadas em todo o País. O órgão federal fazia esse trabalho há décadas, divulgando diariamente dados técnicos sobre o avanço do fogo, ferramenta crucial para orientar o combate às chamas e estimar o volume queimado em cada região. A partir de agora, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura, seráo responsável por divulgar essas informações.
A mudança foi confirmada nesta segunda-feira, 12, em reunião realizada pelo Ministério da Agricultura. No encontro, com participação da ministra Tereza Cristina, o diretor do Inmet, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, afirmou que, a partir de agora, o instituto meteorológico fará esse trabalho, por meio de seu novo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, ferramenta que vai monitorar e divulgar os locais com maior probabilidade de ocorrência de fogo no Brasil.
"Acho que a gente está contribuindo não só para juntar as informações sobre risco no sistema nacional de meteorologia. A gente já fechou hoje (segunda-feira) pela manhã que não haverá mais emissões do Inpe sobre incêndio ou do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia)", declarou Oliveira. "Será do sistema nacional de meteorologia. Todos os relatórios do governo federal serão passados por esse sistema, que está sendo organizado aqui. Provavelmente a gente vai ter uma regulação do sistema nacional de meteorologia."
O Inmet, em nota, disse posteriormente que o sistema consiste na atuação conjunta de instituições federais de meteorologia, contando com o Inpe. Segundo o diretor do Inmet, a divulgação feita até hoje teria problemas de integração de dados. "É um problema que o Brasil enfrentava há décadas, na verdade há mais de 40 anos, a pulverização na divulgação de dados sobre incêndio e meteorologia", disse.
Em nota, a pasta da Agricultura declarou que "a iniciativa se deu devido aos incêndios florestais e queimadas, que ocorrem normalmente de julho a setembro no Brasil central, ocasionando grande impacto ao meio ambiente, ao agronegócio e à economia brasileira". "Diante disso, o Inmet estrategicamente passa a monitorar o risco de incêndio para fornecer informações e possibilitar a adoção de medidas preventivas mais eficazes e econômicas", afirmou a pasta.
A ferramenta, segundo o ministério, possui um mapa de monitoramento que aponta para o índice de risco ou perigo de ocorrência de incêndios em determinada região, além de disponibilizar a informação para todos os Estados brasileiros. A ferramenta também contribui, de acordo com a pasta, para a redução das perdas na agricultura e para ações preventivas de combate a incêndios, garantindo que o produtor possa realizar sua gestão de riscos.
Desde 2019, o governo queria alterar o sistema e a divulgação de informações. Essa missão ficou a cargo do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que, a mando do presidente Jair Bolsonaro, queria alterar o sistema aberto de dados. O monitoramento do desmate feito pelo Inpe motivou uma crise no governo após o presidente e integrantes de sua equipe questionarem os dados medidos pelo órgão.
Inmet diz que atuação será conjunta
Após a publicação desta matéria, na manhã desta terça-feira, o Inmet divulgou nota para declarar que o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) "é um sistema de atuação conjunta de instituições federais de meteorologia" e que este é coordenado pelo próprio instituto, além do Inpe e o Censipam.
Quem declarou, no entanto, que o Inpe deixará de divulgar dados sobre as queimadas e que isso será feito pelo Inmet foi o próprio diretor do instituto de meteorologia, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, conforme relatado acima.
Segundo o Inmet, os órgãos atuarão em conjunto "para o aprimoramento do monitoramento e elaboração de previsões de eventos meteorológicos extremos, pesquisa, desenvolvimento e inovação".
De acordo com o Inmet, o SNM, criado em 3 de maio de 2021, tem "a missão de eliminar todo e qualquer tipo de sobreposição de atividades, gerando assim uma cadeia de processos, produtos e dados interligados e complementares". Tudo isso, porém, já era feito pelos sistemas do Inpe.
Órgão do Ministério da Agricultura, o Inmet declarou que, agora, o objetivo é "divulgar os produtos e informações para a sociedade de forma conjunta e não mais em separado como essa ou aquela instituição".
O "Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio", ferramenta que monitora e divulga os locais com maior probabilidade de ocorrência de incêndios no Brasil, tem a função de "complementar os produtos já implementados pelas Instituições e serve para melhorar o monitoramento de queimadas" informou o órgão.
Nos próximos dias, será enviado à Casa Civil uma minuta de regulamentação com o "planejamento para a temporada de incêndios 2021", com a informação de que os órgãos que compõem o sistema e que que irão disponibilizar boletim semanal sobre o assunto. Hoje, os boletins do Inpe são diários.
"A atuação conjunta das Instituições pelo SNM permitirá atingir patamares de desenvolvimento compatíveis com as necessidades sociais e econômicas do país, principalmente relacionadas ao aprimoramento do monitoramento e elaboração de melhores previsões de eventos meteorológicos extremos, elevando a meteorologia e o monitoramento a um novo patamar", afirmou o Inmet.
É para controlar a informação, diz ex-diretor do Inpe
O físico Ricardo Galvão, exonerado do cargo de diretor do Inpe pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019 após defender os dados de desmatamento da Amazônia produzidos pela instituição, criticou duramente a decisão anunciada pelo Ministério da Agricultura. "Como brasileiro, fico muito triste com essa notícia. Sempre tive muita preocupação com cerceamento de dados. O trabalho feito pelo Inpe nessa área é reconhecido mundialmente", disse ao Estadão.
Na avaliação de Galvão, trata-se de uma forma de controlar os dados que serão divulgados. O Inpe era um órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, diferentemente do Inmet, que é vinculado ao Ministério da Agricultura.
"O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses. É um órgão da ciência e tecnologia. Seus dados sempre foram importantes e respeitados. Essa mudança, claramente, é para controlar a informação", comentou. "É algo muito preocupante, espero que a sociedade brasileira científica reaja fortemente contra isso."
Em 2019, quando dados de alertas do Inpe vieram à tona mostrando que a ação de criminosos na Amazônia, Bolsonaro afirmou que os números eram mentirosos e insinuou que Galvão estaria "a serviço de alguma ONG". O pesquisador reagiu, defendeu a ciência produzida pelo Inpe e seus pesquisadores e acusou Bolsonaro, em entrevista ao Estadão, de tomar uma "atitude pusilânime e covarde".
Após duas semanas de embates, Galvão foi exonerado. Ele estava no Inpe desde 1970 e cumpria mandato à frente do órgão até 2020. Com a exoneração, ele voltou a atuar na USP. Os dados produzidos pelo instituto, porém, continuaram mostrando mês a mês o aumento da devastação.