Governo quer os militares em ações da Amazônia até 2022

Ideia é estender ações de Garantia da Lei e da Ordem, realizadas em 2019 e 2020

8 set 2020 - 05h12
(atualizado às 07h24)

O governo Jair Bolsonaro planeja manter, até o fim de 2022, as Forças Armadas na linha de frente do combate às queimadas e ao desmatamento ilegal na Amazônia. A ideia é estender as ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), realizadas em 2019 e neste ano, na chamada "Operação Verde Brasil".

Presença do presidente Bolsonaro e Comitiva de Ministros e Deputados, durante a formatura do novos Paraquedistas da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército
Presença do presidente Bolsonaro e Comitiva de Ministros e Deputados, durante a formatura do novos Paraquedistas da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército
Foto: Cláudio Marques/Futura Press

A estratégia está registrada em metas do Conselho Nacional da Amazônia Legal, enviadas no fim de agosto pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Obtido pelo Estadão, o documento prevê adotar "linhas de ação" com custo mais baixo ao manter militares na Amazônia, mas não detalha qual seria esse valor. Não há solicitação de valores nem de recursos.

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As discussões do conselho ocorrem no momento em que o Brasil é pressionado por investidores, governos e movimentos sociais a reduzir queimadas e o desmatamento na região. Há, ainda, uma disputa entre a ala militar e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por recursos para aquela área. No fim de agosto, o ministro ameaçou paralisar atividades na Amazônia por falta de verba.

Mesmo com a ação das Forças Armadas, o Brasil encerrou o mês de agosto com o segundo pior resultado de queimadas na Amazônia, nos últimos dez anos. O número de alertas de desmatamento na região em 2020 foi 34% maior do que em 2019. Em entrevista ao Estadão, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, confirmou que está "mais ou menos acertada" a permanência dos militares até o fim de 2022 na Amazônia. "Essa GLO foi tratada exatamente para reduzir as queimadas e os desmatamentos. E as Forças Armadas estão entrando basicamente com o apoio logístico e um apoio cerrado às ações de repressão a essas atividades", afirmou.

As GLOs ocorrem de uma forma excepcional, sob comando expresso do presidente e duração definida. De acordo com o artigo 5.º da Constituição, "O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem deverá ser episódico, em área previamente definida e ter a menor duração possível." Foi um reforço de segurança aplicado, por exemplo, em greves policiais, nas visitas do papa Francisco e na Rio+20. Como exemplo ainda do prazo curto, a medida foi empregada 29 vezes entre 2010 e 2017. No ano seguinte, foi adotada uma das mais longas e famosas até agora: a da intervenção federal no Rio, que durou 319 dias. O documento do Conselho não detalha se haverá extensão da GLO ou criação de várias "fases". O orçamento inicial da Operação Verde Brasil 2 é de R$ 60 milhões.

A presença de militares em ações de conservação ambiental está sob questionamento no Supremo Tribunal Federal. A ministra Cármen Lúcia deu, na quarta-feira, um prazo de cinco dias para o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, informarem operações na fronteira, terras indígenas e unidades de conservação dos Estados da Amazônia Legal. A medida do Supremo partiu de ação movida pelo Partido Verde. No sábado, Heleno questionou o despacho de Cármen Lúcia. Pelo Twitter, o ministro afirmou que, em vez de pedir informações sobre a atuação de militares na Operação Verde Brasil 2, Cármen deveria questionar "o que seria da Amazônia sem as Forças Armadas?".

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Os ofícios do conselho mostram, ainda, vontade do governo de reestruturar órgãos estratégicos para preservação do meio ambiente, como o Ibama, ICMBio, Incra e Funai. O governo ainda deseja integrar dados, financiar a compra de satélite nacional - cuja competência é contestada - e criar novos mapas da Amazônia Legal.

A Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema) divulgou sexta um "dossiê" sobre ações do governo para "desmontar" órgãos que atuam na preservação ambiental no País. A entidade afirma que servidores de carreira têm sido substituídos por militares ou policiais militares "experientes, porém obedientes". Essas medidas, para a Ascema, mostram "intencionalidade do enfraquecimento da área ambiental na atual gestão."

Financiamento

A "reativação do Fundo Amazônia e financiamento internacional" está entre as ações previstas pelo conselho. O Brasil perdeu repasses da Alemanha e da Noruega para o fundo, no ano passado, por divergências sobre a gestão dos recursos. Em evento no Palácio do Planalto, há uma semana, Bolsonaro minimizou o apoio externo. "Se um dia nós precisarmos de recursos de outros países, poderemos aceitá-los, mas serão de países que tenham exatamente os mesmos ideais nossos, de democracia e liberdade", disse ele.

O conselho dirigido por Mourão, no entanto, tem planos de reaproximar investidores. Até o fim de 2020, o órgão espera realizar "diagnóstico dos projetos em curso" com recursos do fundo, além de negociar para "destravar" os repasses. Após a pandemia, a ideia é realizar uma "missão de reconhecimento à Amazônia Legal" com embaixadores estrangeiros.

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Se for cumprido o cronograma traçado por auxiliares de Mourão, o conselho terá gabinetes em Brasília (DF), Manaus (AM) e Belém (PA). No documento, o órgão não expõe propostas para reduzir a devastação na região, mas elaborar até outubro "metas realistas" de desmatamento e de queimadas ilegais está entre as responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente.

'Militarização'

Assessora política do Instituto de Estudos Socioambientais (Inesc), Alessandra Cardoso afirma que o governo, ao recorrer às operações de GLO, quer "fortalecer a militarização da Amazônia". "Simulando uma situação inverídica de 'esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio', como preconiza uma GLO", observou. Segundo levantamento do Inesc, a Defesa tem quase R$ 1 bilhão em recursos para utilizar em operações na Amazônia. Apenas as operações Verde Brasil de 2019 e deste ano somavam R$ 44,62 milhões e receberam aporte de R$ 410 milhões por meio de crédito suplementar.

Questionado sobre os planos do conselho, o Ministério da Defesa disse que "as Forças Armadas irão continuar cumprindo todas as missões que forem determinadas em lei". "Até 1.º de setembro, a Operação Verde Brasil já contabilizava números expressivos, que representam o somatório dos esforços de todos os órgãos e agências envolvidos, trabalhando de forma coordenada. Foram realizadas 27.175 inspeções, patrulhas, vistorias e revistas. E inutilizadas 443 máquinas de serraria", informou.

Segundo o ministério, foram apreendidas 765 embarcações, 221 veículos diversos, 372 quilos de drogas, 28.830 mil metros cúbicos de madeira e embargados 98.972 hectares. "Também foram aplicadas 1.682 multas, que alcançam um total de R$ 626.138.053,75."

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A pasta destacou, ainda, que a compra de um satélite permitiria ampliar a capacidade de proteger a Amazônia, além de contribuir "para a soberania nacional". Procurados, os Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, além da Vice-Presidência da República, não responderam aos questionamentos da reportagem sobre metas do Conselho Nacional da Amazônia Legal. / COLABORARAM JUSSARA SOARES e MARCO ANTÔNIO CARVALHO

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