O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está no olho do furacão que atingiu o Brasil nas últimas semanas, por causa da divulgação de informações preocupantes sobre o desmatamento na Amazônia, e que se intensificou nos últimos dias, impulsionado pela proliferação de queimadas na região. Em entrevista ao Estado, Salles, de 44 anos, fala sobre a repercussão internacional dos dois fenômenos, as críticas à política do governo para a Amazônia e a proposta de conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental.
A questão do desmatamento na Amazônia ganhou uma grande repercussão nacional e internacional e está provocando danos à imagem do País no exterior. Como o senhor vê as críticas à política do governo para a Amazônia?
Nós precisamos ter em mente que durante trinta anos o Brasil seguiu uma agenda ambiental que não soube conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação. A Amazônia é uma região muito rica em recursos naturais, em biodiversidade, mas com uma população muito pobre, um índice de desenvolvimento humano muito baixo. São mais de vinte milhões de brasileiros que vivem na Amazônia e a maioria vive muito mal: sem saúde, sem educação adequada, com índice de saneamento baixíssimo, com problemas enormes de desenvolvimento. Em alguns índices, a situação é pior que a do Nordeste. É por isso que temos de encontrar uma maneira inteligente de tratar a questão, que reconheça a importância da sustentabilidade, da conservação, do cuidado ambiental, mas dê dinamismo econômico em escala e em impacto suficiente para toda aquela população. Não bastam pequenos projetos-piloto, que são interessantes do ponto de vista de incubação de ideias, mas que, ao longo de trinta anos, desde a Constituição de 1988, não conseguiram agregar valor para a população que vive lá.
Como o senhor avalia a repercussão que o desmatamento e as queimadas na Amazônia estão tendo no País e no exterior?
Até certo ponto é natural que, neste momento de mudança de comportamento, de discussão das atividades econômicas da Amazônia, haja essa instabilidade. Há incompreensão de uma parcela do público e sem dúvida alguma parte da repercussão internacional se deve à desinformação. Até porque não bloqueamos nenhuma política pública ou interrompemos nada do que vinha sendo feito até agora para justificar essa mobilização. Mas é preciso levar em conta também que outra parte dessa campanha contra o Brasil vem de entidades ambientalistas, de ONGs que estão descontentes com o fim dos recursos fartos que elas recebiam, porque nós estamos fechando a torneira. Elas vão fomentando essa campanha internacional que não é nada boa para o Brasil. A gente sabe disso. Mas nem tudo que sai lá fora tem respaldo na realidade aqui dentro. Há uma grande diferença entre os fatos e as versões.
Não é só o pessoal das ONGs que está criticando o governo. Até a revista The Economist, que é respeitada em todo o mundo, publicou recentemente uma reportagem de capa sobre o desmatamento na Amazônia.
Tem muita gente séria que tem um entendimento incompleto ou enviesado sobre o que a gente está tentando fazer. A fórmula para lidar com isso é informação. Por isso, estou indo no final de setembro com o presidente a Nova York e Washington. Logo em seguida, vou a alguns países da Europa para fazer esse esclarecimento. Vamos mostrar tudo o que o Brasil já faz e tudo que queremos fazer. Aqueles que tiverem disposição para ouvir e debater certamente vão mudar, em alguma medida, de opinião.
O presidente da França, Emmanuel Macron, chamou as queimadas que estão ocorrendo na Amazônia de "crise internacional" e disse que a questão deve ser discutida na reunião do G-7 (grupo que reúne os países ricos), que começa neste sábado, 24. Como o senhor analisa isso?
O presidente Macron está querendo tirar dividendos políticos da situação sobretudo no momento em que suas próprias políticas ambientais não estão sendo bem-sucedidas, em especial no que se refere ao não cumprimento das metas de redução das emissões de carbono previstas no Acordo de Paris.
Parece que há intenção de ambientalistas do Brasil e do exterior e também de governos de transformar a Amazônia em "patrimônio da humanidade", de congelar aquilo como uma espécie de "pulmão planetário". Como o senhor vê essa proposta?
