O governo do Pará reagiu com indignação ao plano da concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que pretende transformar em carvão mais de 3,5 mil metros cúbicos de madeira, dos quais mais de 2 mil m³ são madeira nobre e protegidas por lei federal. O governo paraense pretende requerer a madeira - suficiente para encher 120 caminhões - para que o material tenha destinação social.
Reportagem publicada nesta quarta-feira, 22, pelo Estadão revelou um documento no qual a dona da maior hidrelétrica do Brasil enviou ao Ibama no dia 1º de setembro, para solicitar o "uso de madeira para fins energéticos". Em seu pedido, a Norte Energia diz que fez um levantamento sobre as "condições físicas dos estoques de toras nos pátios de madeira" da usina, entre dezembro de 2020 e abril deste ano, e chegou à conclusão de que possui "3.502,40 m³ de toras de madeira, estocadas em pátio, que ainda apresentam condições de utilização".
A utilização solicitada não é a construção de móveis, casas, artesanato ou qualquer outra estrutura que demande madeira - o que são finalidades comuns para árvores nobres desse tipo -, mas o uso como combustível para alimentar os fornos da siderúrgica Sinobras, que é uma das sócias da Norte Energia. "A empresa Sinobras - Siderúrgica Norte Brasil S.A. contatou a Norte Energia demonstrando interesse no aproveitamento de toda a madeira situada nos pátios da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte para a produção de bioredutor energético, destinado ao processo fabril de siderurgia da empresa", informa a concessionária, no documento.
Após a divulgação do plano, o governo paraense declarou que vai adotar medidas para evitar que o material seja transformado em cinzas. "O governo do Pará informa que toma conhecimento do caso através da denúncia do jornal O Estado de São Paulo e que considera inadmissível esta agressão aos nossos recursos naturais. O Estado vai buscar, por meios legais, receber as madeiras para dar uma destinação social, tendo em vista a prioridade do recurso para a construção de moradias, pontes, espaços públicos e etc.", informou, por meio de nota.
A Norte Energia foi procurada pela reportagem e questionada sobre detalhes de seu plano para queimar o material, bem como sobre a reação do governo do Pará. Não houve manifestação até a publicação desta reportagem. Na quinta-feira, após ser indagada sobre a ideia enviada ao Ibama, a companhia limitou-se a declarar que "a carta mencionada trata de consultas de rotina ao Ibama, na condição de licenciador da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte, que tange a legislação e normativas ambientais".
Como informou o Estadão, dos 3,5 mil m³ de toras que seriam queimados, mais de 2 mil m³ são espécies raras e protegidas por lei, além de outras que a própria Norte Energia enquadra como de madeira nobre e de "alto valor comercial".
O inventário das madeiras depositadas no entorno da hidrelétrica também concluiu que, além dos 3,5 mil m³ de toras que pretende queimar, há um volume de material que apodreceu. São 18.497 metros cúbicos de madeira já classificados como "não aproveitável".
A retirada da vegetação em Belo Monte, em 2015, teve o propósito de dar espaço ao reservatório de 478 quilômetros quadrados criado no Rio Xingu, além do canal artificial de mais 20 quilômetros de extensão da hidrelétrica. Essa remoção foi autorizada pelo Ibama, órgão federal responsável pelo licenciamento da usina e a fiscalização de seus impactos ambientais. A retirada, portanto, foi feita de forma legal e com acompanhamento das autoridades responsáveis. Por lei, porém, todo material extraído tem de ser catalogado e devidamente destinado, seja por meio de doações ou utilização na própria obra, por exemplo. Ocorre que milhares de troncos estão há mais de seis anos apodrecendo a céu aberto.
Questionamentos também foram encaminhados ao Ibama, órgão responsável pelo processo de licenciamento da usina e por acompanhar o cumprimento de exigências ambientais impostas à concessionária. O Ibama não explicou se a empresa atrasou a destinação do material, se deveria dar outra destinação à madeira e se acha correto queimar madeira em extinção e de alto valor comercial.
"Existe dificuldade de prefeituras e outros interessados de retirar e transportar tal madeira, especialmente por conta do valor de fretes cobrados por terceiros", informou o Ibama, autarquia do Ministério do Meio Ambiente.
O órgão federal atribuiu ainda o problema à grande quantidade de madeira que foi cortada para dar espaço à usina. "A empresa vem cumprindo as determinações do Ibama e, embora exista esforço para utilizar e/ou doar, os volumes de madeira suprimida são bastante significativos, não havendo vazão para todo o quantitativo".
A respeito do pedido para queimar o material, o Ibama declarou que "o requerimento da Norte Energia solicitando o uso de madeira para fins energéticos chegou ao Ibama em 1.º de setembro deste ano e encontra-se em análise".