Trânsito engarrafado, um monte de contas para pagar, prazos cada vez mais curtos no trabalho – quem é que consegue não ficar tenso diante de todas essas adversidades? E o corpo, como não poderia deixar de ser, sente o baque. O coração bate acelerado, a respiração fica mais curta, os músculos se enrijecem. Nessas horas, muita gente corre para as academias e para os parques para aliviar a irritação. E, de fato, colocar o corpo para se mexer é uma ótima opção para relaxar e ajudar a lidar de uma maneira mais leve com os problemas do cotidiano. Isso porque os exercícios ajudam o organismo a combater a adrenalina e o cortisol, os hormônios do estresse, e liberam endorfina, uma substância que proporciona bem-estar.
No entanto, malhar com a cabeça muito quente pode fazer com que o tiro saia pela culatra, pois há grandes chances da pessoa descontar no esporte toda a sua contrariedade. “Quando a adrenalina está em alta na circulação, a capacidade muscular aumenta e ficamos mais dispostos”, conta Samir Salim Daher, traumatologista e médico do esporte, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
Por isso, o praticante pode acabar aumentando demais a velocidade ou a distância em uma corrida ou pegar mais pesado do que deveria na musculação. “Se isso faz a pessoa ir muito além do que está habituada, ela corre o risco de sofrer uma lesão que, muitas vezes, só é sentida depois que o corpo esfria”, diz Moisés Cohen, chefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte, em São Paulo. “Além disso, o estresse deixa os músculos mais rígidos, o que aumenta ainda mais as chances do indivíduo se machucar.”
Atenção comprometida
A visão periférica também fica prejudicada quando fazemos alguma atividade física nessa situação, o que significa que ficamos com dificuldades de enxergar o que está acontecendo à nossa volta. Em uma partida de futebol, por exemplo, o risco de sofrer um choque corporal com outro jogador é grande. “Isso sem falar nas chances de uma mínima desavença se transformar em uma grande briga”, diz a psicóloga Patrícia de Vasconcelos Vaquero dos Santos, de São Paulo.
“É nítido que os jogos que acontecem em um dia da semana depois do expediente têm muito mais discussões do que aqueles que ocorrem no final de semana, quando está todo mundo mais relaxado e descansado”, afirma Samir Salim Daher.
Correr na esteira pensando nos problemas que aconteceram mais cedo em casa ou no escritório não é menos perigoso, pois o indivíduo fica com dificuldade de se concentrar nas passadas e, assim, a chance de pisar de maneira errada ou na lateral do aparelho, provocando um machucado ou uma queda, é grande.
“O ideal é que a pessoa tente esquecer os problemas e se concentrar na atividade física, o que nem sempre é possível diante de uma questão muito séria”, diz Patrícia. “É por essa razão que os jogadores de futebol ficam concentrados antes de um jogo ou campeonato importante.”
Mas o risco mais sério de quem pratica atividades físicas com a cabeça muito quente é sofrer uma parada cardíaca. “Como o coração já está muito estimulado por causa da grande quantidade de adrenalina, fazer exercícios nessas condições pode sobrecarregá-lo e o infarto pode acontecer durante a prática da atividade física”, afirma Daher.
Fique frio antes de malhar
Já que o estresse e os exercícios não combinam, fazer alguma atividade que diminua o nervosismo antes de partir para o treino é uma boa opção. Quinze minutos de relaxamento ou alongamento já são o suficiente. “Os dias em que você está muito nervoso não são os mais indicados para aumentar a intensidade da malhação”, diz Moisés Cohen.
“Se o esporte for coletivo, tenha consciência de que está com os nervos à flor da pele e, se sentir que está prestes a entrar em uma discussão, vá para o banco ou para casa”, acrescenta Daher. Mas se perceber que está nervoso ou cansado ao extremo, o melhor mesmo é deixar a academia ou o jogo para outro dia.
“É muito importante que a pessoa se conheça a ponto de avaliar se deve ou não suar a camisa naquele dia ou se isso pode trazer mais prejuízos do que ganhos”, afirma Patrícia. “Se ela insiste em treinar com a cabeça quente por causa dos problemas, pode acabar ganhando mais um.”