O governo Bolsonaro estreia nesta segunda-feira, 2, em uma Conferência do Clima da ONU (COP), com o desafio de convencer os demais países de que continua a bordo dos esforços mundiais para conter as mudanças climáticas. Vai precisar fazer isso para contornar dados difíceis na bagagem - como a taxa recorde de desmate da Amazônia na década -, e superar as críticas internacionais que recebeu ao longo do ano.
Em um comportamento pouco usual nesse tipo de negociação, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que chefia a delegação brasileira, estará em Madri, onde será realizada a COP-25, durante os 14 dias da reunião. Em geral, ministros só chegam para a segunda semana do evento, deixando a primeira parte das negociações para os diplomatas.
Salles, que tem dito que vai cobrar contrapartida financeira de países ricos por - conforme seu entendimento -, estar fazendo sua parte, já estará lá desde essa segunda. O ministério, porém, não divulgou sua agenda e não dá para saber com quem ele vai se reunir já que nenhum outro ministro estará lá ainda, exceto os da Espanha e do Chile envolvidos na organização da conferência.
A nova rodada de negociações climáticas ocorre em Madri após uma série de reveses. Era para ter sido realizada no Brasil, que ofereceu sua candidatura ainda em 2017, no governo Michel Temer, quando o ministro do Meio Ambiente era Sarney Filho. O País foi aceito em 2018, mas tão logo foi eleito, Bolsonaro pediu a Temer que retirasse a oferta.
O presidente também chegou a ameaçar sair do Acordo de Paris - assim como seu colega Donald Trump, que este ano formalizou a retirada dos Estados Unidos do regime - sob argumento de que ameaçava a soberania do Brasil. O pacto climático foi assinado por 195 países, em 2015. Mais tarde, ele recuou da ideia.
Ao mesmo tempo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, questionou diversas vezes até mesmo a existência do aquecimento global e a responsabilidade humana sobre ele - o que é considerado inequívoco por quase a totalidade dos cientistas de clima.
A conferência foi transferida pelo Chile, que organizou o evento ao longo do ano, mas com intensos protestos dos últimos meses, também teve de ser cancelada na última hora e foi abraçada por Madri. O evento é o último antes da entrada em vigor do pacto climático e tem como objetivo ajustar os ponteiros para que os países tenham todos os instrumentos para colocá-lo em prática.
Ao fechar o acordo em 2015, os países se comprometeram a reduzir emissões de gases de efeito estufa no mundo de modo a conter o aquecimento do planeta a menos de 2ºC até o fim do século. Por pressão dos países-ilha, os que mais devem ser afetados pelas mudanças climáticas, as nações concordaram em fazer esforços para ficar em 1,5ºC.
Aquecimento global virou alvo de pressão nas ruas
As emissões, porém, continuam subindo e, no ritmo atual, devem fazer com que a temperatura atinja esse valor já por volta de 2030. Para atingir a meta, conforme o último Relatório sobre a Lacuna de Emissões da ONU, os países têm de, conjuntamente, promover redução das emissões de gases, em média, de 7,6% por ano até lá - o que parece cada vez mais difícil.
A pressão da ciência se junta à das ruas. Este foi o ano foi marcado por protestos de jovens todas as sextas-feiras em todos os cantos do mundo. Eles seguiram o chamado da adolescente sueca Greta Thunberg, que, em discurso emotivo na ONU em setembro, acusou os países de terem roubado seus sonhos e sua infância. "Se vocês escolherem falhar, nunca perdoaremos vocês." Nesta sexta-feira, 29, às vésperas do início da COP, milhares de estudantes fizeram manifestações.
No Acordo de Paris, os países disseram com quanto eles podem contribuir em termos de reduções de emissões e sempre se soube que eram medidas insuficientes para conter o aquecimento em níveis menos desastrosos. Por isso, eles concordaram em apresentar em 2020, novas metas. Mas a pressão é para que compromissos mais ambiciosos já comecem a ser apresentados agora.
Há uma expectativa de que a União Europeia anuncie na COP em Madri um plano de zerar as emissões líquidas de carbono para 2050. E de que cerca de cem países poderão se comprometer com a neutralidade do carbono em meados do século.
"Em Nova York, 66 países colocaram ambições maiores na mesa, mas eles só representam 8% das emissões globais", diz a pesquisadora Thelma Krug, aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e que por anos participou como negociadora brasileira.
Brasil não sinaliza que vai assumir novas metas
O Brasil não fez indicativo de que deve se comprometer com nada novo além da meta de reduzir emissões em 37% até 2025, na comparação com 2005, objetivo apresentado junto ao Acordo de Paris. Pelo contrário: insiste que a meta é ambiciosa e num discurso que já vinha das gestões anteriores de que é a nação que mais reduziu suas emissões e que, portanto, merece ser paga por isso.
