Sim, gente, foi emocionante. As centenas de privilegiados que se espremeram na sala dois da tenda armada no Parque Cândido Portinari puderam ver, com lágrimas nos olhos, inclusive essa que escreve, os últimos passos largos e marcados de Gisele Bündchen na passarela. Antes mesmo de a übermodel (única que recebe esse título no mundo da moda) entrar, celulares e tablets a postos para registrar o momento histórico. O vídeo de momentos dela na Colcci, nesta parceria de quase 10 anos, passado antes, apenas pincelou o que essa moça fez para a moda brasileira e mundial.
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E um filme deve ter passado na cabeça de Gisele neste pouco mais de 10 minutos que durou o desfile da Colcci. Assim como passou pela minha cabeça. Um privilégio. Eu, como algumas das pessoas que estavam lá na noite desta quarta-feira, já havia visto a cena várias e várias vezes. Desde o começo, lá em 1996, quando tudo teve início. Quando a semana de moda brasileira se organizou para reunir algumas dezenas de marcas para desfilarem juntas num mesmo espaço. Gisele já começava a se destacar entre as outras hoje veteranas, algumas delas que cruzaram a passarela ao seu lado nessa despedida (Fernanda Tavares, Carol Ribeiro, Luciana Curtis, Ana Claudia Michels).
Eu então trabalhava no Diário do Grande ABC e um ano antes havia assumido a editoria feminina e relançado o caderno Dia a Dia. E lá estava nos primeiros dias do Morumbi Fashion, sob as marquises do Parque Ibirapuera. Uma fórmula que dava certo há anos em cidades como Nova York, que reunia a maioria dos desfiles nas tendas do Bryant Park.
Lembrar detalhes da primeira entrada de Gisele na passarela nesse evento criado por Paulo Borges é exigir demais da memória. Lembro da moça de vermelho, com cabelos presos para trás e um gatinho no colo para a Zoomp. Não quero recorrer aqui a pesquisas digitais para voltar a um mundo da era analógica. Será que esse foi seu primeiro desfile profissional como dizem algumas publicações? Não importa mais.
O burburinho em torno do nome dela só crescia. Mas qual a razão? Uma só: ela era e sempre será diferente. Primeiro, entrava com seu passo meio desconjuntado, ombros se movendo, quadril que parecia de mola. E lá ia com seu jeito de gazela. Talvez como Pelé e Garrincha faziam com as bolas nos pés, Gisele fazia com a roupa no corpo. Um dom, uma estrela.
Na redação, recebíamos as novidades por correio, como o catálogo de Alice no País das Maravilhas, da Zoomp, de Renato Kherlakian. E lá estava ela. A novata, a linda, a promissora Gisele. O gatinho do desfile fazia referência à história de Alice. Ai, se arrependimento matasse. Será que guardei em algum aquele livro/catálogo com aquelas imagens da hoje über no meio de um campo de flores? Deve estar em algum canto escondido ou se perdido no meio de tantos e tantos catálogos impressos que recebíamos a cada temporada, sem espaço físico para guardá-los.
Tempos analógicos
Sim, os tempos eram outros. Os desfiles eram registrados com câmeras analógicas, filmes fotográficos. Um motoqueiro vinha para pegar o rolo de filmes, levar para a redação para ser revelado a tempo de entrar na primeira página do jornal. As matérias eram passadas por telefones fixos ou, depois de digitadas, impressos e enviados por fax. A telefonia celular dava os primeiros passos e enviar imagens online só mesmo em filmes de ficção científica.
Gisele começou a se tornar uma celebridade, mas podia ainda caminhar livremente pelas rampas da Bienal do Ibirapuera com sua cachorrinha Vida, uma yorkshire, no colo. Não havia segurança, e meu amigo fotógrafo Rivaldo Gomes chegou a clicar essa imagem. Tentamos recuperá-la. Em vão. No negativo, perdido entre outros tantos, a foto hoje repousa em algum canto escondido nos arquivos físicos do jornal.
Depois de um tempo, digamos algumas temporadas, ela virou celebridade, mas nada que se compare à velocidade que hoje uma modelo se torna top. Tipo assim, com apenas um ano de carreira, tem modelo que já vira exclusiva e faz apenas um desfile. Gisele não, já famosa, ainda cumpria uma agenda cheia. Desde aquele para a Zoomp, em 1996, ela foi iluminando outras passarelas: Cia Marítima, Carlos Miele, Forum, Triton, Zoomp etc. etc. etc. Até ficar exclusiva para a Colcci quase 10 anos depois de sua estreia profissional na passarela.
Eu perdi as contas de quantas vezes vi Gisele na passarela, como quando ela recebeu um rolo papel com a frase “Gisele, Eu Te Amo” escrita milhares de vezes de seu fã Fernando Antônio da Silva, então com 20 anos e com a imagem da top tatuada no corpo. Era desfile da Triton, em janeiro de 2005, homenageando a modelo, que tinha feito sua primeira campanha profissional para a marca 10 anos antes.
E não falo isso para me gabar. Fazia parte de meu trabalho, corrido, suado, contra o tempo para mandar a matéria antes do fechamento do jornal. E ainda faz parte dele, corrido, suado, correndo contra o tempo para mandar o texto minutos após cada desfile para o Terra, casa que me acolheu em 2009, e tentar passar o que a marca quis mostrar naqueles poucos minutos de exibição.
Gosto dessa adrenalina, que me acompanha há décadas. O primeiro desfile importante que vi na vida foi nos fins dos anos 80 ou começo do 90 na Fenit, ao lado de Costanza Pascolato, que cedeu metade de sua cadeira para me sentar, já que os lugares haviam acabado. Se não me falha a memória, quase 30 anos depois, era uma apresentação da francesa Chantal Thomass.
Ah, podem falar, “tanto tempo de estrada e ainda se emociona ao ver um desfile de Gisele”. Sim, saí da sala nesta quarta-feira com lágrimas nos olhos, no caminho até a sala de imprensa, do outro lado da tenda no Parque Cândido Portinari, pensando no que escrever e imaginando lá no basckstage a Gisele ao lado de seus amigos e suas famílias. E chorei ao ver que a hoje todo-poderosa Gisele, que mudou os paradigmas da moda mundial, ao acabar com aquele história de heroin-chic (conceito de mulheres esquálidas e com aparência doentia que reinou na moda nos anos 90 depois do boom das top models dos anos 80), também foi às lágrimas ao virar de costas para os fotógrafos e dar seus últimos passos sobre uma passarela. Ela pode até voltar algum dia, mas essa imagem ficará marcada nas nossas retinas para sempre, como alguém que viu o milésimo gol de Pelé. Não há como terminar esse texto sem essas palavras: Obrigada, Gisele!
Terra transmite ao vivo SPFW Verão 2016
O Terra transmite, mais uma vez ao vivo e com exclusividade na web, os desfiles do São Paulo Fashion Week, entre os dias 13 e 17 de abril. A transmissão de todos os desfiles realizados no Parque Cândido Portinari, na capital paulista, está disponível inclusive para tablets, smartphones e TVs conectadas. Os usuários também podem assistir aos vídeos dos desfiles quando quiserem pelo site especial.
Gisele Bundchen no SPFW: desfiles que a top participou
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