Em um país onde a moda é voltada para as mulheres, Mario Queiroz sempre tentou atingir a minoria: homens que gostam de se vestir bem, como ele mesmo define. Comemorando 18 anos da sua marca homônima, o estilista, que em 2005 já se apresentou em Paris, a mais importante semana de moda do mundo, abre o primeiro dia de desfiles na Sala Negra, que apresenta coleções de marcas consagradas no Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza (CE).
Para comemorar a data, ele traz à passarela um time de modelos exclusivamente masculino que apresenta 27 looks de acervo, que marcaram sua trajetória fashion. “Nesses 18 anos o foco sempre foi homem, não o sexo masculino, mas o guarda-roupa do homem. Mesmo quando eu comecei a fazer feminino, fiz porque as meninas compravam as calças dos homens. Quando ninguém falava de boyfriend, as garotas já pegavam minhas calças e jaquetas e usavam. Eu nunca fiz vestidão, nunca caí na tentação de fazer noiva”, disse ele ao Terra.
Depois de passar pelo São Paulo Fashion Week e viver o grande “boom da moda no Brasil”, o estilista lamenta a falta de patrocínio na área têxtil em um ano em que o País sedia a Copa do Mundo. “Imagine eu pedindo patrocínio num ano de Copa? Qualquer empresa vai falar “procura a gente ano que vem?”, contou.
Mario Queiroz também avalia as mudanças no mundo fashion desde o nascimento da sua marca. “Teve um encaretamento da moda masculina. Houve fenômenos em que as pessoas diziam ‘ah, quem usa essa roupa é gay’. Nós vimos o encaretamento dos gays também. Tanta coisa aconteceu na cultura da sociedade que é importante pensar que papel nós tivemos até agora.” Confira a entrevista a seguir.
Terra: Como você avalia os 18 anos da marca Mario Queiroz?
Mario Queiroz: Eu achei importante passar 18 anos e parar pra pensar no que a gente fez, porque quando começamos a moda masculina, estávamos aproveitando o ‘boom’ da moda brasileira, o início dos grandes desfiles, a hora em que as pessoas estavam completamente ligadas a tudo isso. Exatamente há 18 anos, nós éramos uma opção de moda autoral. E no nosso caso eram homens. E aí muita coisa aconteceu. Acho que a gente teve uma abertura de mercado para a moda masculina. Teve um encaretamento da moda masculina. Houve fenômenos em que as pessoas diziam “ah, quem usa essa roupa é gay”. Nós vimos o encaretamento dos gays também. Tanta coisa aconteceu na cultura da sociedade que é importante pensar que papel nós tivemos até agora. A minha avaliação é que quando nós paramos pra pensar nesse desfile que traz os números mais importantes no nosso acervo de verão, a gente viu peças que têm 18 anos, mas são muito contemporâneas.
Nós chegamos à conclusão que, de uma forma modesta, mas reconhecendo isso, o nosso trabalho tende a ser o que eu penso que a moda tem que ser. Ela tem que refletir o momento, mas tem que estar à frente deste momento. Aí a moda pode ser reproduzida e editada de forma nova, que é o que a gente fez agora.
Terra: Como foi feita a seleção de peças icônicas da sua carreira?
MQ: Nós pegamos cada desfile de verão, só de verão, porque a gente chamou essa fase de “início da comemoração dos 18 anos” e começamos a observar o que era a essência dos desfiles. Eu penso que não existe criação se não existe inspiração. Todas as coleções sempre tiveram um tema e uma história pra contar. Daquilo que nós tínhamos dentro do nosso acervo, o que representava bem nossa coleção. São dois ou três looks que nós escolhemos de cada uma delas. A gente não se preocupou em fazer com que eles ficassem exatamente como eram naquela época. Nós editamos de uma forma mais atual, que ficasse com a cara de hoje. Dois looks foram os primeiros que desfilamos quando ainda existia Barra Shopping, o atual Fashion Rio. Uma das roupas quem desfilou foi Reinaldo Gianecchini, que na época era modelo e só.
Terra: Você pensa em fazer um desfile de inverno também?
MQ: O mesmo número de looks que a gente tem de verão a gente tem de inverno. Então esperamos que tenha alguma exposição, algum projeto. Estamos encaminhados pra isso.
Terra: E por que você escolheu o Dragão Fashion para lançar essa coleção?
MQ: Já é o segundo ano em que a gente faz desfile em Fortaleza. Primeiro, a gente tem uma ligação profunda com esse evento. Só não fomos no primeiro, mas em todos os outros estivemos aqui. É um evento que nos convida e eu acho muito bacana porque são modelos aqui.
