Traços simétricos e espirais com linhas pretas bem marcadas lado a lado ganharam as pastas de tatuadores já há algum tempo, e o “estilo maori” de tatuagem foi difundido não só no Brasil como ao redor do mundo nas últimas décadas. Apesar da inspiração na arte tribal trazida por grupos da Polinésia à Nova Zelândia no século 18, a verdadeira tatuagem maori, intitulada Ta Moko, envolve mais do que arte, mas tradições geracionais, ancestralidade e hierarquias. Segundo a descendente da tribo Ngati Kuri Nattie Norman, 23 anos, o rosto e a cabeça são os locais sagrados para fazer a Ta Moko, pois abrigam o conhecimento. Para os homens, existe ainda a Puhoro que se estende a pernas e nádegas, explicou ela.
“No passado, era como se fosse a identidade de cada membro, a Ta Moko especificava a filiação, habilidades, função no grupo e conquistas na vida de cada maori”, contou Nattie. Apesar de não existir mais um maori “puro sangue”, como ela diz, por conta da colonização inglesa, a tradição se mantém entre os descendentes e eles levam a arte a sério, não apenas como adorno. A Ta Moko precisa ser conquistado e o membro da tribo que a executa deve ter pleno conhecimento sobre a vida de quem está recebendo a arte para que a história seja “traduzida” em linhas na pele. “A tatuagem diz mais do que as palavras”, acrescentou.
Raimona Peni, 36 anos, é parte da tribo Ngati Tarawhai e está se preparando para receber a Puhoro em suas pernas e nádegas. “É a tatuagem para os guerreiros”, contou. De acordo com o pesquisador sobre a cultura maori David Simmons, a Puhoro mostra a linhagem do indivíduo nos espirais e a tribo de origem no número de linhas.
Enquanto para os homens o rosto e as nádegas são os primeiros lugares a serem tatuados, para as mulheres são os lábios e queixo, contou Raimona. A arte pode ser feita de duas formas diferentes, uma baseada na pigmentação da linha e outra com o escurecimento do fundo, deixando traços despigmentados.
Ta Moko: o significado
Apesar de cada Ta Moko ou Puhoro ser pessoal e único, a tatuagem maori segue simetria e algumas regras. De acordo com o pesquisador sobre a cultura maori David Simmons, as linhas na testa, por exemplo, geralmente começam entre os olhos, seguem a sobrancelha e acompanham o formato dos ossos da bochecha. Na parte inferior do rosto, as linhas acompanham formato do nariz e boca até o queixo. Espirais são feitos nas bochechas, laterais do nariz e orelhas, cada um tem um formato diferente e pode representar nascimento de uma vida, força, prosperidade, ligação com a natureza e determinação; todos marcam um acontecimento importante na vida do maori. Além disso, os lábios são usualmente pintados com linhas horizontais. Nas mulheres, a Ta Moko também representa a passagem para a vida adulta.
O rosto é dividido em oito partes para a execução da Ta Moko. O lado direito, segundo David Simmons traz informações sobre a classificação do pai, afiliações na tribo, hereditariedade e conquistas na vida. O lado esquerdo contém as mesmas informações relacionadas à mãe da pessoa. Entre os maoris existem oito classificações que determinam os líderes de cada tribo. A mais valiosa é a taiopuru para os homens, e tapairu para as mulheres. Os descendentes masculinos tinham privilégio no posto de liderança, mas uma vez que não houvesse um taiopuru, a mulher mais velha do grupo tomava o poder.
Tatuagem maori no presente
Enquanto a arte maori se popularizou ao redor do planeta, perdeu força entre os descendentes tribais na Nova Zelândia. A tatuagem no rosto não é mais tão comum e muitos optam por não fazer, ou escolhem outras áreas do corpo para ter a história escrita. “Muito da forma de aplicação mudou, mas a proposta e o simbolismo continua o mesmo”, disse Raimona. Atualmente, artistas trocaram o martelo e o cinzel pelas máquinas de tatuar, exemplificou. “A Ta Moko é parte da cultura maori, assim como o talhar em madeira e os cantos”, acrescentou Raimona.
A tecnologia tornou a arte maori mais acessível para artistas nacionais e internacionais e, na opinião de Raimona, o fato de as pessoas no Brasil, por exemplo, conhecerem um pouco de seu povo “é maravilhoso”. Mas ao mesmo tempo existe a preocupação de como ela é aplicada e em qual contexto é desenvolvida. A tradicional tatuagem maori não é um adorno, disse Raimona, mas tem “essência, integridade e merece respeito”. “Além disso, é feita apenas por mestres”, explicou. “Mais do que o material usado na aplicação, a tradição envolve todo o processo de consulta à família sobre o que pode e deve ser aplicado”, disse.
Alguns tatuadores maoris, como é o caso de Gordon Toi Hatfield, não realizam o procedimento tradicional com martelo e cinzel, tampouco fazem a Ta Moko ou Puhoro em pessoas não descendentes de maoris. Mas a lista não é composta pela maioria. “Já vi muitas pessoas de outros países que viajam para a Nova Zelândia para passar as férias e tatuam algo que chamam de Ta Moko, quando na verdade é apenas uma tatuagem. Acho que se tem um significado para a pessoa, legal, mas é muito diferente da arte maori tradicional”, afirmou Nattie. Segundo Raimona, o nome adequado em maori para esse tipo de tatuagem seria “Kiri Turi”, que significa arte estética na pele.