A Amazônia não é pulmão do mundo. Isso já foi dito e reconhecido. A Amazônia tem o seu ciclo fechado. Ela emite o que ela mesma consome. Agora, ela tem um papel importante de regulação hidrológica, das chuvas, a história dos "rios voadores" que irrigam a agricultura no resto do Brasil. Tudo isso é verdade. Então, ela tem uma função importante para a questão climática aqui no Brasil. Ela é um patrimônio brasileiro. Essa história de que pertence à humanidade é uma bobagem. Nós temos soberania sobre a Amazônia. Somos nós que temos de escolher um modelo, que tem de ser viável economicamente, de proteção da nossa floresta. Somos nós que temos de escolher e somos nós que temos de implementar. Todo o cuidado com a Amazônia que inspira atenção do mundo inteiro é bem-vindo, mas a autonomia de fazer isso é da população brasileira.
Um dos fatores que contribuíram para intensificar a percepção negativa em relação ao Brasil foi a demissão do presidente do Inpi, Ricardo Galvão. O governo alegou que os dados de desmatamento divulgados pelo Inpi, que sempre foram uma referência no Brasil e no exterior, não refletiam a realidade e foram usados politicamente. Por que, de repente, os dados do Inpe não servem mais?
Em primeiro lugar, a gente precisa reconhecer que o desmatamento vem aumentando na Amazônia desde 2012 e ganhou maior fôlego desde 2015. Aliás, foi o próprio Ricardo Galvão, agora ex-presidente do Inpi, que disse isso publicamente. Então, o desmatamento não começou nem passou a crescer no governo Bolsonaro, ao contrário do que querem fazer crer alguns canais da imprensa e algumas referências na área ambiental. Em segundo lugar, deve-se considerar que o Inpi trabalha com dois sistemas para mapear o desmatamento. O sistema anual de desmatamento, chamado Prodes, faz um cálculo na virada de julho para agosto a cada ano e compara a situação com o mesmo período do ano anterior. O Prodes deste ano ainda não saiu. O outro sistema do Inpi é o Deter, que faz o chamado alerta de desmatamento. É um aviso de que determinada região está tendo um aumento de desmatamento. Mas o próprio site do Inpi diz com todas as letras que o Deter, cujos dados saem a cada 15 dias, não se presta a mensuração de desmatamento. Se ele não se presta a medir volume de desmatamento, não se presta tampouco a comparar, por exemplo, dados de julho de 2018 com julho de 2019. Quem faz essa comparação temporal é só o Prodes, porque segue critérios e parâmetros que permitem a comparação. O Deter simplesmente diz que uma região está tendo desmatamento. Só isso.
Qual foi o problema com os dados divulgados pelo Inpe?
O que aconteceu foi que um grupo de pessoas de fora do Inpi pegou os dados do Deter e fez uma interpretação que deu um percentual de 88% de aumento no desmatamento em relação ao ano anterior, o que é totalmente incorreto. Aí gerou uma reportagem sensacionalista, como se os 88% fossem um percentual inconteste, mas isso não é verdade. Pode ser que o percentual seja maior ou menor, mas o fato é que, com base no Deter, não dá para cravar um número. Foi essa a nossa crítica. Nós também criticamos outro fato. O Deter existe para municiar o Ibama com informações para fiscalização, mas quem estava recebendo as informações de desmatamento antes do próprio Ibama eram alguns órgãos de imprensa. Como é que um órgão de imprensa pode receber informações antes do próprio órgão federal a que o sistema se destina? Nós não queremos esconder a mensagem. Agora, a postura do presidente do Inpi foi muito inadequada. Ele teria de ser o primeiro a vir a público e dizer que o trabalho deles é de obtenção de dados e que eles não se prestam a determinar o percentual de desmatamento, mas ele não fez isso. Ficou quieto. Ele fomentou, portanto, esse sensacionalismo em cima dos números.
Como está hoje, afinal, o desmatamento da Amazônia?
Na semana passada, o Imazon, que é uma ONG que não tem nada ver com o governo e foi até criticada por mim por uma questão orçamentária, disse que o aumento do desmatamento foi de 15% nos últimos 12 meses e não 88% como se afirmou com base nos dados do Deter, nem 278%, como disseram na semana seguinte. Ninguém está defendendo os 15%. Estou dizendo isso para pararem de inventar fórmulas distintas de cálculo só para gerar sensacionalismo. É irresponsável. Nós mostramos também, usando outro sistema, muito mais moderno que o do Deter, que mais da metade dos alertas de desmatamento imputados a junho de 2019 na verdade vinham desde agosto de 2018. Fizemos isso com o objetivo de negar o desmatamento? Não. Com o objetivo de negar o aumento do desmatamento? Também não. Foi simplesmente para mostrar que esse número peremptório que haviam divulgado não era verdade.
