Rio Grande do Sul sofre o impacto de uma das maiores catástrofes naturais do mundo que ameaça a saúde física e mental da população.
As inundações que tomaram conta de 85% dos municípios do Rio Grande do Sul na última semana trazem um risco importante não só para a saúde física, como também para a saúde mental da população gaúcha, tanto no momento mais agudo da tragédia como nas semanas seguintes.
O estado está sofrendo o impacto do que é a maior catástrofe natural da história do país, talvez uma das maiores do mundo. As chuvas intensas alagaram centenas de cidades, causando mais de 107 mortes e afetando a vida de quase 1,5 milhão de pessoas. Ainda há 136 desaparecidos, 374 feridos, mais de 163 mil desalojados e quase 68 mil acolhidos em abrigos.
Além da ameaça de infecções como cólera, hepatite A, febre tifoide, gastroenterites e leptospirose, que podem ser contraídas pelo contato com água contaminada das enchentes, o frio e os locais aglomerados, como os alojamentos e abrigos públicos, podem facilitar a transmissão de doenças que se propagam por via respiratória como gripes, meningite e tuberculose, entre outras.
Mas além da maior vulnerabilidade na saúde física, boa parte da população que passa por um evento dessa magnitude e proporção pode desenvolver uma série de questões de saúde mental.
As grandes catástrofes naturais, bem como as situações que envolvem guerras, podem ter um impacto devastador na vida das pessoas, com consequências emocionais de curto e longo prazo.
Nas fases iniciais das chuvas e enchentes, em função das sucessivas situações de medo, das incertezas, da apreensão, das adaptações, da perda da casa, das mudanças de rotina, muita gente pode enfrentar um quadro agudo de estresse ou de ansiedade, com sintomas como raiva, pavor, choro e crises de pânico.
Pode haver também um transtorno de ansiedade generalizada, em que a pessoa fica atenta e assustada o tempo todo, como se vivesse uma ameaça permanente. Esses quadros podem levar semanas e até meses para melhorarem.
Algum tempo depois de superado o momento mais crítico de enfrentamento das enchentes, algumas pessoas podem desenvolver um quadro de estresse pós traumático, em que há um dificuldade de adaptação à nova rotina, uma sensação de desamparo, crises de ansiedade e flashbacks das cenas vivenciadas.
Para quem sofreu a perda de um familiar ou da casa pode haver um luto complicado, que se prolonga e impacta profundamente as emoções. Também aumenta o risco de um quadro de depressão. Quem já enfrentava uma questão de saúde mental pode ter que lidar com um recrudescimento dos sintomas.
Em saúde mental, todos estamos vulneráveis, mas as vulnerabilidades mudam de uma pessoa para outra, e dependem da história de cada um, da sua capacidade de resiliência, do seu nível de suporte social, dos vínculos afetivos, da sua rede apoio, entre tantos outros fatores.
É o momento de dar amparo a quem foi afetado. Empatia, compaixão, apoio e suporte são essenciais para quem perdeu tudo, para quem está deslocado, para quem está abrigado e para quem está tendo que enfrentar um momento tão difícil de adaptação. Isso vale tanto para essa semana, como para as que vem pela frente.
E tudo isso pode ser feito por qualquer um que está disposto a ajudar, seja com doações, com solidariedade e com suporte emocional. É muito mais fácil a gente se recuperar de um momento tão duro quando percebe que outras pessoas entendem nosso sofrimento e estão dispostas a estender as mãos.
A complexidade desse cenário, com forte impacto na vida e na saúde mental das pessoas aponta para a importância do trabalho conjunto de voluntários, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras junto com os demais profissionais da equipe médica. É em rede que os mecanismos de proteção se tornam mais poderosos.
E é imperativo que cada vez mais as politicas publicas e cada um de nós entenda o peso que as mudanças climáticas estão tendo e vão ter em nossas vidas, em nosso futuro e em nossa saúde. E você, como pode ajudar nesse momento?
*Jairo Bouer é psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.