No próximo domingo e no seguinte (3 e 10 de outubro) acontece a mais nova edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que vai levar milhões de adolescentes da geração Z a passar horas sentados na frente de uma prova de papel. Além de todo o estresse, a necessidade de manter o foco e a atenção por tanto tempo seguido é um desafio adicional para uma geração que se acostumou a mudar de telas e assistir vídeos de uma maneira frenética. Será que isso pode impactar o desempenho desses jovens?
A insegurança, o medo de não saber as respostas, o fantasma do “branco”, o cansaço e a ansiedade já são velhos conhecidos de tantas e tantas gerações que enfrentaram vestibulares, processos seletivos e o próprio Enem. Essas emoções podem ter prejudicado o desempenho de muita gente ao longo da história desses testes no Brasil.
Mas os mais novos, que nasceram imersos no mundo digital, podem enfrentar algumas dificuldades adicionais em relação ao seu foco e capacidade de concentração durante provas tão longas (5 horas e meia no dia 3 e outras 5 horas no dia 10). Quem quiser sair sem levar o caderno de perguntas terá que esperar pelo menos duas horas. Para levá-lo, é preciso aguardar até 30 minutos antes do final da prova.
Os educadores lidam no seu dia-a-dia com uma dificuldade crescente dos alunos de manter a atenção durante uma aula expositiva que dura de 45 a 50 minutos. As atividades são cada vez mais interativas, e mesmo provas simples e curtas, muitas vezes, representam um tormento para os jovens.
É difícil quantificar o impacto dessa atenção flutuante e fragmentada em uma atividade que exige tanto foco e concentração, por horas a fio, como as provas do Enem, mas certamente vão ser muitos os que vão desistir no meio do caminho por não conseguirem executar uma tarefa tão prolongada.
Os jovens que vão prestar o Enem em 2024 são os que viveram mergulhados em internet, celulares e redes sociais desde a infância. O mundo deles é conduzido, em grande medida, pelos estímulos rápidos da dopamina, um neurotransmissor responsável pelas sensações de recompensa e motivação.
É ela que faz com que os jovens movimentem sem parar os dedos em busca de novas telas e vídeos, que busquem ansiosamente pelos “likes” e pelas “views” nos seus posts, e que chequem de forma quase compulsiva as reações e interações em suas redes sociais. É cada vez mais difícil para eles conseguir estabelecer limites e parar por conta própria.
A cultura da pressa, da urgência, também faz com que os jovens não tenham muita tolerância com as frustrações, com a imposição da hora de ir dormir, com pontos de vistas distintos, com relacionamentos mais longos, com os limites impostos pela escola e pelos pais e com as provas intermináveis.
O prazer instantâneo, os vídeos curtos, os dates imediatos proporcionados pelos apps de encontro, os games, as bets e a promessa do dinheiro fácil, a fissura das apostas, tudo isso é o que prende a atenção e mobiliza o jovem.
Como esse jeito de “funcionar” define quase toda uma geração, imagino que ele vai fazer parte do cenário de dificuldades que quase todos os alunos vão encarar nesse domingo. Essa realidade parece impactar os jovens de forma semelhante.
Aqueles que, ao longo do ano, conseguiram limitar seu uso de telas e tecnologias, podem ter “treinado” melhor seu cérebro, seu corpo e sua urgência de dopamina para desafios de maior fôlego e, dessa forma, talvez reúnam mais atenção, foco e concentração para horas e horas de testes, perguntas e redação. Aproveito aqui para desejar sucesso a todos nas provas e na saúde da sua vida digital. Boa sorte!
*Jairo Bouer é psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.