O governo anunciou que pretende mudar o sistema de monitoramento do desmatamento na Amazônia. Os dois sistemas existentes hoje não são suficientes para monitorar a região?
Primeiro, é preciso dizer que ninguém vai mexer no Prodes nem no Deter. Isso é uma coisa que precisa ficar clara, porque tem gente dizendo que nós queremos substituir os dois sistemas. Não queremos substituir nada. Ambos vão continuar, na forma que sempre foram, com a missão que cada um tem, com as características que cada um tem. Agora, existem sistemas muito mais modernos, alimentados por mais de uma centena de satélites internacionais, que vendem serviços de monitoramento. Eles passam pela Amazônia várias vezes ao dia, fazem esse monitoramento a cada 3 ou 4 horas e transmitem imagens atualizadas a cada instante. O Deter passa a cada 15 dias no mesmo lugar. As imagens dessa constelação de satélites têm muito mais resolução e uma precisão de 3 metros. A do Deter é de 56 metros. É outra coisa. Com esse sistema diário, teremos dados mais atualizados, com uma precisão muito maior, para orientar a fiscalização do Ibama no momento em que ela estiver em andamento. O Deter vem como uma fotografia do passado. Esse novo sistema não. Ele oferece uma orientação diária, praticamente em tempo real.
Vocês já estão trabalhando em cima disso?
Nós montamos o processo licitatório, que vai abrir a oportunidade de várias empresas, inclusive esta que foi anunciada como sendo a empresa que tem o melhor sistema (a Planet, dos EUA). Ela tem de entrar na concorrência e ganhar para prestar o serviço. Mas é o modelo que a gente precisa buscar.
Quanto vai custar isso?
O orçamento é de R$ 5 milhões por ano, sem limite de quantidade de imagens, cobrindo o chamado arco do desmatamento, que é aquele um milhão de quilômetros quadrados onde há maior intensidade de desmatamento ilegal.
O ex-presidente do Inpi, Ricardo Galvão, criticou essa decisão e afirmou que o governo deveria apoiar os cientistas nacionais, para estimular o desenvolvimento da ciência no País, em vez de buscar um fornecedor externo. Qual a sua visão sobre isso?
Esse antiamericanismo da ciência brasileira é uma coisa retrógrada e improdutiva, porque em vez de nós termos o que há de melhor, independentemente da nacionalidade, acabamos ficando com um sistema brasileiro que não é o que há de melhor no mundo.
O Brasil não teria condições de oferecer isso?
Nós podemos desenvolver a tecnologia junto, mas não temos tempo para esperar. Se já tem o produto pronto para ser comprado no exterior, qual é o motivo, salvo essa visão antiamericana dele, para não fazer? Não tem sentido esse ufanismo, esse nacionalismo. Isso é uma coisa dos anos 70. Nós temos de buscar o que tem de melhor onde estiver e gastar recursos naquilo que é necessário.
Esse aumento do desmatamento na Amazônia se deve a que? Houve um relaxamento na fiscalização?
Os órgãos de fiscalização ambiental em nível federal - o Ibama e o ICMBio - vêm perdendo orçamento e pessoal ano a ano. Hoje, os dois órgãos têm apenas 50% das vagas preenchidas. Essa é uma situação que nós herdamos. Eles têm uma fragilidade orçamentária e de infraestrutura muito grandes: veículos, computadores, equipamentos. Isso explica muito de por que o desmatamento vem aumento nos últimos anos. Mas a fiscalização é feita também pela Polícia Militar, por órgãos estaduais. Quando os órgãos estaduais deixam de cumprir o seu papel também aumenta a atividade ilegal. Por fim, a gente passou 30 anos ignorando a existência de uma população que vive na Amazônia e que precisa de uma atividade econômica. Não adianta falar do potencial da floresta se as famílias que vivem lá estão na miséria. Essas pessoas vão arranjar um jeito de ganhar dinheiro, ainda que ilegalmente. A Amazônia tem hoje mais ou menos 850 garimpos ilegais que não começaram em janeiro de 2019. Fingir que essas pessoas não precisam ter dinamismo econômico e que basta dizer que é proibido que ninguém vai fazer, é de um irrealismo absoluto. Qual é o certo nesta questão? É regulamentar a atividade, formalizar essas pessoas, colocar regras de atuação, fiscalizar e deixar que trabalhem de maneira adequada. Fingir que elas não estão lá e jogá-las para a ilegalidade é a pior solução.
