Dois artigos publicados nas últimas semanas ajudam a entender como está se sentindo boa parte da população madura do mundo hoje: desatenta e triste. Mas será que os textos revelam aspectos definidores dessa geração ou podem apontar caminhos do que fazer para desarmar parte das “armadilhas” emocionais que nos cercam?
No primeiro artigo, Margaret Sibley, professora de psiquiatria e ciências do comportamento da Escola de Medicina da Universidade de Washington, publicado no site acadêmico The Conversation, discute a atual epidemia de diagnóstico de TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).
Para a pesquisadora, a abundância de testes online para diagnóstico de TDAH e a oferta de técnicas e treinamentos digitais rápidos para o cérebro podem estar levando muita gente a desconfiar que enfrenta o transtorno. O impacto é tão grande que hoje os norte-americanos têm enfrentado dificuldades em encontrar nas farmácias medicamentos à base de anfetaminas que tratam a condição.
Segundo dados do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) desde 2020 (coincidindo com a pandemia) houve um aumento importante do consumo desse tipo de medicamento, principalmente entre mulheres jovens.
Diagnóstico complexo
O diagnóstico do TDAH não é fácil e requer um profissional treinado e uma análise criteriosa da história clínica, dos sintomas e dos impactos na vida. O transtorno acontece dentro de um espectro, o que pode levar a uma infinidade de intensidades e variações que dificultam ainda mais essa tarefa.
O distúrbio, em geral, começa a se manifestar na infância e adolescência, e pode migrar para a vida adulta, com uma mudança importante de características, em que há uma diminuição dos sintomas de hiperatividade e a manutenção ou a piora da desatenção. Problema: a dificuldade de concentração é um dos sintomas mais comuns entre todos os transtornos psiquiátricos.
O desafio diagnóstico é ainda maior em uma geração multitarefa, que mantém abertas várias janelas digitais ao mesmo tempo, e que não desgruda das telas. Para piorar, as redes sociais e seus algoritmos invadem o cotidiano com a ofertas de testes rápidos e listas de sintomas simplificadas. Quem é que não pensou, pelo menos uma vez nos últimos trinta dias, que pode estar enfrentando TDAH?
Solidão e sintomas depressivos
O segundo artigo, da Agência Einstein, traz o resultado de um estudo longitudinal da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que mostra que 34% dos adultos brasileiros com mais de 50 anos afirmam ter sintomas depressivos e que 16% deles sentem solidão. A chance de sintomas depressivos dobra em pessoas que moram sozinhas, e a sensação de solidão foi mais frequente entre as mulheres.
Como apontam os pesquisadores da Unicamp, é importante lembrar que se sentir sozinho é uma sensação subjetiva diferente de estar isolado socialmente e ser solitário, e que ter sintomas depressivos não significa que a pessoa tenha depressão (também um diagnóstico complexo que exige avaliação médica especializada).
Com o aumento da longevidade e o envelhecimento da população, mais gente vai ter que morar sozinho, podendo enfrentar a solidão e sentir esse impacto em sua saúde mental. Essas emoções, mesmo que não configurem um diagnóstico clínico de depressão, podem ter um impacto negativo nos cuidados com a saúde, levando a um maior risco de adoecimento.
O que pode ser feito?
O primeiro artigo nos mostra que deve haver critério no entendimento do que é um transtorno ou um distúrbio de saúde mental, que merece avaliação e tratamento adequados, e o que pode ser apenas mais uma trend, alimentada por algoritmos de redes sociais e startups que vendem “testes rápidos” e “soluções mágicas e
padronizadas” para nossa vida. É importante criar filtros para entender essas influências, o que passa pela questão da melhor educação digital, de adolescentes e adultos.
O segundo texto revela que avaliações subjetivas e eventuais emoções negativas são diferentes de transtornos e distúrbios, mas que mesmo assim podem ter impactos importantes na saúde mental, bem-estar e qualidade de vida das pessoas, merecendo atenção, cuidado e prevenção.
As duas publicações mostram que as mulheres, principalmente no pós-pandemia, estão mais vulneráveis às questões de solidão, sintomas depressivos, saúde mental, e com maior risco de onsumo de medicamentos psicotrópicos, inclusive para tratar supostos sintomas de dificuldade de concentração, que talvez não necessitassem desse tipo de medicamento.
Em resumo, fica claro que se desconectar um pouco das telas, acreditar menos nos diagnósticos das redes sociais, e investir mais nos contatos e interações pessoais, do tipo olho-no-olho, podem nos proteger de solidão, tristeza, ansiedades e angústias do nosso cotidiano. E, você, como anda se sentindo?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra Você às sextas-feiras.