Que o jovem no pós-pandemia enfrenta dificuldades importantes na escola não resta a menor dúvida. Não é à toa que esse foi o tema que escolhi para começar minha nova coluna aqui no Terra. Comportamento jovem é o assunto que mais tenho discutido ao longo desses meus 30 anos dedicados a escrever sobre sexualidade e saúde mental. Espero agora sua companhia nessa jornada por aqui. Vamos lá?
Reportagem do Terra da última semana joga mais luz nessa questão ao revelar que mais de 90% dos estudantes retornaram às salas de aulas com dificuldade de concentração e menor participação nas atividades escolares.
Os resultados fazem parte de uma nova rodada de dados da pesquisa Ouvindo a Comunidade Escolar: Desafios e Demandas da Educação Pública de São Paulo, uma parceria entre o Instituto Locomotiva e a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), divulgados no final de maio.
A pesquisa ouviu 3610 pessoas (1250 alunos com 14 anos ou mais, 1250 familiares e 1110 professores, entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro de 2023). A rede estadual de São Paulo tem cerca de 5 milhões de alunos e emprega 250 mil professores, uma das maiores redes públicas de educação do país.
Desmotivação, salas lotadas e escolas violentas
Para os alunos consultados na pesquisa, os maiores problemas da escola pública atual são a falta de interesse e de motivação, a insegurança e o excesso de estudantes nas salas se aula.
Em março, o Locomotiva e a Apeoesp já haviam divulgado dados sobre a segurança nas escolas e revelado que quase 70% dos alunos consideravam a violência nas escolas como média ou alta.
95% dos estudantes concordavam que questões de saúde mental como esgotamento e ansiedade haviam se tornado mais comuns. Um componente que pode estar contribuindo para essa piora nas emoções dos alunos é justamente a questão das diversas formas de violência nas escolas. 33% dos alunos contam que já sofreram bullying, 24% agressões verbais, 12% agressão física e 14% discriminação. Nas escolas que estão nas periferias, esses índices são ainda maiores.
Dificuldades emocionais e violência não são novidades pandêmicas
As dificuldades emocionais dos adolescentes não começaram na pandemia. Nas duas últimas duas décadas, os índices de quadros que indicam sofrimento psíquico só vêm crescendo entre os mais jovens. Assim, ansiedade, depressão, transtornos de imagem corporal, transtornos alimentares, abuso de substâncias, automutilação e tentativas de suicídio são uma realidade em boa parte das escolas hoje no Brasil.
O que a pandemia pode ter feito foi acelerar a frequência dessas condições, e ter tornado mais evidente esse sofrimento para a população, já que todos se viram compelidos a discutir saúde mental de uma forma mais clara e ampla.
O isolamento social e o ensino à distância provocaram impactos importantes nos jovens. Do ponto de vista cognitivo, houve um déficit importante no aprendizado formal. E do ponto de vista emocional, esse jovem teve perdas significativas em suas habilidades sócio-emocionais, em uma fase da vida em que as interações com os colegas são fundamentais para seu desenvolvimento psíquico e social.
Cenário é semelhante nas escolas particulares
As queixas em relação à saúde mental e a violência não são exclusividade das escolas públicas. Uma enquete feita em maio desse ano em um colégio particular da zona sul de São Paulo, por exemplo, com 370 jovens entre 11 e 14 anos (do 6o. ao 9o. ano do Fundamental II) revelou que:
- 50% têm se sentido um pouco ansiosos, e outros 30% muito ansiosos;
- 40% têm se sentido um pouco tristes, e outros 10% muito tristes;
- 48% têm se sentido um pouco irritado, e outros 19% muito irritados
Além disso, 48% deles se sentiram excluídos ou cancelados esse ano e 43% foram vítimas de algum tipo de ofensa ou comportamento agressivo por parte de um colega em 2023. Por outro lado, 72% admitem que já cancelaram alguém esse ano e 59% ofenderam ou foram agressivos com um colega em 2023.
Os educadores têm se queixado que além de desatento, desmotivado e com dificuldade de aprendizagem, esse jovem também anda mais intolerante, irritado e sem paciência com o outro, o que pode sinalizar tanto sintomas ansiosos e depressivos, como também pode revelar uma perda importante de habilidades sociais como empatia, tolerância e convivência, que talvez sejam fruto do abuso das múltiplas telas e da vida que aconteceu à distância.
As escolas e os pais têm um desafio importante com seus alunos e filhos nos próximos anos. Uma colaboração muito próxima entre as famílias e a comunidade escolar é essencial nesse momento para avançarmos na melhora da saúde mental e das emoções desses jovens. E você, tem feito sua parte? Espero, daqui para frente, contar com sua leitura, comentários, sugestões e críticas aqui no Terra. Vamos juntos e até a próxima!
*Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra às quintas-feiras.