"O dia que eu não comia era quando eu conseguia ser bonita, mas o dia que eu me alimentava como uma pessoa normal, sentia como se tivesse fracassado". Esse é um relato da influenciadora Dora Figueiredo que, aos catorze anos, passou por anorexia, bulimia e compulsão alimentar, assim como muitos jovens.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros sofre de distúrbios alimentares, porém, na adolescência, esse índice chega até a 10%. "Na verdade, isso pode começar com oito anos de idade, ou menos, e entre as meninas o risco é três vezes maior", afirma Luiz Scocca, psiquiatra da Associação Americana de Psiquiatria (APA).
Para entender o fenômeno, a psicóloga especialista em adolescentes e coordenadora da Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia (Ceppan), Patricia Gipsztejn, explica que essa fase de transformações é mais propícia a condutas impulsivas.
"Cabe ao adolescente reelaborar vivências infantis, além dos lutos próprios da adolescência. Perde-se o papel desempenhado na infância. Há ainda o aspecto do corpo em transformação, que é usado como forma de diferenciar-se como sujeito, na busca por uma identidade".
O que é anorexia e bulimia?
Segundo Patrícia, a anorexia nervosa é uma doença mental caracterizada pela redução inadequada da alimentação, medo intenso de engordar, acompanhado de uma distorção da imagem corporal. Essa distorção nega a percepção de sensações corporais como a fome. Os pacientes vão cortando de sua dieta grandes grupos alimentares, como açúcar, carboidrato, glúten e lactose.
Já a bulimia nervosa é uma patologia mental caracterizada por episódios de compulsão alimentar, ou seja, uma grande quantidade de alimento é ingerida sem controle em um curto período de tempo. Devido a sensações de culpa e vergonha, esses ímpetos são seguidos de comportamentos compensatórios para perder peso, como a prática excessiva de exercícios físicos, uso de laxantes, indução de vômitos ou jejuns.
Compulsão alimentar
A nutricionista do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas de São Paulo (AMBULIM), Ana Carolina Pereira Costa, explica que a restrição alimentar contribui para a compulsão, pois irão surgir pensamentos obsessivos por comidas consideradas "proibidas".
Foi o que aconteceu na adolescência da youtuber Dora Figueiredo, que produz conteúdo sobre saúde mental e amor próprio baseados nos distúrbios alimentares que passou. "Eu não conseguia parar, comia pra preencher alguma coisa que eu nunca ia ter. Aí, eu me arrependia e ficava dias sem comer ou horas na academia até me sentir fraca".
Ela contou que tem quase 1,70 m de altura e chegou a pesar 47 kg devido às dietas restritivas. "Quando eu estava mais ansiosa, comia muito. Quando estava mais tranquilizada, focava em não comer. Todas as dietas restritivas que eu encontrava na internet me levavam a uma compulsão, que levava a outra dieta, que levava a outra compulsão e assim por diante".
Ana Carolina afirma que esse ciclo de repetições é uma forma que o adolescente encontra para administrar emoções que não está disposto a lidar. "Para não entrar em contato com isso, é usado um comportamento de esquiva. A pessoa repete esse ciclo tantas vezes que, mediante a qualquer desconforto, ela se vê recorrendo a compulsão e purgação".
Causas
Não há uma única causa para a anorexia e bulimia, os fatores precipitantes podem ser psicológicos, familiares ou até socioculturais, motivados pelo padrão estético de beleza propagados pela mídia e, principalmente, redes sociais.
A psicóloga Patrícia diz que não se trata de demonizar a internet, porém, em redes sociais como o Instagram, nunca se ofereceu tanta variedade de fotos de comida e se solicitou corpos tão magros.
No entanto, o que é mais preocupante são páginas nas quais os transtornos são incentivados e apresentados como estilo de vida, desconsiderando o aspecto patológico.
"O que algumas meninas relatam é a sensação de pertencimento ao acessarem estes conteúdos. Quase que um espelhamento identitário, tão importante para elas, que, na maioria das vezes, apresentam um comportamento mimético, imitativo", alerta.
Como identificar os sinais da Anorexia e Bulimia?
Alguns dos indícios são:
- Imagem corporal distorcida
- Interrupção da menstruação nas meninas, no caso da anorexia nervosa
- Comparação frequente com corpos de outras pessoas
- Perda gradual dos interesses, focando só no seu peso
- Evita fazer refeições com a família ou em grupo
- Consumo alimentar escondido
- Flutuação brusca de peso
- Uso de medicamentos para perda peso
- Prática excessiva de atividades físicas
- Ir ao banheiro após as refeições e por lá permanecer longos períodos
Quais são os sintomas da Anorexia e da Bulimia?
- Refluxo ácido pela indução de vômito
- Constipação
- Tonturas e desmaios
- Arritmias cardíacas
- Fraqueza muscular
- Problemas dentários e gengivites
- Problemas capilares: cabelo fino, crescimento anormal de pelos no corpo devido a má nutrição
No ponto de vista da saúde mental, os sintomas podem ser crises de ansiedade, depressão, ataques de pânico e até auto flagelo. Nesse aspecto, Luiz chama atenção para sérios riscos.
"De 5 a 15% dos portadores de anorexia, particularmente, podem acabar morrendo, devido às carências vitamínicas e proteicas. Esta última é tão grave que pode acarretar perfurações espontâneas do aparelho digestivo, causando grande perda sanguínea. Fora o próprio suicídio,motivado pelo desespero de conseguir o peso ideal, pois muitas vezes essas doenças ocorrem em comorbidades a depressões graves", afirma o psiquiatra.
Tratamento
Existe cura para a anorexia e bulimia, através do acompanhamento de profissionais da saúde como psicólogos, psiquiatras, nutricionistas e até endocrinologistas e cardiologistas, conforme haja respectivas complicações. Métodos de relaxamento e controle mental como yoga, mindfullness e psicoterapias analíticas são procedimentos que também visam tratar os transtornos alimentares.
Dora contou que começou a se curar quando terminou um relacionamento abusivo, em 2019, e passou a seguir um tratamento médico.
"O processo foi seguir pessoas com corpos parecidos e maiores que o meu na internet e mudar minha relação com a comida. Hoje, me sinto cada vez mais distante daquela adolescente, que só achava que seria feliz se fosse magra".
*Estagiária sob supervião de Charlise Morais