Nos últimos meses vários casos de atropelamento, violência, imprudência e mortes causadas por motoristas pilotando carros potentes ganharam destaque na mídia. Do ponto de vista do comportamento, o que pode estar por trás dessa explosão de acidentes?
Para além das poderosas máquinas, carros icônicos de marcas famosas que atingem altas velocidades em um curto intervalo de tempo, o que se passa na cabeça dos condutores, que assumem riscos, praticam crimes e colocam a vida de outras pessoas em perigo?
Primeiro ponto: os motoristas são, via de regra, homens jovens. A construção da masculinidade, que em pleno século XXI, ainda se confunde com enfrentar desafios, se arriscar, competir, empurrar limites e exibir força e potência pode ser, em parte, responsável por essa forma agressiva de dirigir.
A isso se soma a arrogância, a imaturidade, a impulsividade e a inexperiência de condutores jovens, que vivem a fantasia de ter controle total sobre seu carro e desprezam restrições, regras e, claro, civilidade e bom senso.
O uso das tecnologias, sobretudo das redes sociais, também pode ter um peso nessa equação. Ao permanecer o dia todo na frente das telas, em um mundo em que controles e decisões estão na ponta dos dedos, os mais novos podem ter dificuldade em respeitar as regras e os limites da vida desconectada, que independem dos seus desejos e vontades. A intolerância a frustações e a sensação de onipotência aumentam riscos de comportamentos nocivos, e o carro pode virar uma arma.
Para complicar, vários desses motorista são também influenciadores que alimentam seus perfis conduzindo carrões e fazendo manobras ousadas. Alguns deles têm a sensação de que um carro de luxo confere uma espécie de licença para conduzir da forma que bem entendem, sem que se considerem imprudentes ou descuidados por esse tipo de comportamento.
No último caso em São Paulo, por exemplo, no final de julho, o motorista Igor Ferreira Sauceda, 27 anos, conduzindo um Porsche, atropelou e matou o motociclista Pedro Ventura Figueiredo, 21 anos, depois de uma discussão banal no trânsito. Ele está preso, e essa semana virou réu por homicídio doloso, triplamente qualificado.
O número elevado de pontos na carteira de habilitação de alguns desses condutores revelam a repetição de um padrão de direção perigosa, que deveria merecer uma atenção especial das autoridades. Do ponto de vista da saúde mental, pessoas que têm comportamentos mais impulsivos e explosivos no seu dia-a-dia podem apresentar um risco adicional ao assumir a direção. Será que eles poderiam mesmo estar conduzindo um veículo?
Além de todas essas questões é importante lembrar que em boa parte das ocorrências os motoristas tinham consumido bebidas antes de guiar. O álcool é um potente alterador da nossa crítica e da capacidade de avaliar os riscos que corremos, além de ser um potente depressor do sistema nervoso central, ou seja, pode haver uma lentidão e uma diminuição dos reflexos e do tempo de resposta diante de um fato imprevisto. Os estudos mostram que quanto maior a alcoolemia (nível de álcool no sangue), maior a gravidade dos acidentes, com maior letalidade.
O conhecido provérbio do personagem Peter Parker, eternizado nos quadrinhos do Homem-Aranha pelo grande autor Stan Lee já avisava: “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades".
O que está faltando para os homens perceberem que quanto mais potente o carro, maiores os cuidados, limites e precauções que devem ser adotados. Será que qualquer pessoa está preparada para conduzir um veículo dessa natureza? As mortes de tantas vítimas dessa condução arriscada e imprudente não são fatalidades, são crimes.
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.