Como está o resultado da fiscalização desde o início do governo? Vocês já têm um balanço disso?
Em julho, o Ibama fez em julho a maior operação da sua história. Foram 17 equipes simultâneas em diferentes Estados e regiões do País. Houve a maior quantidade de apreensão de madeira, veículos, máquinas e de autos de infração. Isso mostra que não há orientação do governo, nem minha nem de ninguém no ministério do Meio Ambiente, para impedir fiscalizações. O que há é uma indicação nossa de que as elas têm de ser feitas dentro do devido processo legal, com razoabilidade, no sentido de respeitar coisas que têm licença. Muitas vezes, há autuações de casos que estão licenciados. Precisa haver bom senso. Até porque a estatística mostra que historicamente, do total de autuações do Ibama, apenas 1 a 3% chegam ao final. O processo administrativo dura até sete anos, o que significa dizer que esse volume gigante de autuações que existiu no passado não resultou em boa política pública.
Por que tão poucos processos chegavam até o fim?
Porque os autos de infração eram frágeis, lavrados em desacordo com a legislação, de maneira equivocada. A efetividade desse volume gigantesco não é boa. Não é quantidade, é qualidade. Não tem equipe para ver tudo isso. Então, o presidente assinou um decreto instituindo a audiência de conciliação ambiental, que é uma prática que já funciona muito bem no Estado de São Paulo e permitiu uma redução do prazo de duração dos processos administrativos em 60%. Trinta dias depois de receber o auto de infração, o autuado é chamado para uma audiência de conciliação. Ali, ele tem a oportunidade de confessar e já pode parcelar a multa. Já dá para estabelecer quais são as medidas de reparação ambiental que lhe cabem, já é possível verificar eventuais vícios no auto de infração. Não precisa um processo tramitar durante sete anos para verificar que há um vício, seja total ou parcial. As audiências de conciliação dão uma celeridade aos processos muito grande. Essa, sim, é uma boa medida administrativa.
O presidente Bolsonaro tem feito críticas à atuação de governos estrangeiros e de ONGs nacionais e internacionais na Amazônia. Mas cientistas renomados, como o prof. José Goldenberg, dizem que muitas ONGs contribuem tecnicamente para a redução do desmatamento. O que, afinal, incomoda tanto nas ONGs e na ação de governos estrangeiros em relação à preservação da Amazônia?
Como tudo na vida, tem gente boa e tem gente ruim. Tem boas ONGs e más ONGs. Tem bons ambientalistas e maus ambientalistas. Tem gente bem-intencionada e gente de má fé. O nosso papel é separar uma coisa da outra - e é difícil fazer esse trabalho. O professor Goldenberg, por exemplo, é um grande cientista, um grande brasileiro, uma pessoa equilibrada, muito correta e que prestou um grande serviço ao Brasil. Quando ele faz as críticas, nós ouvimos. Não temos nenhum compromisso com o erro, não somos donos da verdade. Se a gente tiver errado, arruma. Agora, há muitos projetos - não só na área ambiental - que foram criados por ONGs e grupos de interesse para tirar dinheiro do governo, sem entregar a política pública que eles dizem que fazem, o serviço que eles dizem que prestam e sem trazer o benefício para a sociedade que eles alardeiam. Está cheio de casos assim, nos ministérios da Saúde, de Direitos Humanos, do Meio Ambiente. O nosso maior desafio é separar o joio do trigo, manter e apoiar para valer as boas iniciativas e não ter medo de cortar o cordão umbilical, fechar a torneira, para aquilo que não presta.
E no caso de governos estrangeiros, o que incomoda tanto?
