Três graves acidentes nos últimos dias mostram que a direção, o álcool e a cultura da condução perigosa (com frequente abuso da velocidade) continuam a ser questões bastante sérias no Brasil, principalmente quando se trata de motoristas homens e jovens.
O caso mais divulgado foi o de um Porsche conduzido por Fernando Sastre de Andrade Filho, empresário e universitário de 24 anos, que no dia 31/03 bateu em um Renault Sandero em uma importante avenida da zona leste de São Paulo, causando a morte do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos.
Sastre é investigado por suspeita de embriaguez ao volante e por rodar acima do limite de velocidade permitido, assumindo assim o risco de matar. Testemunhas dizem que ele havia tomado alguns drinks, apresentava sinais de estar alcoolizado e guiava acima dos 50 km/h permitidos no local. Sua namorada negou em depoimento que ele tivesse bebido e os radares da CET no local estavam desligados. O estudante não fez o teste do bafômetro.
Na noite da última sexta (05/04) um motorista de 32 anos atropelou cinco ciclistas em uma pista que dá acesso ao Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), no Distrito Federal, deixando dois deles em estado grave.
O motorista Allan das Chagas Araújo acabou batendo seu carro contra uma mureta e foi preso pela Polícia Militar por estar embriagado, dirigir em alta velocidade, além de ter tentado escapar. Ele já havia sido condenado por atropelar e matar uma pessoa no DF em 2012. Em 2014 foi condenado a dois anos em regime aberto e teve a carteira de motorista suspensa. Desde então não renovou mais o documento.
No terceiro acidente, a estudante de engenharia Maria Eduarda Porto Silva, 20 anos, passageira no banco de trás de uma BMW, morreu no último sábado (06/04) após o carro em que ela estava ter derrapado e batido contra um poste na cidade de Barreiras (BA).
As imagens que circularam pela internet dão uma ideia da violência do impacto. Havia chovido antes do acidente e a pista estava molhada. A motivação do acidente seguia em investigação e não havia informações claras sobre a velocidade do veículo e o estado do condutor.
Carrões com grande potência são o sonho de consumo de muitos jovens que começam a guiar no Brasil. Pode-se até questionar o gosto duvidoso, que se confunde na cabeça deles com poder, dinheiro, sucesso, prazer e adrenalina, mas quando a condução desse objeto de desejo se concretiza e se mistura com pitadas de inexperiência e de imaturidade emocional, além de muitas doses de álcool, a questão pode se tornar um grande problema.
Essa combinação pode ser fatal e custar não apenas a vida dos condutores, como a de seus pares, amigos, namoradas e de gente que não tinha nada a ver com eles, mas que estava no lugar errado, na hora errada. A despeito da lei seca e de eventuais blitz, o cenário parece se perpetuar nos quatro cantos do país.
Dirigir um veículo (carro ou moto) potente pode ser um desafio ainda maior para motoristas jovens, com um certo grau de inexperiência. Habilidade, segurança, destreza e domínio são processos que demandam aprendizado e tempo.
Além disso, a imaturidade emocional pode levar a arroubos em que os jovens tentam provar para si próprios (e para a audiência) que podem correr mais, ousar mais, impressionar mais. Imagine um outro carro que passa em maior velocidade e desperta um desejo de disputa. Ou, ainda, uma fechada ou ultrapassagem em que o condutor se sente desafiado. Em uma cultura machista, em que esse padrão de resposta é estimulado e valorizado, esse jovem pode assumir mais riscos.
O álcool ao entrar nessa perigosa equação além de prejudicar reflexos e velocidade de resposta, impacta negativamente a crítica e o poder de avaliação de quem está conduzindo. Agressividade e impulsividade se tornam atitudes mais frequentes. Assim se forma a tempestade perfeita para que motoristas se coloquem em situações de perigo e possam trazer riscos para si mesmos e para a sociedade como um todo.
A sensação de impunidade, de que é possível dar um jeito e “manobrar” a lei e de que quem tem poder e dinheiro acaba se “livrando” de penas mais duras acaba perpetuando essa cultura do “com meu carro, eu faço o que bem quiser”. O jovem não parece se dar conta de que ele pode ter uma arma perigosa nas mãos.
Ao passar a mão na cabeça dos filhos ou “passar pano” para amigos e colegas que repetidamente se expõem e expõem os outros a risco, nossa sociedade perpetua essa tragédia. Não está mais do que na hora de interromper esse ciclo?
*Jairo Bouer é psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.