Depois de despencar 11 posições no ranking da felicidade da ONU no ano passado, o Brasil se recuperou parcialmente em 2024 e subiu cinco postos, alcançando o 44º lugar. Na primeira edição, em 2012, o Brasil ocupou o 25º lugar, e alcançou sua melhor colocação, 17º, em 2016. De lá para cá, veio caindo. Já a Finlândia foi eleita a nação mais feliz do mundo pela 7ª vez consecutiva. O que nos separa deles?
Foram avaliados 143 países e o relatório final foi divulgado na última quarta-feira (20/03), Dia Mundial da Felicidade. Os países nórdicos dominaram o ranking, com Dinamarca, Islândia e Suécia seguindo a Finlândia. O Afeganistão ficou na última colocação, e países como EUA e Alemanha, pela primeira vez em mais de uma década, ficaram fora das vinte nações mais felizes. Os países mais populosos também não entraram nessa seleta lista do “G-20” da felicidade.
A pesquisa da ONU (baseada em autoavaliações individuais) leva em consideração fatores como satisfação, liberdade, generosidade, expectativa de vida, percepção de corrupção, segurança social, proximidade com a natureza, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, renda, confiança nas instituições, acesso gratuito à saúde e educação de qualidade, entre outros.
A sociedade do bem-estar preconizada pelos finlandeses, aliada à confiança nas instituições, à liberdade, à autonomia e ao acesso gratuito à saúde e à educação podem explicar o resultado, em oposição a outros países ricos em que a cultura predominante confunde, muitas vezes, felicidade com sucesso financeiro, o que pode gerar sobrecarga de trabalho, estresse, frustração e insegurança.
Não dá para ser feliz em um país absolutamente desigual
O resultado traz uma reflexão interessante. Se estamos em uma posição apenas intermediária no ranking global da felicidade, dados de relatórios recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que estamos sempre nas primeiras posições nos índices de depressão e ansiedade no mundo.
Mais distantes da felicidade e mais perto de uma saúde mental em xeque, que inspira atenção e cuidados, parecem questões que refletem a mesma face da moeda e que compartilham uma série de causas comuns.
Não dá para ser feliz em um país absolutamente desigual, em que boa parte das pessoas vive na pobreza, mais sujeita a violências de diversas naturezas e exposta a uma série de preconceitos e exclusões. Mas dá sim para adoecer física, emocional e mentalmente. Talvez nas classes mais privilegiadas, uma minoria que não reflete a realidade do país, as autoavaliações sejam distintas, apesar desse resultado apenas reforçar como essas elites podem estar descoladas do que se passa à sua volta.
Para a massa da população brasileira, que luta para garantir renda mínima e alimentação, com pouca segurança social, enfrentando o cotidiano de um sistema de educação e de saúde que não dão conta das demandas, com baixo grau de confiança e esperança nas instituições e autoridades, fica muito mais difícil alcançar bem-estar, qualidade de vida e saúde mental. Se já fica mais difícil escapar da ansiedade e da depressão, o que se dizer, então, da pretensão de se sentir feliz? Seria uma realidade plausível?
Sem endereçar as desigualdades, a desesperança, a falta de confiança, as exclusões, o abandono e as violências sociais que fazem parte da realidade do Brasil, vamos continuar amargando posições no ranking da felicidade que não dialogam com as potencialidades do país. Em contrapartida, vamos seguir como campeões e recordistas de ansiedade e depressão. A gente não merece mais do que isso?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.