Terra: Qual a diferença desse evento para o São Paulo Fashion Week?
MQ: O que eu estou fazendo hoje não caberia no São Paulo Fashion Week, porque ele é um lançador de coleções. Tanto é que nós, os designers, estamos cada vez em números menores lá dentro, porque é um evento que você precisa ter um patrocínio muito grande para participar. Os modelos são pagos, por exemplo. Se você pensar no valor de cada modelo para desfilar, só de você pensar em 30 modelos numa passarela, você imagina o orçamento que precisa ter. Agora, pra marca Mario Queiroz, participar do São Paulo Fashion Week foi definitivo. Tem uma história muito divertida e emocionante: o [estilista] André Hidalgo nos ligou em um determinado momento e disse “Mario, daqui a pouco o Paulo Borges vai te ligar porque você vai ser convidado para participar do evento”. E aí eu cheguei pro André e falei assim: “e aí? O que eu faço?”. E ele disse que eu não tinha mais o que fazer, que eu estava indo para um evento com uma proporção muito maior, com uma visibilidade muito grande. Não há o que falar do SPFW sobre organização. Quem vê um backstage lá fora e vê o backstage do SPFW não tem do que reclamar. Agora, eu acho que o Brasil precisa de mais eventos voltados aos designers que não têm grande distribuição, mas que fomentam as novidades da moda. Porque se nós não temos o compromisso de vender milhares de peças iguais, somos nós que podemos ser mais ousados. A essência da moda está na criação.
Terra: Qual é o maior desafio da moda no Brasil hoje?
MQ: Temos dois desafios. Um é se posicionar perante o mercado internacional. Acho que foi muito pensado de que forma o Brasil entraria no mercado internacional, mas não foi muito pensado de que forma os brasileiros reagiriam com a entrada das marcas internacionais aqui. Se ouviu muito durante nesses 18 anos a pergunta “ah, como é que a gente vai se expor lá fora?”. Mas nunca houve preocupação em como a gente ia se posicionar quando chegasse um grande grupo de marcas internacionais aqui. E o que está acontecendo hoje é que os designers continuam sem apoio. Um grande apoio é um evento como o Dragão. Não só pra Mario Queiroz, mas pra marcas de outros estados e jovens também.
Eu acho que, em qualquer lugar onde a moda é importante, existe algum grupo conseguindo uma grana para ajudar os designers. Isso nós não temos aqui. Nós não estamos num momento que seja o ‘boom’ da moda. A moda faz parte da plataforma cultural, mas teve um momento em que as pessoas se estapeavam por um convite. O momento não é fácil, principalmente porque os patrocínios estão fora do mercado têxtil. Ainda mais em um ano que tem Copa do Mundo. Imagine eu pedindo patrocínio num ano de Copa? Qualquer empresa vai falar “procura a gente ano que vem?”
Terra: Por que você decidiu fazer um desfile apenas com modelos homens?
MQ: Nesses 18 anos o foco sempre foi homem, não o sexo masculino, mas o guarda-roupa do homem. Mesmo quando eu comecei a fazer feminino, fiz porque as meninas compravam as calças dos homens. Quando ninguém falava de boyfriend, as garotas já pegavam minhas calças e jaquetas e usavam. Eu nunca fiz vestidão, nunca caí na tentação de fazer noiva. Então a história sempre foi a o guarda-roupa do homem e durante muito tempo nós nos tornamos a referência de moda masculina. Existiam marcam antes da gente, existiam marcas posteriores também, mas quando falava de novidade masculina, não só alfaiataria, se pensava em Mario Queiroz. Então, para comemorar esses 18 anos, nada como colocar 27 looks vestidos por homens.
A gente editou a coleção por cor. Você pega 18 ou 20 coleções e tem que criar um eixo. Nosso eixo foi a cor. A cartela começa com dourado, beges, depois vem os azuis, preto, branco, cinza e acaba com prata. Uma coisa a se prestar bastante atenção é aquilo que eu sempre procurei fazer, que é procurar tecidos e acabamentos diferenciados. Não tem um look que não tenha alguma coisa de estranho acontecendo. ‘Estranho’ no sentido da novidade do tecido. Então você tem tecidos que receberam resina, tecidos que tiveram dublagem de papel e alumínio juntos. Tem até saia no desfile, mas aquela saia dos escoceses. Mesmo na hora que eu ponho saia, coloco a saia que está no guarda-roupa masculino, que os punks sempre usavam e que você passa na Avenida Paulista de vez em quando e vê um homem usando.