O raciocínio é o mesmo. Tem iniciativas que vem de apoio internacional que são boas e iniciativas que são um disfarce, uma cortina de fumaça, para ter ingerência sobre determinadas questões, para ter acesso a dados restritos. É algo que acontece muito. Há recursos para apoio a ONGs que, na verdade, servem para amortecer impacto, para segurar a opinião pública em torno de projetos empresariais. Eles compram a opinião pública através de dinheiro de ONG. A gente precisa saber discernir uma coisa da outra.
Poderia dar um exemplo?
Eu não vou dar porque depois gera uma confusão danada. Mas basta fazer um cruzamento geográfico onde tem investimento estrangeiro e onde estão as ONGs, e checar com qual objetivo estão elas recebendo dinheiro justamente no entorno de projetos de companhias internacionais.
O senhor defendeu o uso dos recursos do Fundo da Amazônia, alimentado pela Alemanha e pela Noruega, para regularização fundiária, em vez de usá-los na preservação propriamente dita. Como explica isso?
Não é que nós queremos pagar indenização com dinheiro do Fundo da Amazônia. Jamais se cogitou isso. Só para chegar no momento da indenização, que é a etapa final da indenização fundiária, precisa de uma análise da cadeia possessória, da cadeia documental. Isso gera custos de consultoria. Você precisaria ter um grande departamento jurídico preparando essa regularização fundiária. A gente quer usar os recursos do Fundo da Amazônia para essa etapa preparatória, para deixar o processo pronto. Quem vai regularizar é o governo, mas o processo tem de chegar pronto. Se não, ele nunca vai poder fazer a regularização. Não adianta dizer que a AGU (Advocacia-Geral da União) está aí para fazer isso. A AGU tem outras atribuições, está envolvida em muito mais coisas, é um órgão sobrecarregado de trabalho. Se a gente puder estruturar essa regularização fundiária, para que o governo possa pagar com tranquilidade lá na frente, vai acelerar muito o processo. Essa estruturação da questão fundiária na Amazônia é fundamental.
Que mudanças, efetivamente, o governo pretende adotar na aplicação do Fundo da Amazônia?
O Fundo da Amazônia precisa estar alinhado com a política do governo, até porque a gente quer colocar recursos públicos junto. Então, não pode ser uma iniciativa só com recursos do Fundo da Amazônia. Além de estruturar a questão fundiária, queremos adotar outras medidas estruturantes, para a Amazônia finalmente poder se desenvolver, como o zoneamento ecológico e econômico, que é uma espécie de Plano Diretor das áreas da Amazônia, as (ZEEs). É algo importantíssimo para entender as vocações econômicas, o que pode ser feito com equilíbrio ambiental, mas com desenvolvimento econômico.
Onde mais o governo pretende aplicar os recursos do Fundo da Amazônia?
Queremos também ter bons sistemas de plano de manejo florestal, que é o uso de maneira responsável e planejada do recurso madeireiro. Isso é algo em que o Fundo da Amazônia também pode ajudar. Fazer toda a parte de estruturação de cadeias econômicas do agro-extrativismo e trazer o setor privado para participar, dar dinamismo econômico a essas atividades. O Fundo da Amazônia deve entrar como copatrocinador, mas com a obrigação de trazer um ente privado junto. Projeto que não desperta interesse do setor privado não se sustenta no longo prazo. Não adianta ficar subsidiando com dinheiro público o Fundo da Amazônia. Na hora em que você tirar o subsídio, o projeto vai morrer. Aí, ele não vai servir para nada. Então, precisa ter setor privado desde o começo e no Fundo da Amazônia não tem nenhum projeto com o setor privado. É um erro.
Para onde estão indo os recursos do Fundo da Amazônia hoje?
Mais ou menos a metade dos recursos vai para governos estaduais e alguns projetos do governo federal, como pagar viaturas do Ibama. Também ajudam fazer o cadastro ambiental rural, mas de forma extremamente ineficiente. Nós precisamos ter eficiência no gasto e mensuração de resultado. A execução tem de ser acompanhada, como qualquer projeto privado. Você não coloca dinheiro em alguma coisa sem saber se está dando resultado ou não. Isso não existe.
Como os países que financiam o Fundo da Amazônia reagiram a essas ideias?