De fato, o País conseguiu reduzir suas emissões, mas os ganhos do passado vem se diluindo com a retomada do aumento do desmate da Amazônia - historicamente a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa do Brasil.
Mesmo com a queda de emissões no setor de energia, por causa do aumento da fatia de fontes alternativas e do uso de biocombustíveis, a alta do desmate em 2018 fez as emissões totais do País pararem de cair, segundo o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), monitoramento independente feito por institutos ligados ao Observatório do Clima. E este ano devem disparar em razão da alta de 29,5% no desmatamento da Amazônia.
"O Brasil tem muita coisa feita e levará para a COP todo acervo de temas ambientais. Por outro lado, também quer receber a sinalização, finalmente, de que a promessa de recursos vultosos de países ricos para os países em desenvolvimento, já a partir do ano que vem, se concretize", disse Salles na semana passada ao Estado.
Paulo Braga, do Itamaraty, que vai chefiar os negociadores, confirmou essa posição. "O Brasil segue da trajetória de cumprir suas metas. Queremos ambição para meios de implementação e transferência de tecnologia." Traduzindo do diplomatiquês, o País deve mais cobrar do que dar.
"Tratar de florestas é importante, mas não vamos mudar o que está acontecendo se não falar de transição energética, daqueles setores que são os maiores emissores, que têm a maior contribuição para a mudança do clima. Todo mundo tem de fazer sua parte, mas somos bem defensores de que sem contar emissões de energia, talvez o resto será um esforço em vão", disse, sinalizando como deve ser a posição do País na COP.
Salles tem citado como bom exemplo o fato de que outubro teve o menor número de queimadas na Amazônia para o mês na série histórica, mas não menciona que isso ocorreu depois de agosto ter visto as maiores queimadas desde 2010 - e que o desmatamento continuou subindo no período.
Ele também tem justificado que o desmate está em alta desde 2012, mas não menciona que a taxa de crescimento deste ano em relação ao anterior, de 29,5%, foi mais que o dobro da média observada nesses sete anos, de 11,5%. E que o Brasil tem uma meta interna de chegar a 2020 com o desmatamento da Amazônia em 3.925 km2. Entre agosto do ano passado e julho deste ano, a taxa oficial foi de quase 10 mil km2. E dados preliminares indicam para mais de 4 mil km2 desde agosto.
Desmonte do Fundo Amazônia pesa contra governo brasileiro
Também pesa contra os apelos do Brasil por mais recursos o fato de que o País desmantelou este ano o Fundo Amazônia - doação de R$ 3,4 bilhões da Noruega e da Alemanha como pagamento por resultados pelas reduções no desmatamento. O plano de Salles é tentar apresentar na COP um novo fundo, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Neste ano, porém, mesmo se o Fundo Amazônia continuasse operante, o Brasil não teria direito a nenhum novo repasse, uma vez que taxa de desmate ficou mais alta do que a linha de base do fundo, que é de 8.100 km2. "O Brasil não teria recurso a receber neste ano e mesmo no ano que vem teria de ter um desmatamento de cerca de 6.500 km2 para compensar o quanto ficou acima da taxa neste ano", comenta Tasso Azevedo, do Observatório do Clima.
O País também já tinha recebido US$ 96 milhões (cerca de R$ 407 milhões) do Fundo Verde do Clima (GCF), o que ficou travado quando não foi nomeada este ano uma comissão para gerenciar essa verba.
"Se chegar na COP pedindo dinheiro, o Brasil vai bater na porta errada. Além do aumento do desmatamento, vai ter de explicar a revogação do zoneamento da cana e o plano de acabar com a moratória da soja. Além disso, nem se pede dinheiro assim na COP", comenta Thelma Krug.
Salles tem citado o compromisso assumido pelos países ricos de levantarem US$ 100 bilhões ao ano, a partir de 2020, para ajudar os países mais pobres a "descarbonizar" suas economias. Esse valor ainda não foi alcançado e o ministro quer a parte do Brasil.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro chegou a sugerir que uns US$ 10 bilhões (cerca de R$ 47 bilhões) caberiam ao Brasil. A proposta, porém, é que esse recurso tenha diversas origens: público, privado, de doações, empréstimos, e terá como foco principal os mais pobres, não os emergentes.
A meta assumida pelo Brasil no Acordo de País, no entanto, não é condicional. Ou seja: o País disse que tinha como cumprir seus compromissos por conta própria. Não condicionou o cumprimento das metas ao recebimento de dinheiro de outros países, diferentemente do que fizeram algumas outras nações.