Essa semana mais uma jovem perdeu a vida ao se distrair no momento em que gravava um vídeo no seu celular no heliponto de um prédio em Balneário Camboriú (SC). A atleta Carol Oliveira, 22 anos, estava com o irmão e caiu de uma altura de cerca de 25 andares. A Polícia Civil investiga o caso.
Em que pesem eventuais falhas de segurança que permitiram o acesso a uma área perigosa e a possível falta de sinalização e iluminação no local, o fato de um celular estar nas mãos da jovem no momento da queda traz um alerta: as pessoas reduzem sua atenção ao que está acontecendo à sua volta (ou subestimam os riscos envolvidos) no momento em que estão focadas na captação de uma foto para ser usada em suas redes sociais.
A selfie perfeita vale a sua vida?
Semana após semana jovens sofrem acidentes ou perdem a vida em cachoeiras, penhascos, rochas próximas ao mar, árvores, pontes, edifícios, guindastes, perto de animais selvagens, tudo em nome de uma imagem que possa gerar impacto e repercussão.
Em agosto desse ano, a ginasta checa Natalia Stichova, 23 anos, caiu da altura de mais de 80 metros ao tentar tirar a “foto perfeita” à beira de um precipício em frente ao Castelo de Neuschawanstein, na Alemanha. O local inspirou Walt Disney a criar o “Castelo da Bela Adormecida”.
Um estudo da Fundação espanhola iO, especializada em Medicina Tropical e do Viajante, mostrou que de 2008 a 2021 aconteceram quase 400 mortes ao redor do mundo por causa de uma selfie.
Com a pandemia e a redução dos deslocamentos houve um arrefecimento do fenômeno. Com a retomada, a situação voltou a se agravar e passou a atingir a média de quase uma morte por semana, o que mostra a importância de se encarar essa questão como um problema emergente de saúde pública.
Existe até uma plataforma, Danger Selfies, que contabiliza as mortes noticiadas por selfies desde 2011, e traz dicas para que as pessoas tirem fotos seguras. Acessada essa semana, os dados mostram que a Índia é o país com mais mortes por selfies, seguida pelos EUA e, depois, Rússia. O Brasil aparece com 7 acidentes e mortes por selfies.
Um outro estudo publicado no Journal of Travel Medicine, em 2022, revelou 379 mortes relacionadas às selfies em 13 anos, o que, segundo os pesquisadores, torna o risco de morrer tirando a própria foto quase 5 vezes maior do que o de morrer por um ataque de tubarão.
Os viajantes são as principais vítimas, quase 40% dos casos. As quedas de altura representam a metade das mortes, seguidas por acidentes com meios de transporte e, depois, afogamentos. A idade média das vítimas é de 24,4 anos.
E essa pode ser apenas a ponta do iceberg, já que nas mortes acidentais dificilmente as selfies são contabilizadas como a causa do óbito, o que pode levar à subnotificação.
Os riscos crescentes têm levado alguns pontos turísticos famosos a proibirem as selfies ou implementarem medidas de controle dessa prática. Mas as restrições têm um peso muito limitado em um mundo tão vasto e cheio de atrações.
Outra questão é que enquanto as mídias tradicionais tendem a retratar as selfies arriscadas como um movimento impensado e narcisista da juventude, culpando e até ridicularizando quem as tira, os jovens vivem uma realidade completamente distinta, já que a busca por essas imagens faz cada vez mais parte da vida e do cotidiano deles.
Essa distância de perspectivas mostra que é necessário uma mudança no direcionamento das estratégias de prevenção de acidentes e a busca por uma abordagem mais próxima do universo dessa geração.
Nesse sentido seria importante que as campanhas educativas fossem criadas e incentivadas pelas autoridades, pelos próprios influenciadores e pelas redes sociais, o principal destino das imagens perfeitas e perigosas.
Da mesma forma como modificamos, ao longo das décadas anteriores, atitudes e hábitos antes considerados naturais (e até “descolados”) como andar de carro sem cinto ou fumar cigarros em ambientes fechados em situações concretas de saúde publica, e mudamos efetivamente percepções e comportamentos, precisamos pensar nas selfies arriscadas, que visam popularidade e reconhecimento, como uma questão social e cultural a ser transformada, com medidas mais amplas e articuladas do que apenas proibir, restringir ou culpar.
O que você acha a respeito?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.