O Fundo da Amazônia, teoricamente, é uma doação ao governo brasileiro. Essa doação é depositada no BNDES, para ser gerida pelo governo. Na medida em que o beneficiário dessa doação é o País, que o gestor desse dinheiro é o BNDES, que é um banco público, e que quem está no governo administra isso tudo, não tem sentido o governo ter pouca voz sobre nesse processo. O governo precisa ter maior participação no processo de escolha de projetos, de acompanhamento dos projetos e de mensuração de resultados. Quando nós mostramos que, para isso, precisava mudar a governança do Fundo da Amazônia, tanto a Alemanha como a Noruega disseram que não queriam mudanças para dar maior papel ao governo. O Fundo da Amazônia tem três votos apenas. São três grupos. Um, que é a totalidade do governo federal, tem um voto. Todos os órgãos do governo federal juntos só têm um voto. Todos os governos estaduais da Amazônia têm outro voto. Entidades do terceiro setor, ONGs, associações, têm mais um voto. Ou seja, estas entidades têm o mesmo peso que o governo inteiro. Isso é inaceitável, porque quem cuida de recursos doados ao Brasil é o governo brasileiro. Não pode ter um governo inteiro com o mesmo peso de entidades do terceiro setor. Até para poder ter a tranquilidade de alinhar recursos públicos ao Fundo da Amazônia, o governo deve ter um peso maior.
Qual foi, concretamente, a proposta feita pelo governo?
O que nós propusemos foi manter o Cofa, que é o comitê orientador do fundo, com 24 membros, divididos nestes 3 grupos - governo federal, governos estaduais e terceiro setor. Só que, em vez de o Cofa, que hoje se reúne só duas vezes ao ano, fazer a gestão direta dos funcionários que cuidam do dia a dia do fundo no BNDES, sugerimos criar um grupo executivo de sete pessoas. A ideia é que elas se reunam mensalmente e esse grupo menor faria o acompanhamento junto ao BNDES dos projetos que estão sendo aprovados, do que está sendo executado, do que foi encerrado e, portanto, da mensuração de resultados. Foi essa a nossa sugestão. Quais seriam os sete integrantes do grupo executivo? Quatro cadeiras seriam do governo federal, uma do BNDES, que é o executor, uma dos Estados da Amazônia, que já estão representados no Cofa, uma das entidades do terceiro setor, que também já estão no Cofa, e uma dos doadores, para que eles também possam participar. Não tem nada demais. Nós não entendemos a razão dessa resistência em mudar para isso. Não estamos nos apropriando dos recursos para ser 100% do governo. Não estamos fechando a participação dos demais. Nada disso. Agora, nós somos o governo do Brasil, donos do BNDES, o governo brasileiro, o povo brasileiro. Ou temos algum grau de ingerência sobre as coisas ou não tem cabimento manter o Fundo da Amazônia. Se eles quiserem dar dinheiro para as ONGs diretamente, fiquem à vontade. Mas, se quiserem passar o dinheiro para o governo brasileiro, o governo quer ter gestão sobre o dinheiro. Por que eles não doam para as ONGs diretamente? Talvez porque não queiram prestar contas para os seus contribuintes de como as ONGs gerem o dinheiro.
A que o senhor atribui essa confusão toda em torno das mudanças propostas pelo governo para o Fundo da Amazônia?
Há uma relação umbilical dos ministérios de meio ambiente tanto na Alemanha quanto na Noruega com as ONGs que trabalham no Brasil. Não são os governos como um todo da Alemanha e da Noruega. São os ministros de Meio Ambiente dos dois países que têm ligação umbilical com as ONGs, que são beneficiárias de quase 50% dos quase R$ 1,8 bilhão que já se gastou. Essas ONGs ganharam cerca de R$ 800 milhões nesses quase oito anos de existência do fundo. Então, quando a gente diz que quer olhar essa questão com mais cuidado, é isso. O que as ONGs fizeram? Lobby com os ministros da Alemanha e da Noruega para dizer "não deixem". Aí ficou um impasse.
A Alemanha e a Noruega acabaram suspendendo a doação dos recursos. Não haveria uma forma de evitar o confronto?
