Ministério já testa monitoramento privado de desmate

Bolsonaro tem afirmado que controle do Inpe sobre devastação da Amazônia é falho

15 ago 2019 - 07h08
(atualizado às 08h33)

BRASÍLIA - O sistema privado de monitoramento que o governo pretende usar para fiscalizar desmate na Amazônia já é usado como um "teste gratuito" dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O sistema, conforme apurou o Estado, é o mesmo que começa a rodar no Estado do Mato Grosso e já foi testado no Pará.

O Planet, um sistema de mapeamento em alta resolução que pertence a uma companhia dos Estados Unidos, é fornecido localmente pela empresa brasileira Santiago & Cintra, do interior de São Paulo. Essa empresa, que é responsável por processar as imagens e interpretá-las, já realizou diversas reuniões com representantes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente neste ano.

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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

O monitoramento do desmate motivou uma crise no governo após o presidente Jair Bolsonaro e integrantes de sua equipe questionarem os dados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em maio, reportagem do Estado mostrou que a Amazônia perdia 19 km² de floresta por hora. A partir daí, a divulgação sucessiva dos dados levou Bolsonaro a dizer que o Inpe divulgava dados mentirosos. A crise resultou na exoneração do presidente do instituto, Ricardo Galvão, que rejeitou qualquer tipo de manipulação. A demissão do chefe do órgão federal também foi alvo de críticas de cientistas.

Desde o início do ano, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem dito que pretende usar um sistema privado. Em julho, ele usou imagens da tecnologia privada para contrapor captações feitas pelo Deter - sistema de alertas de desmate do Inpe - e exibir o que seriam imprecisões nas medições.

Questionado sobre o uso da tecnologia privada, o Ibama não comentou. Salles também foi questionado sobre os termos do acordo que permitiu fazer o uso prévio da tecnologia privada, mas não deu detalhes.

Neste mês, o Ibama nomeou, por meio de portaria, uma "equipe de planejamento de contratação" para escolher o sistema que será comprado, algo estimado em aproximadamente R$ 7 milhões. A ideia seria realizar licitação pública para escolher o produto. Especialistas em captação e processamento de imagens ouvidos pelo Estado, porém, afirmaram que, da forma como foi descrito o sistema, o único fornecedor brasileiro capacitado é a Santiago & Cintra.

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A reportagem procurou a empresa para comentar o assunto, mas não obteve resposta. O responsável pelo "planejamento da contratação" do Ibama, o diretor Olivaldi Alves Borges Azevedo, disse que não tinha tempo para tratar do assunto.

Mato Grosso

O governo do Mato Grosso decidiu que deixará o mapeamento do Inpe e adotar o Planet. A informação é do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). "Vamos usar a melhor tecnologia. Não vou usar duas tecnologias, não faz sentido", disse ao Estado. "Já começamos a usar o sistema imediatamente. Agora, é essa tecnologia que vai apoiar nossas ações de fiscalização."

Procurado pela reportagem, o Inpe não se pronunciou. O Estado, porém, não deixará de ser coberto e monitorado pelas tecnologias governamentais.

"Os sistemas do Inpe não têm a mesma precisão e rapidez. Em menos de 24 horas, saberemos exatamente o que está acontecendo em qualquer terreno do Estado", disse Mendes. O contrato de R$ 5,9 milhões, que trata da prestação do acesso à tecnologia e seus serviços por um ano, não foi bancado pelo Mato Grosso, mas sim pelo banco de desenvolvimento alemão KFW, o mesmo que faz as doações por meio do Fundo Amazônia, do governo federal.

A compra e a escolha do sistema Planet, segundo o governo do Mato Grosso, foi feita diretamente por outro fundo financiado com recursos alemães, o Global REDD for Early Movers (REM). Criado em 2012, essa iniciativa é bancada de forma conjunta pelos governos da Alemanha e do Reino Unido.

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Pelas regras, Mato Grosso recebe valores se mantiver o desmatamento abaixo da linha de 1.788 km² por ano. O gestor financeiro e operacional do programa é o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), uma associação civil sem fins lucrativos. "Não houve licitação, porque não houve dinheiro público nisso. Para o Estado, é custo zero", disse Mendes.

O Estado mostrou no domingo que vários Estados da região amazônica estão buscando acordos diretos com países europeus para financiar projetos de proteção ao meio ambiente.

Pará

O sistema Planet já chegou a ser utilizado como teste pelo governo do Pará. Em 2016, segundo o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), o uso da tecnologia foi feito por meio de uma doação pela própria empresa. Depois, em 2017, um acordo anual foi firmado, com apoio do Fundo Amazônia.

"Nós chegamos (ao governo, no início de 2019) e tomamos a decisão de não comprar", disse Barbalho ao Estado. "Os sistemas que temos hoje já nos são suficientes para fiscalizar e monitorar o desmatamento."

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