Se a resposta foi “sim”, tenho certeza que já passou pela sua cabeça que você pode ter o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Mas será que essa suspeita faz sentido? Provavelmente não, a menos que você use como critério os testes superficiais que vem sendo propostos nas redes sociais.
Uma trend que tem circulado no TikTok, por exemplo, alimentada por vídeos de influenciadores sem conhecimento técnico, propagam diagnósticos incorretos, que podem levar muita gente a acreditar que sofrem com alguma manifestação do TDAH. Uma matéria publicada no Terra na última semana traz a opinião de diversos especialistas sobre esse assunto.
Redes sociais: para o bem e para o mal
Se de um lado, as redes sociais têm um papel central em conectar pessoas que sofrem com alguma condição clínica, ou que querem buscar mais conhecimento sobre determinado transtorno, do outro lado, elas podem fazer com que informações distorcidas se propaguem rapidamente, levando a erros diagnósticos, que podem inclusive atrasar o tratamento de quem realmente precisa de uma abordagem específica.
Além do TDAH, outros exemplos não faltam. Um estudo recente mostra como influenciadoras jovens que defendem métodos naturais para prevenção de gravidez no YouTube podem fazer com que haja um aumento de gestações indesejadas na adolescência.
Outro trabalho apresentado na conferência Digestive Disease Week em Chicago (EUA), em maio desse ano, revelou que 4 em cada 10 posts no TikTok sobre doenças hepáticas traziam informações absolutamente erradas.
Um artigo recente do jornal The New York Times também discutiu como testes rasos e informações enviesadas (muitas vezes postadas propositalmente para gerar “buzz”, tráfego, engajamento e até vender cursos) podem levar as pessoas a se equivocarem com falsos diagnósticos, como no caso do transtorno do espectro autista (TEA) e do TDAH.
Equívocos mais frequentes em saúde mental
Esse fenômeno pode ser ainda mais comum na área da saúde mental, em que raramente existem testes laboratoriais específicos para fechar o diagnóstico de um determinado transtorno. Dessa forma, muita gente que não tem nada pode ser levada a desconfiar que enfrenta alguma condição clínica, o que gera angústia e desinformação.
É claro que todos nós temos, em nosso dia a dia, eventuais questões de atenção, de foco, de concentração, de memória, de inquietação, de agitação, de irritação, entre outras emoções e comportamentos. Essas variações e oscilações fazem parte da vida, assim querer enquadrá-las como distúrbios pode ser um erro grave.
Lógico que hoje com a maior difusão de informações e de conhecimento médico, se faz mais diagnósticos de TDAH e de TEA. A própria noção de que existe um espectro de sintomas, variações e intensidades distintas em vários transtornos mentais permite que os diagnósticos incluam mais pessoas.
Diagnóstico criterioso
Mas é muito diferente um diagnóstico cuidadoso, feito por profissionais capacitados com base na história clínica, no impacto dos sintomas na vida da pessoa e em testes específicos e estruturados, de uma tentativa mal-acabada de sugerir que alguém pode ter um transtorno por meio de uma listinha de sintomas e enquetes de qualidade duvidosa.
Não se pode negar o poder que os influenciadores têm hoje entre seus seguidores, uma geração digital que se comunica de forma cada vez mais horizontal com seus pares. Mas essa influência precisa ser dosada, os jovens têm que aprender a filtrar, relativizar e checar as informações das redes, e as bolhas de informações equivocadas precisam ser furadas.
E tudo isso fica muito mais fácil se os influenciadores forem convidados a rever posições, se capacitarem melhor e entenderem seu papel nessa história. Quando o assunto é saúde, erros banais podem ser fatais. Que tal trabalharmos todos juntos nesse sentido?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra às quintas-feiras.