Nós estamos no meio da negociação com a Alemanha e a Noruega. O fato é que você não pode negociar as coisas partindo do pressuposto de que ou você faz o que eles querem ou eles tiram o dinheiro daqui. A negociação não precisa ser tudo que eles querem nem tudo o que a gente quer. Nós temos uma posição que é bastante razoável, institucional, objetiva, técnica, e a nossa sugestão foi oferecida aos dois países. Já houve três, quatro reuniões para negociar isso, os embaixadores dos dois países e eu, que fiquei encarregado de cuidar desse assunto no governo. Só que é uma negociação difícil, porque envolve os ministérios do Meio Ambiente dos três países, a opinião pública dos três países. Se nos for imposta a condição de não mudar nada, a nossa posição é pela extinção do fundo. Mas, se eles tiverem um pouco de jogo de cintura e bom senso, nós vamos chegar a bom termo.
Ao comentar o corte de recursos no Fundo da Amazônia, o senhor disse que a Noruega não tinha autoridade para criticar a política ambiental brasileira, porque promovia a caça de baleias e a extração de petróleo no Ártico. A melhor defesa é o ataque?
Eu não disse que eles não tinham legitimidade para falar. Disse que problemas ambientais, questões controvertidas, existem no mundo inteiro, inclusive na Noruega. Vou dar um exemplo para explicar por que falei sobre essas questões do petróleo e da baleia. O Greenpeace critica o Brasil em tudo o que pode na parte ambiental e fecha os olhos para a caça de baleia na Noruega. É uma posição incoerente. Isso não quer dizer que não queiramos os recursos. Falei só para colocar as coisas no devido lugar. Em relação à questão do petróleo da Noruega no Ártico, várias empresas estão com projeto de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, no Brasil. Os movimentos ambientalistas não querem nem ouvir falar desses projetos, em que pese do outro lado da foz, na Guiana, já ter exploração de petróleo nas mesmas condições em que se pretende fazer no Brasil. Por outro lado, a Noruega explora petróleo no meio do Ártico, lá em cima. Como é que pode nós sermos criticados se o próprio autor da crítica faz exatamente a mesma coisa, explorando petróleo em áreas sensíveis. Então, parece muito mais uma estratégia comercial de impedir um concorrente de produzir petróleo naquela região do que uma preocupação com a preservação ambiental.
O presidente Bolsonaro tem defendido a liberação da mineração na Amazônia, inclusive em terras indígenas. O que o senhor pensa da exploração de minério na Amazônia e em terras indígenas?
Como já comentei, existem 850 garimpos na Amazônia, a maioria em terras indígenas. Já existem. Não é o Bolsonaro que vai liberar. Aliás, os indígenas não são cooptados pelo homem branco. São eles que praticam a mineração, que ajudam muitas vezes a retirada ilegal da madeira de suas próprias terras e recebem recursos para isso. Portanto, fingir que essa realidade não existe é a pior política pública que pode haver. Se nós pudermos ter uma discussão madura, sensata, aberta sobre o tema e com isso fazer a regulamentação, a formalização dessas atividades, colocar regras, poder fiscalizar de maneira efetiva, certamente será muito melhor para a economia do País, para a geração de emprego e principalmente para a preservação do meio ambiente.
Isso não pode representar uma ameaça à conservação do meio ambiente?
O maior incentivo que pode haver à falta de cuidado ambiental é a pobreza. Joga as pessoas para o desrespeito total ao meio ambiente. Basta visitar as áreas de mananciais em torno das represas Billings e Guarapiranga em São Paulo, para você ver os danos que uma legislação restritiva, irrealista, pode provocar. A mesma coisa com a Amazônia. Em São Paulo, a lei é tão restritiva que os proprietários abandonam as suas áreas. Aí os movimentos de moradia invadem, destroem a vegetação, fazem o aterramento dos terrenos, constroem moradias irregulares, jogam esgoto in natura no manancial. Para que serviu asfixiar o proprietário da área? Teria sido melhor se ele tivesse desenvolvido um projeto imobiliário razoavelmente equilibrado com coleta de esgoto, manutenção de parte da vegetação nativa. Ao transformar aquilo numa área inviável do ponto de vista econômico, o que acontece? Ela fica abandonada, graça a ilegalidade, a informalidade, o desrespeito -- e é isso que acontece na Amazônia.